sábado, 1 de dezembro de 2018

O Barbeiro


A navalha suspensa no pescoço da saudade, o terrível ausentado sentado na cadeira do barbeiro, o silêncio da espuma de barbear esvoaçando pelos jardins do sofrimento, adoro o Outono, diz ele reflectindo os lábios em suspiros no espelho,

- É o penúltimo andar do edifício do amor,

O ouro liquefeito escorrendo-lhe entre os dedos queimados pelo cigarro, não dorme, e, em lágrimas, recorda a solidão das tardes perdidas, lá fora está frio, o sussurro da alma descendo a montanha, velozmente, sente, na garganta,

- Ai Sr. José, cuidado com a navalha,

O Sr. José, diplomado desde 1835 em navalhas,

- Sabe, tenho fome, sede, saudade das sombras e dos pinheiros mansos, e, mesmo assim, deixei de escrever,

Navalhas duplas, triplas, circulares, quadrangulares e outras,

- Já faço isto à muito tempo, Sr. Francisco…

A noite é fria, a casa está escura, e, quando abro os olhos vejo as pirâmides do Egipto flutuando no tecto da sala, corro, desço as escadas até ao rés-do-chão, e, nada, absolutamente nada,

- É o que faz ser poeta, Sr. Francisco,

Os poemas matam-me, sofro, e, choro, escrevo cartas que nunca envio, tristezas e desabafos alucinados pelo luar,

- Vamos cortar o cabelo?

Pelo luar, o eterno abraço, o beijo enfeitiçado, como as velhas folhas de papel amarrotado onde escrevia, respondo-lhe que não, cabelo não,

- O Sr. É que sabe,

Abro a janela, um lenço de suicídio desce à velocidade de nove virgula oito segundo quadrados, aterra no pavimento, e, nada, deixou de respira, está moribundo, e tem na mão o esqueleto da insónia,

- Está novo, Sr. Francisco,

E depois da insónia regressam as lágrimas, e depois das lágrimas regressam as madrugadas sem ninguém…

- Tenha uma feliz noite, Sr. Francisco,

Dou um aperto de mão ao Sr. José pelo poema que me desenhou no rosto, e, vou jantar…

 

 

(ficção)

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 1 de Dezembro de 2018

sábado, 24 de novembro de 2018


Podia desenhar-te o Céu.

A vida é um suspiro, a casa vazia, triste e a tremer de frio…, o cansaço do amanhecer perdeu-se no teu olhar, respiras, sofres por mim, e não o queres demonstrar.

Sabes, tenho medo dos pássaros, que deixem de voar, que fiquem estonteantes, como eu, ao ver-te aí deitada, tenho medo da madrugada, porque amanhã não sei se vou ler nos teus olhos a palavra amo-te…

E é tão triste, e é tão belo, todo este silêncio que nos abraça.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 24 de Novembro de 2018

domingo, 18 de novembro de 2018

O choro da laranja


Meu amor, hoje pertenço-te, absorves-me, alimentas-te das minhas palavras esquecidas num qualquer engate, é tarde, meu amor, a noite rebenta no meu peito, sinto o peso das estrelas nas minhas pálpebras inacabadas, o pintor adormeceu sobre o seu próprio corpo, é inerte, invisível na paleta das cores diluídas na alma, a morte, meu querido, o fantasma clandestino do abismo descendo a Calçada, e ao fundo

- O rio reflectido nos teus lábios, meu amor, a vaidade da folha de papel esquecida sobre a pobre secretária de pinho, o caruncho, a ferrugem das ardósias iluminando a noite,

E ao fundo, os barcos adolescentes brincando na sonolência da inocência,

- Tenho medo, meu amor, alicerças-te ao meu cansaço, o Francisco partiu hoje para o desconhecido, sabes, meu amor, gostava dele, amava-o… e amo-o, e tenho medo, meu amor, dos pássaros que voam, das flores que choram, das abelhas que incendeiam a manhã dos silêncios de Oiro, sabes, meu amor, tenho medo

- De ti, de mim, de estar vivo inventando a vida em quadriculados poemas, mais nada, meu amor, mais nada, apenas o medo, a alegria de amar-te, sem saber que o amor habita neste caixão de enxofre,

Oxalá

- As portas, os tristes alicates da escuridão vestidos de mendicidade, a tua boca na minha, o beijo, a orgia matinal da poesia, gemes

Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii,

E nada quer de mim o que tu desejas…

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

domingo, 11 de novembro de 2018


(…)

 

Os sete orgasmos do Mussulo, a liberdade sobre as palmeiras invisíveis que me atormentavam, como campânulas de sofrimento, ao deitar, o caixão que dançava deixou de o fazer, dificuldades com o cachê, dispensa de artistas e cadáveres de cera, um altar recheado de almas, tantas almas como os versos do sem-abrigo quando sentado numa cadeira apodrecida de um circo ambulante,

Quero ser artista, mãe!

