sexta-feira, 18 de outubro de 2019

A enxada da vida


Que te direi,

Se nada tenho para te dizer.

Que farei com estes livros,

Sós,

Abandonados…

Sonhei,

Uma noite,

Que os queimei.

E juntamente com eles, todos os meus fantasmas na fogueira.

Não.

Não chorei.

Nesta casa é expressamente proibido chorar.

Nesta casa é expressamente proibido falar em mar.

Porque esta casa é uma sombra esquecida na calçada.

Pedaços de alvenaria engripados,

Sempre em ternos espirros.

Que te direi,

Hoje,

Amanhã!

Porque amanhã,

Serei,

Um pedaço de xisto descendo socalcos até ao rio.

Amanhã serei barco, caravela… jangada.

Perdida,

Achada,

Na enxada da vida.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

18/10/2019

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

A casa


Sabes, meu amor,

Esta casa tornou-se gélida, inabitável, e deixei de ouvir vozes.

Esta casa parece o abismo,

Antes de nascer o sol.

Ontem habita nesta casa o Sol,

Hoje,

Habitam sombras, pedras e rosas envenenadas.

Esta casa, meu amor,

Mais parece um esqueleto sentado na penumbra…

Não abro as janelas.

Não.

Não quero ver a luz.

Sabes, meu amor,

Esta casa parece o inferno.

E eu que não sei o que é o inferno;

Se existe, não existe…

Ou é apenas um mito.

Esta casa perdeu a alegria.

Esta casa não é uma casa normal.

(também não sei o significado de casa normal)

Nesta casa deixe propositadamente morrer as plantas.

Estão de castigo.

Como os pássaros do meu jardim…

Nem esses me vêm visitar.

Voaram para outro jardim.

Assim,

Meu amor,

Esta casa parece um auspício em cima de uma montanha de lágrimas.

 

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

17/10/2019

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Transeunte faminto


O que faz a palavra na mão do transeunte faminto;

Comerá a palavra o transeunte faminto?

Comerá o faminto transeunte a palavra?

E se forem muitas palavras?

Muitos livros?

Como ficará o transeunte faminto!

 

Eu escrevo palavras.

Confesso que já tive fome.

Confesso que já me apeteceu comer as minhas palavras.

Mas fui infeliz ao cultivá-las!

 

Como quem cultiva o cereal e depois, da colheita,

Não tem coragem de comer o pão do cereal que cultivou.

 

Um livro come-se na madrugada.

Folheia-se no infinito deserto do pensamento.

Um livro não se como.

É indigesto durante a noite.

Um livro só é comestível quando se faz amor na madrugada.

Quando os pássaros poisam no peito da amada.

E o livro, ao poucos, em pedacinhos, como as migalhas da manhã…

Desparece no estômago do transeunte faminto.

 

Assim, para não me zangar com o vento,

Semeio palavras no meu jardim.

 

E sou tão feliz assim!

 

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

14/10/2019

domingo, 13 de outubro de 2019

A árvore da saudade


Diz-me tu!

Onde habitam as árvores dos teus sonhos.

Diz-me tu!

As palavras que me escreves quando a madrugada acorda,

E do amanhecer,

Uma flor poisa no teu sorriso.

Diz-me tu!

Onde crescem as acácias da minha infância,

E agora,

Não as consigo visibilizar como quando acordava o dia.

Diz-me tu!

O que faço com estes livros,

Diz-me tu!

O que faço com todas estas palavras que deambulam pela escuridão desta casa,

Fria,

Só,

Só.

Diz-me tu!

Que sombras são estas que brincam nestes compartimentos envenenados pela saudade…

Diz-me,

Tu,

Diz-me toda a verdade!

 

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

13/10/2019