sábado, 10 de junho de 2017

O feitiço da Madame sem nome


No desastre dos meus braços naufraga uma barcaça imperfeita,

Um número esquisito suspenso na ardósia da tarde,

O mar está calmo, meu amor,

Tão calmo que podia suicidar-me nele sem ser percebido pelos seus lábios,

Dormir até à próxima maré de solidão que se enrola no meu corpo,

Um ninho de pássaros nunca visto por mim

Vive no meu jardim,

Cantam, brincam… e cagam todo o pavimento…

Mas gosto deles como gosto do teu sorriso na mácula presença de “Deus”,

Um abraço, o desenlace florido dos canteiros, sabes, meu amor, amanhã não haverá flores nos teus cabelos,

E a Madame sem nome entre gritos histéricos ao pôr-do-sol…

 

Salva-me, salva-me meu amor deste cansaço provisório que escreve nas minhas mãos os “poemas perdidos”, os poemas que ninguém lê e não gosta.

No desastre dos meus braços naufraga uma barcaça imperfeita,

E não saberei se estarás cá quando eu partir,

Detesto despedidas, meu amor, junto ao Tejo…

 

O cheiro dos barcos.

 

O perfume das gaivotas em revolta,

Que dormem junto à minha janela,

Quando nos espelhos do corredor acordam os esqueletos do sofrimento,

As estrelas são o teu olhar camuflado na escuridão da feira da vaidade,

Remeto-me ao silêncio, sabes meus amor, os jardins debruçam-se nas tuas coxas de xisto, e do rio regressa a ti a hipnotizante palavra do “Adeus” …

 

O cheiro dos barcos.

 

Junto ao tejo, meu amor… junto ao tejo…

 

O feitiço da Madame sem nome.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 10 de Junho de 2017

quinta-feira, 8 de junho de 2017

Nunca me encontrarás


Nunca me encontrarás porque eu sou a sombra,

Nunca me encontrarás junto ao rio a escrever nos teus lábios de Belém,

Nunca me encontrarás nos jardins de Belém…

Nem nunca me encontrarás abraçado aos braços da maré,

Nunca me encontrarás sentado a pensar em ti… porque, porque deixei de pensar em ti,

Hoje, nunca me encontrarás a desenhar nos teus lençóis os meninos a brincar na praia,

Porque a praia morreu,

Porque os meninos morreram,

Nunca me encontrarás enamorado pelo teu olhar,

Debaixo das nuvens envergonhadas dos finais de tarde,

Nunca me encontrarás enrolado nas tuas mentiras…

E batem à porta…

E espero que não me encontres neste circo ambulante,

Observando as árvores assassinadas pelos teus dedos…

Nunca me encontrarás nesta casa desajeitada e sem porta de entrada,

Que nem uma simples caixa do correio tem para receber as tuas cartas perfumadas,

Nunca me encontrarás a olhar o Sol… porque odeio o Sol,

Detesto o Sol.

Nunca me encontrarás passeando na rua atropelando automóveis famintos,

Tristes…

Tristes desencontros das ancoradas em flor…

Nunca me encontrarás nas tuas cartas nem no interior dos teus livros,

Porque não o quero…

Não quero ser encontrado.

Nunca me encontrarás.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 8 de Junho de 2017

quarta-feira, 7 de junho de 2017

(a mim?)


Rareiam por aqui as esquinas de luz do teu corpo,

Forço um beijo de sombra que habita no meu quarto,

Desenho nele a solidão de um final de tarde…

 

E sei que não voltarei mais.

 

(a mim?)

 

A ti, a mim e a esta terra que me acorrenta e mata,

A esta terra que me aprisiona desde criança

Como se eu fosse um Tiranossauro REX descendo a montanha do “Adeus”,

E lá longe a longínqua caneta enterrada no granito abraço,

(queres cerejas?)

Não. Não gosto de cerejas…

Olha! Olha, as laranjas do nosso quintal já são comestíveis,

Tão doces, tão doces como as tuas queridas mãos enfeitadas por flores, arbustos e lábios lacrimejantes, opiáceos livros de poesia poisados na nossa janela,

Quando a rua está deserta.

Não te entendo!

Não precisas de me entender…

 

Amanhã vais dizer que sou um vagabundo cambaleando pelos plátanos com leves folhas doiradas de tristeza,

A sátira perdida que apelidava o meu transeunte corpo de chocolate…

Com o calor…

Derrete. Morre.

 

E sei que não voltarei mais.

 

(a mim?)

 

Á vida. Não voltarei mais à escrita de estórias desalojadas numa quinta-feira à tarde, quando os miúdos regressam da escola e tu estás sentada na varanda a fazer pássaros de papel,

 

Tudo.

 

Ou nada.

 

O que importa é estar vivo…

 

Desde que nasce o Sol até ser noite.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 7 de Junho de 2017

domingo, 4 de junho de 2017

Palavras sombreadas


Suspendo nos teus olhos todas as palavras que não quero escrever,

Porque tenho o tempo limitado nas mãos do luar,

Suspendo nos teus olhos todos os sonhos que não quero viver…

Abraçado ao mar,

Recordo os barcos em papel que construías só para mim,

As ruas desertas e o som do capim…

Agora sou um desiludido com a vida suspensa no teu olhar,

Um homem que olha para a forca e para a faca invisível do sofrimento,

Construído em alumínio calcinado pela tempestade,

Adoro o vento,

E a cidade saboreando o vento…

Quero dormir e deixei de ter sono,

Porque nesta montanha onde habito,

Eu grito,

E escrevo nas sombras do destino,

Ai quando eu era menino…!

Ai quando eu era um vagabundo ouvindo o sino…!

E tinha sempre comigo a saudade.

 

Saberei esquecer nos teus olhos todas as palavras que não quero escrever?

 

Vejamos.

 

Ontem sonhei que fui atropelado pelo teu amor,

Um ramo de flores que trazias na tua lapela…

Como trago na minha um ramo de dor…

Ou uma canção tão bela,

Hoje termina o dia como terminam todos os dias…

Tristes e com chuva invisível,

 

Vejamos.

 

As laranjas são doces,

Perfumadas,

 

Encosta abaixo recordo as palavras assassinadas

Nas encostas das janelas entreabertas para o luar…

 

Vejamos.

 

As laranjas são doces,

Encantadas,

 

Quando o rio esconde madrugadas…

E nos teus olhos…

Suspendo todas as palavras.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 4 de Junho de 2017