Nem penses..., nem... penses...

Filho meu não é artista!

Nunca,

Nunca, mãe?

Os sete, juntos, e sós, no Mussulo era mais barato, a saia descaída, o soutien desenhado no peito

E...

Nunca, mãe?

Nunca,

Nunca

No peito uma flecha de sémen rodopiando no gelo do ringue de patinagem... o belo, a dança... e o corpo em pequenas rotações...

Os teus lábios acorrentados aos meus beijos embriagados pelo desejo, não o sinto, o vulcão da tua pele, não vejo o sorriso da tua mão, em vulcão, mergulhada nas palavras que o silêncio desenha na melancolia,

É falso,

O dia disfarçado de lápide, os outros destinos rejeitados pelo cacimbo, há uma fogueira no corpo da sinfonia do amor,

É falso,

O falso prazer, a liberdade to TEXAS e Cais do Sodré gingavam na penumbra salgada do abismo,

O querido, dança?

 

 

(…)

 

 

Francisco Luís Fontinha

domingo, 4 de novembro de 2018

A caneta de espuma


Uma caneta de espuma dispara contra mim a bala da saudade.

Traz dentro de si o amor das noites mórbidas,

Que habitam nesta velha cidade.

Embrulho-me no papel amarrotado pelo sonho, escrevo-me como se fosse o último banho antes de partir,

Entrelaço as mãos, e voo em direcção à tempestade,

Sento-me no teu colo,

Pego no teu cabelo sombrio, cor de noite, como as serpentes da minha vida, cansadas de envelhecer em mim…

Sei que os teus beijos são porcelana de açúcar, rosas mortas no jardim da solidão,

Como os teus olhos, negros da saudade envelhecida dos relógios engasgados pelo luar…

Habitas-me,

Habitas-me enquanto eu respirar, e aos poucos, sinto-me deslizar montanha abaixo…

E escondo-me no rio da morte.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 4 de Novembro de 2018

sábado, 3 de novembro de 2018


(…)

 

Não, não amanhã, amanhã vou à cidade, deixar o meu cadáver para ser enviado para a Metrópole, uma ardósia no peito, 123768979/66,

Só isso, pai?

Só isso, quando chegamos, nada tínhamos, apenas um caixote de nada, um rio nas veias... e tu

O mar, pai?

Morreu, disseram-me.…, não percebi, morte!!!!!

O que é a morte, pai?

Voar, 123768979/66... em combate, o silêncio do Grafanil, os sorrisos das mangueiras nos meus lábios,

E...

Pai?

Sim, filho, Margarida reaparece da escuridão, tinha como hábito brincar na areia branca da praia dos sonhos,

Mãe, o pai?

Ficção, tudo isto, nada, a dor, acordava de madrugada a gritar por granadas, G3 e literatura, literatura, mãe?

Poesia, textos, trazia na algibeira da farda...

Farda, mãe?

Poesia, textos, trazia na algibeira da farda... toda a sua estória, as canções de menino, os primeiros beijos,

Margarida?

Sim António...

 

(…)

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

quinta-feira, 1 de novembro de 2018


(…)

 

A fome dentro de um subscrito, lembrava-se das tardes de infância inventando barcos em esferovite e sonhos, ele

As palavras?

Ele sorria, percebia-se no seu rosto o esqueleto e a alma da alegria, e, no entanto, morreu...

E nunca, e nunca mais conversou comigo...

António... António amava-o...

Não sei, António, não sei

Regressar, porquê?

Hoje acordei cedo, Margarida embrulhada nos lençóis do Pôr-do-Sol, e lá longe

Cintilações dos minguados beijos nos teus lábios, os seios de cera desenhados nas eternas mesas-de-cabeceira

Louco, ele?

E lá longe, murmúrios e incorrigíveis uísques brincando dentro de um livro, Margarida

Amor?

Amar...

Os homens tinham regressado da faina, olhava-me um barco, tive medo, confesso,

Eu confesso

Tu confessas

Ele confessa,

E confesso que fiquei perplexo, tão triste, tão triste como as flores de Inverno,

A faina, peixe... nenhum, nada, nada ao quadrado vezes seis a raiz quadrada de mil novecentos e sessenta e seis, o pequeno-almoço, as torradas,

Para ninguém, devolvida

Endereço desconhecido,

Ele confessa,

Um galão, escuro,

António?

