quinta-feira, 20 de agosto de 2020

O barco

 Barco do destino, 20 de Agosto de 2020

 

 

Carta aos pássaros,

 

Meus queridos,

 

Chove. Alimento-me dos vossos sorrisos e, sempre que posso, mergulho nos vossos desejos, apesar de ontem, ao meio-dia, um pequeno silêncio de nada, aos poucos, mergulhar no destino,

Apetece-me rir,

Canso-me dos vossos tristes olhares, pela manhã e, um pedaço de nada, como uma nuvem de ninguém, cambalear no deserto da neblina, apetece-me correr para os vossos braços, caminhar sobre as pedras doidas,

Ouvi dizer,

Que uma pequena pedra lilás, dorminhoca, brinca na minha sombra, mas apenas ouvi dizer, como ouvi dizer que o mar um dia virá buscar-me e, talvez vá visitar as montanhas cinzentas, como quando pela noite regressou o vento, e fui visitar a lua,

Apetece-me rir, canso-me dos vossos tristes olhares, pedaços de nuvem são como as sandálias do pescador, pela madrugada, em busca de beijos,

Tudo é fácil,

Meus queridos,

Ontem vi uma flor perdidamente apaixonada pelo mar, um barco em papel veio falar comigo, mas os peixes não gostam de pássaros e, todas as flores são pedaços de algodão, pedrinhas mansas e, vento,

Sopra.

A caverna. O túnel engole o poeta, este, deixa cair todos os versos ao mar, e sinto que todos os peixes sabem na ponta da língua as palavras, mortas, do poeta,

Ontem.

Hoje.

Chove, perdidamente,

Regressa a paixão, caiem nas palavras o salgado silêncio, o pão parece envenenado na boca da tempestade, mas nem todos os pássaros compreendem, ou

Chove,

Ou, nada. Pedras. Barcos.

Nada.

 

Francisco Luís Fontinha

20/08/2020

Barco do destino, 20 de Agosto de 2020

 

 

Carta aos pássaros,

 

Meus queridos,

 

Chove. Alimento-me dos vossos sorrisos e, sempre que posso, mergulho nos vossos desejos, apesar de ontem, ao meio-dia, um pequeno silêncio de nada, aos poucos, mergulhar no destino,

Apetece-me rir,

Canso-me dos vossos tristes olhares, pela manhã e, um pedaço de nada, como uma nuvem de ninguém, cambalear no deserto da neblina, apetece-me correr para os vossos braços, caminhar sobre as pedras doidas,

Ouvi dizer,

Que uma pequena pedra lilás, dorminhoca, brinca na minha sombra, mas apenas ouvi dizer, como ouvi dizer que o mar um dia virá buscar-me e, talvez vá visitar as montanhas cinzentas, como quando pela noite regressou o vento, e fui visitar a lua,

Apetece-me rir, canso-me dos vossos tristes olhares, pedaços de nuvem são como as sandálias do pescador, pela madrugada, em busca de beijos,

Tudo é fácil,

Meus queridos,

Ontem vi uma flor perdidamente apaixonada pelo mar, um barco em papel veio falar comigo, mas os peixes não gostam de pássaros e, todas as flores são pedaços de algodão, pedrinhas mansas e, vento,

Sopra.

A caverna. O túnel engole o poeta, este, deixa cair todos os versos ao mar, e sinto que todos os peixes sabem na ponta da língua as palavras, mortas, do poeta,

Ontem.

Hoje.

Chove, perdidamente,

Regressa a paixão, caiem nas palavras o salgado silêncio, o pão parece envenenado na boca da tempestade, mas nem todos os pássaros compreendem, ou

Chove,

Ou, nada. Pedras. Barcos.

Nada.

