sábado, 29 de agosto de 2020

O sorriso dos peixes

 

Quando era pequenino

Sonhava com o sorriso dos peixes.

Desenhava palavras de menino

Na mão tracejada pela escuridão dos pássaros,

E, um dia, das palavras de menino,

Ao amanhecer,

Vi os teus olhos semeados na areia;

Sabia que um dia, qualquer dia,

Sem perceber que tinha em mim, aos poucos, um jardim de papel,

Alicerçado à minha triste veia,

Acordaria o teu sorriso.

Demorou anos, eternidades,

Passei por tempestades,

Oceanos recheados de medo,

E, esse dia, um dia, talvez aquele dia…

Regressou à minha mão,

E, fiquei com os teus lábios de amêndoa.

Quando era pequenino

Sonhava com o sorriso dos peixes,

Alimentava-me de sombras,

Triciclos em madeira,

Menino traquina,

Trapezista em construção,

E, procurava, na sanzala da saudade,

Os olhos do teu coração;

Amanhã, depois de amanhã, o dia, a noite,

E todos os pássaros,

Dormirão na tua boca.

Poço infinito dos beijos prometidos,

Canções, palavras… sonhos perdidos,

Que só a manhã sabe construir.

Hoje, sou o dia,

Hoje, sou aquele menino,

Que na tua mão,

Escreve a palavra Amo-te;

Eis o sorriso dos peixes.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha, 29/08/2020

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Os olhos do mar

 

Quando o mar é um silêncio de espuma

Nas mãos cansadas da maré,

Quando ao mar eu pertenço,

Sem nome, sem fé.

Quantos caracteres, meu amor,

São precisos para escrever,

Na areia,

O teu nome;

Amanhã, talvez, saberei o significado da palavra,

Azeda neblina que atravessa o rio.

E, pego em ti, minha pequenina flor,

Papel bronzeado,

Fogueira desta lareira suicida,

Que habita este corpo de nada,

Que brinca neste corpo cansado.

Servem as palavras

Ao destino menino de brincar,

Quando levita do rosto

Este sorriso embriagado,

E, sem gosto,

Nem me diz… obrigado

Nos olhos do mar.

 

 

Francisco Luís Fontinha, 28/08/2020

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Hoje, um dia de escrever

 

Hoje, triste dia de escrever,

Dia cansado de correr,

Neste Universo despenteado,

Longínquo Oceano de saudade,

Que o tempo não apaga.

Hoje, são palavras entre lágrimas de chorar,

E, canções de brincar,

Hoje, o menino dos calções, corre para o mar,

Senta-se na tua sombra,

E, recorda a espuma dos dias de Luanda.

Hoje, já não sei quem manda,

Se manda,

Se não manda,

Mas sei que hoje,

Todos aqueles que mandam,

Em mim, não,

Sou as palavras murmuradas, por ti, na noite chorada,

São palavras, minha querida, cartas a um filho…

Hoje, triste dia de escrever,

Dia cansado de correr,

Hoje, sanzala esquecida na tua mão,

Quando o Sol acorda sem resolução,

És canção…

És lágrima,

És mãe.

 

 

Francisco Luís Fontinha, 27/08/2020