Sim, amor,

Hoje,

Hoje o quê, meu amor?

Hoje não vou escrever palavras de chocolate...

 

 

(…)

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

domingo, 28 de outubro de 2018


(…)

 

Nunca soube o que era o amor, acreditava nas gaivotas em papel da minha infância, recordo o triciclo enferrujado, o boneco estúpido que apelidei de “chapelhudo” ..., que parvalhão apelidava o seu fiel amigo de “chapelhudo”, eu, claro,

As palavras misturadas entre orgasmos e flores, gemidos cirílicos suspensos nas andorinhas em flor,

Eu?

Nunca,

O amor,

Poemas escritos debaixo da embriaguez

Freguês?

Nem uma modinha habita na minha algibeira, e o amor sossegado debaixo de uma mangueira, crescia, brincava e...

Nunca,

E embrulhava-se na timidez de um novo dia, e lentamente, os meus ossos alimentados pelos sulcos solitários da noite, a barriga crescia-lhe, é menino? Menina?

Freguês?

Eu, simulador de voo quando as estrelas dormem, e habita na minha algibeira uma película fina de desejo,

O que é o desejo...!

Não

Nunca soube o que era o amor,

Não pai, não pode ser,

A vida é viver, um dia, dois dias, um quarto de dia..., percebes?

VIVER...

E amar?

 

 

(…)

 

Francisco Luís Fontinha

Sem medo de te perder


Teus lábios são amêndoas cansadas nos socalcos do douro,

Dentro de mim habita o cansaço da solidão,

Descendo a calçada,

Perpendicular aos penhascos doirados,

Sobre as minhas pálpebras um camião em transe, molhado pelo cacimbo,

Treme-me a mão que afaga o teu rosto,

Escrevo nas tuas lágrimas de papel amarrotado,

Doente,

Cansado.

Sofro, por ti, sabendo que existe no teu peito a injustiça,

Como todos os livros que leio,

Sofro, por ti, sabendo que em breve a geada te levará para o infinito adeus…

E eu, sem medo de te perder.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 28/10/2018

domingo, 21 de outubro de 2018


Amar,

Desenhar no alpendre as verdadeiras palavras, simples, comestíveis nas noites de insónia, o caminho alicerça-se aos seus dedos, ele permanece impávido, incrédulo, com todos os sorrisos das montanhas de sémen,

Não pago, não quero saber da paixão, do amor proibido que só os lençóis de porcelana conseguem desfrutar,

O amor,

O poeta,

As migalhas de Deus descendo a calçada encarnada das escadas para o sótão, trazias no corpo as flores mais belas dos jardins sem nome

O amor,

As janelas fotocópias de mares e marés ensonadas, a carta envenenada sem remetente nos candeeiros do Luar,

“A ponte,

O fumo vadio galgando as minhas roupas como uma aranha sem nome, fios, pedaços de saliva e gotículas de suor, a luz absorvida pelo teu corpo de naftalina, a gaveta do guarda-fato sem nada guardar, esfomeado, húmido, este triste quarto despido dos vidros e dos cortinados, frestas, sombras que um dia se ergueram durante a noite e fugiram...

Regressar?

Partíamos...

Sem perceber o que era a Saudade...”

Onde moras, menino,

Perdi-me sem saber o significado de saudade, Lisboa crucificava-me,

Abrias os braços...

E pensava em ti...

As sombras, e pensava em ti, meu amor, quando adormeciam as imagens lânguidas do sofrimento, o vulcão das tuas coxas,

O regresso?

Nunca

As sombras, o timbre fixo da foz espetada numa caixa de cartão, tinhas nas mãos a safira paixão das noites em flor,

Nunca, nunca conheci a tua pele, era sempre noite em nós, adormecíamos como dos corvos suspensos na putrefacção da insónia, cintilavam os teus seios nas pálpebras do mal-me-quer adocicado, louco

Apaixonado, eu?

O corpo incha como uma orquestra desafinada, os lençóis de linho misturados com os beijos nocturnos do sémen inventado pelos rochedos da memória, hoje há caracóis, sardinhas... os monstros marinhos da tua língua, os teus seios abraçados a uma tela vazia, branca, triste como as ruas da cidade do abismo,

Hoje?