 

Francisco Luís Fontinha

20/08/2020

terça-feira, 18 de agosto de 2020

Uma janela para o mar

 

Uma esplanada de desejo, em verso, suspensa na nuvem teu olhar, ao longe o grito dos pássaros famintos, o vento alicerça-se no teu cabelo, suspiro, abraço-te quando os ponteiros do relógio indicam a próxima tempestade de areia,

E, sinto,

 

Amanhã, meu amor,

As donzelas flores na mão de Creta,

Na ilha do desejo, onde habitam as esplanadas,

Vêem-se as ondas de espuma do teu sorriso.

Amanhã, meu amor,

Os pássaros famintos de que te falei,

Hoje, dormem na tua mão,

E, são felizes, meu amor.

 

O sítio perfeito para adormecer, pego no cobertor de versos, acaricio o lençol de palavras que te escrevo e, envio, todas as manhãs, antes do Inverno acordar. Sinto o teu corpo embrulhado no meu, pareces uma tela nas sombras da espátula que se entranha no teu púbis e, são felizes, meu amor,

 

Todos os pássaros,

E, são felizes, meu amor,

Todas as rosas do jardim das palavras vivas.

Amanhã, meu amor,

Numa cama de espuma nos vamos deitar,

Brincar com as telas imperfeitas, quase mortas, dos meus textos envenenados,

Antes, pela loucura, hoje, pelo amor.

 

Acorrento-me a ti, escrevo na tua pele, as palavras minhas,

Quão sombras, outras coisas suspensas nos teus lábios,

O sábio, o louco,

Descendo a calçada para a morte.

 

Impressionante, este cubículo de areia, os brinquedos todos alinhados, para que as crianças que somos, brinquem como os livres pássaros, que da montanha masturbam as nuvens de azoto e, cantam.se cantigas de embalar, à noite, quando te despes, o silêncio vagueia no teu cabelo, uma lâmina de desejo, avança de encontro à janela e, todas as clarabóias do prédio choram a tua partida,

 

Amanhã, meu amor,

Os doentes caules das plantas de granito,

São rosas, são pão, são beijos…

Na tua boca de silicatos adormecidos.

Hoje, sinto a maré nos teus seios,

Sei que pertencem apenas a ti, mas também as minhas palavras,

São as tuas palavras, são o sumo da uva, o glorioso vinho,

Que brinca na eira de Carvalhais,

E, não tenho mais pássaros para desenhar, meu amor,

No teu corpo nu, obscuro, simples, assim, como as palavras que escrevo.

 

O dia acorda, as sílabas levantam-se como caracóis despedidos sobre a mesa de jantar, uma vela, recheada de desejo, ilumina-nos, como se fossemos pequenas estrelas em papel, dançando na espuma da noite.

Amanhã, meu amor, todos os candeeiros a petróleo, são, talvez, uma janela para o mar.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 18 de Agosto de 2020

Novo sítio Blog Cachimbo de Água

 

https://cachimbodeagua.blogs.sapo.pt/

domingo, 16 de agosto de 2020

As palavras do poeta

 

Das palavras frias e esquecidas

Emerge o sonho do poeta,

Das palavras cansadas, vadias,

Correm nas mãos do poeta.

Nas ruas desertas e frias,

Entre janelas e clarabóias perdidas,

Que dormem na cidade inventada.

O sonho do poeta,

Quando escreve na esplanada deserta,

Vêm os milhões de gritos,

Desejos,

Do poeta,

Entre beijos.

O dia.

Quando o poeta acorda,

Dança sob a chuva miudinha,

São palavras, do poeta,

Aquelas que ficam esquecidas,

Nos olhos da amante do poeta.

Beijo.

O beijo do poeta

Nos lábios pincelados do poema,

As rosas, os jardins do poeta,

Numa qualquer cama.

(Das palavras frias e esquecidas

Emerge o sonho do poeta)

O medo.

A sombra que mata o poeta,

Quando a cidade se esconde no mar,

Quando o poeta desenha o próprio mar,

Na lareira da noite,

Quando a noite abraça o poeta,

Quando o poeta morre no poema.

Os versos,

As rosas das mãos do poeta,

São prosas,

São palavras…

São o fumo da montanha.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 16/08/2020