sábado, 12 de outubro de 2019

Noites de geada


Sou o Sol que te aquece nas noites de geada.

Sou a parede do teu quarto que te acorda na madrugada.

Sou uma criança mimada.

Que brinca na sombra da alvorada.

Sou pedra perfumada.

Sou poema da palavra iluminada.

Sou o mar enfurecido numa Lisboa amada.

Sou livro, sou palavra assassinada.

Sou criança em risada.

Sou menino sem nada.

Sou espingarda.

Pistola abandonada.

Sou soldado do amor à procura de nada.

Sou eu que te escrevo na noite calada.

Sou calçada.

Sou o desejo no teu olhar, sou palavra riscada.

Sou o Sol, e mais nada.

Sou pedra cansada.

Sou socalco olhando o rio da saudade, sou a felicidade da hora amargurada.

Mas no final do dia, não sou nada!

Nada!

Apenas uma bandeira hasteada.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

12/10/2019

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

A pedra adormecida


Aqui estou eu;

Sentado sobre esta pedra adormecida pelo cacimbo.

Aqui estou eu pensando nas metástases nocturnas da infância,

Junto ao mar,

A revolução avança,

O soldado tomba na penumbra, morre.

Cada soldado tem um pai,

Cada soldado tem uma mãe,

Cada soldado tem mulher, filhos, irmãos…

E uma espingarda na mão,

Que dispara palavras.

Aqui estou eu;

Sentado no teu colo,

Afago-te o cabelo,

E mais logo,

Ao final da tarde,

Um pássaro de papel invade o teu olhar.

É isto o amor.

Amar,

Ser amado,

E escrever palavras no chão molhado.

Aqui estou eu;

Sentado numa pedra adormecida (pelo cacimbo).

Sei que respiro,

Sei que estou vivo,

Porque escrevo,

Beijo,

E não me sinto perdido.

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

11/10/2019

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

O poema da saudade


Sou um assassino de palavras.

Quando tenho saudades tuas, olho-me no espelho da noite,

Invento traços no meu rosto,

E as lágrimas do silêncio poisam nos meus lábios.

À noite, sinto a tua presença no meu peito.

Uma fechadura poeirenta alimenta-se do meu cansaço,

Como o rio que corre para o mar,

Sem nunca se cansar.

Mas eu, canso-me da tua ausência.

Estranho.

As rosas do nosso jardim adormeceram depois de partires…

E, e até as bananeiras estão tristes,

Estranhas,

Que quase nem me falam.

O poema da saudade cresce na minha mão,

Como um cancro no peito da madrugada.

Cerrei todas as janelas do meu pensamento,

Não penso,

Deixei de pensar; apenas penso em ti.

Mas começo a perceber que não me ouves.

Mas começo a perceber que a vida é construída de momentos,

Bons, os nossos,

Lindos,

Como o teu sorriso,

Como o teu olhar a pedir-me que te ajudasse…

Mas sabes que eu,

Eu nada podia fazer; apenas recordar-te…

Apenas e nada mais do que isso.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

10/10/2019

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Lamentos


Escrevo o teu nome na lápide nocturna do desejo.

Desenho nos teus lábios o silêncio do mar.

E confesso.

Nada vejo.

E confesso.

Só me apetece amar.

Sei que habitas algures nos meus livros, cansados como eu, velhos como o Sol.

Navego num oceano de palavras,

Algumas, gosto delas,

Outras…

Odeio-as.

Como odeio o vento de madrugada,

Ou a chuva ao final da tarde.

(devia ir tomar banho para jantar, e estou aqui a escrever merdas, lamentos…)

Escrevo o teu nome no silêncio do amanhecer,

Entre beijos e abraços,

Entre barcos e caravelas,

Todas,

Elas,

Invisíveis.

Escrevo-te.

Escrevo-te sem saber se vais ler o que escrevo.

Mas o importante é escrever.

Escrever.

Escrever.

Sem o banho consigo viver.

Mas não sei viver sem escrever.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

09/10/2019