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 21/10/2018

quinta-feira, 18 de outubro de 2018


Apaixonado, eu?
O corpo incha como uma orquestra desafinada, os lençóis de linho misturados com os beijos nocturnos do sémen inventado pelos rochedos da memória, hoje há caracóis, sardinhas... os monstros marinhos da tua língua, os teus seios abraçados a uma tela vazia, branca, triste como as ruas da cidade do abismo,
Hoje?
O velho caixote em madeira embrulhado com as comestíveis sereias de açúcar, a fotografia sempre extinta no meu olhar, não
Existes?
Talvez...
Mas sonhava, desenhava figuras geométricas nos lençóis da tempestade, sacudia as infames equações do orgasmo, e
Silêncio...
Que roupa vou vestir amanhã, mãe?
Silêncio,
E depois dos desejados sonhos do meu candeeiro
Porque nunca rezei,
Mãe...!
Navegas na morte, habitam em ti as saudades da partida, o regresso sem saída, absorto, infinitesimal adormecido numa lápide de sonho, partimos, chegamos, o frio entranhou-se-nos nos ossos, esquecemos as palavras, e todos os momentos, a loucura imaginária dos vinhedos escrevia nos rochedos... o xisto disfarçado de “Alimento para Cães”, as ruas inúteis, fúteis, onde ”putas e drogados” dormiam para fugirem ao vicio, a emigração dos corações de areia, a sedução, o prazer quando o teu corpo balançava na alegria, o sótão vazio, o telhado encravado nas ombreiras da paixão,
Amo-te, escreve ela todos os dias no espelho embaciado,
Amas-me?
O que é o amor, meu amor...
Palavras, poemas, poetas... & mortos sem cabeça, Amas-me? O que é o amor, meu amor...
Pedra, madeira...ou papel quadriculado,
Oiço
“Foda-se o amor”
E...
 
 
Francisco Luís Fontinha
18/10/2018

domingo, 14 de outubro de 2018

A tempestade


A noite passada

Foi um horror…

 

A gata desgastada,

Rasgou todos os meus papéis,

Deitou-se sobre o meu cobertor,

Adormeceu enquanto eu estripava um livro de poesia,

Gemia, ela, como se fosse a tempestade,

Antes de acordar o dia.

 

 

Francisco Luís Fontinha

14/10/2018

domingo, 7 de outubro de 2018

365 de cabeça perdida


Morro.

Sinto o silêncio do vento alicerçado aos meus calcanhares,

Preciso de voar nos teus olhos embriagados pela noite,

Mas, não o faço; alimento-me dos teus lábios lunares.

Morro.

O caixão embebido em pura lã virgem,

As ovelhas silenciadas nas planícies dos teus seios,

A vertigem do pensamento, completamente desalinhado, ferido…

Morro.

365 de cabeça perdida,

Soltam-se os parafusos dos alicerces da minha morada,

E lá longe, a montanha da minha última namorada,

Sinto-a na sombra da velha casa abandonada,

No radio oiço os palhaços vestidos de negro,

E uma janela perdida em lágrimas,

Completamente, só.

Morro.

A paixão são pedaços de vidro pincelados de orvalho,

E hoje, e amanhã, o cansaço dos livros,

O papel queimado,

As lágrimas do desejo quando a fogueira se senta na escuridão,

Louco.

Morro.

E quem ficará com o meu coração?

Um sem-abrigo?

Um lunático cobertor envelhecido?

Morro.

As estátuas sob o tampo invisível de uma pindérica secretária em madeira ceruminosa,

E um barco morre no Tejo.

Também, eu, como ele;

Morro.

Lâmpadas de néon acompanham o meu pobre caixão, até nisso não tive sorte…

Quatro tábuas, frágeis, cuidado,

Com o tempo das armaduras de ferro,

Quero a noite só para mim,

Como os amigos, alguns bons, outros, fingidos, filhos da puta…

E eu morro.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 06/10/2018

domingo, 16 de setembro de 2018

O louco


É noite, meu amor!

Sinto os teus braços entrelaçados no meu peito,

Um rochedo de saudade fundeado em mim,

Onde o peso da tristeza voa sobre o meu quarto abandonado pelas flores,

Sofrimento, a dor da fórmula matemática sem resolução,

Como a morte,

Ao final da tarde,

Os insectos poisados no teu corpo espelhado pelo nascer do sol…

É noite, meu amor!

Todos os dias são dias de insónia,

Tortura,

Desespero sombrio das cavernas habitadas por húmidas ardósias de espuma,

Desço o rio,

Mergulho nos teus lábios de poema adormecido,

O louco,

Adormecido,

É noite, meu amor!

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 16/09/2018

domingo, 9 de setembro de 2018

As palavras do amor


Das janelas não se viam as transeuntes folhas caducas,

A rua imunda, suja, recheada de sombras invisíveis,

E um corpo putrefacto mergulha na minha mão…

Que faço eu com ele?

Alimento-o,

Enterro-o…

Ou escrevo nele a minha raiva.

As espadas da saudade, cravadas no peito húmido do esqueleto de vidro,

As pedras perfurantes alicerçadas nos lábios do abismo,

Sinto-me tudo isto, ao adormecer…

Sem perceber as palavras do amor.

 

 

Francisco Luís Fontinha

09-09-2018

domingo, 26 de agosto de 2018

As escadas da morte


O louco sou eu.

Aquele que te acolhe nas noites de Inferno, recheadas de vento e veneno…

O louco sou eu,

Agachado nos socalcos olhando o Douro encurvado,

Pego na enxada da loucura, rezo pelo teu corpo e desespero-me em frente ao espelho envergonhado,

O louco sou eu, o teu eterno louco das tardes de poesia…

E sentia,

Dentro do meu peito, os apitos dos teus lábios afastando-se das marés de Inverno,

O sol que mergulha no xisto amarrotado pelo vento,

E as cidades que se escondem no poema…

Hiberno,

E para a semana que vem, fujo do teu sorriso,

Subo as escadas da morte,

E com um pouco de sorte,

Desprovido de juízo…

Uma caravela deita-se na minha cama,

Dispo-a,

Adormeço-a na minha mão…

Até que a tempestade nos separe.

 

 

 

Alijó, 26/08/2018

Francisco Luís Fontinha

domingo, 19 de agosto de 2018

Camarada das noites perdidas…


O que eu estranho na tua voz,

Os musseques de Luanda, ao longe, a praia e o mar…

Sinto o velho capim embrulhado nos meus braços,

Assobios,

Abraços,

Sinto no meu corpo o sorriso dos mabecos, enfurecidos pela tempestade,

Chove, a água alicerça-se no meu peito,

Estou morto, nesta terra sem fim,

Dilacerada como um cancro de chumbo poisado no meu sorriso…

A morte é bela,

E passeia-se pela minhas mãos.

 

Ouves-me? Camarada das noites perdidas…

 

O que eu estranho na tua voz,

O silêncio das flores,

As raízes do cansaço em frente ao espelho, sinto e vejo… o susto,

O medo de adormecer no teu colo,

Meu cadáver de lata,

Recheado de lâmpadas encarnadas…

 

Ouves-me? Camarada das noites perdidas…

 

A jangada laminada,

O sorriso de uma pomba, correndo a Calçada,

E no final da tarde,

Antes da alvorada,

Uma pedra se parte, arde na minha mão, como uma faca de sombra…

Cravada no corpo.

 

Assobios,

Abraços,

 

Enquanto eu o que estranho na tua voz,

São as sílabas do desespero.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 19/08/2018

domingo, 12 de agosto de 2018

Ausências


O tempo não passa.

O tempo é uma ameaça, um rio sem nome,

Escondido na minha infância.

 

Mãe, tenho fome,

Sinto o vento na tua lápide imaginária…

No fundeado Oceano,

De pano…

 

Mãe, me aquece antes que adormeça,

E esqueça,

O telefone,

Que não me larga,

Durante a noite,

A desgraça,

 

Os ossos envenenados pelo tédio da esplanada mal iluminada,

O empregado,

Coitado,

Cansado…

Já não me atura,

Foge,

Mistura,

O tabaco com outras substâncias, folhas mortas, ausências…

 

O tempo não passa, mãe.

 

E sinto constantemente, em mim, esta miséria,

Que me alimenta,

Mente,

Como um Planeta adormecido,

Senta,

Senta em mim as sombras das tuas lágrimas.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 12/08/18

domingo, 5 de agosto de 2018

Que sítio é este, meu amor!


Que sítio é este, onde me trazias lágrimas e palavras,

Ao final do dia,

Quando o meu corpo sentia,

A saudade desorganizada da fantasia,

Que corpo é este, onde me alimentavas a poesia,

E ao nascer do dia,

Uma gaivota apaixonada,

Me dizia…

Amanhã não serás nada,

 

Que amor é este, que trazes na lapela,

E afoguentas o Verão…

São palavras, senhora,

São vírgulas envenenadas pelo vento,

Que vem e vão…

 

Que silêncio é este, menina das tardes perdidas…

 

Entre rochedos e riachos, entre parêntesis e lâminas de incenso,

E lágrimas vendidas,

Numa qualquer feira, numa qualquer cidade,

Incendiada pelos teus seios, numa qualquer madrugada,

 

E searas.

 

Que triste, meu amor, as amoras selvagens,

Dormindo nos caminhos pedestres,

Descendo até ao rio…

Setadas na penumbra liberdade,

De um beijo amaldiçoado…

Na triste saudade,

 

Que sítio é este, meu amor desgovernado, triste e cansado…

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 05/08/2018