segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

No peito uma flecha de sémen rodopiando no gelo do ringue de patinagem...


Quando dizias que aos três anos de idade já voava...

Eles chegaram, o caixão ainda cheirava à tinta fresca da manhã, brincava um silêncio de olhos verdes no vão de escada,

Foder num vão escada, como fodem todas as palavras do poema...

Sabíamos que o corpo não pertencia às nossas vidas,

Clandestino, eréctil nas disciplinas do abismo, o poema esfomeado esperando o amante suicidado,

amanhã, amanhã nascerá um cansaço de medo no afastamento dos círculos das cidades embriagadas,

Sem iluminação, sem mulheres ou bares para combater a distracção, uns panfletos expostos na parede xistosa,

Há Tripas,

O caixão dançava no centro da sala de estar,

Confesso,

Nunca tinha assistido à dança de um caixão...

Já imaginaram o dançar de um caixão?

Há tripas e...

Moelas,

A aldeia padece de claridade, existem fios de escuridão nos telhados cansados das palhotas de algodão,

Enigmático, eu?

Nunca tinha assistido à dança de um caixão...

Já imaginaram o dançar de um caixão?

Há tripas e...

Moelas,

E palavras sem coração, sentia-me embriagado nas mãos do amanhecer, sentia-me um miúdo encostado à sonolência da idade,

A aldeia em chamas, os campos esbranquiçados na tela do desejo imaginavam canções de moluscos e alguns grãos de areia,

O desenho teu na cidade dos alicerces alienados, os bares em combustão, as miúdas dançando canções de solidão,

Amas-me?

Que não,

Que a arte vive e vai morrer no teu olhar,

Ouves-me?

E palavras sem coração, avenidas nuas, travestidas de machimbombos reumáticos voando sobre a cidade, eu... eu... adormecia,

Inventava beijos nos teus braços, a minha primeira paixão, imaginava-te uma flor triste e cansada, nos circos ambulantes da saudade,

Os sete orgasmos do Mussulo, a liberdade sobre as palmeiras invisíveis que me atormentavam, como campânulas de sofrimento, ao deitar, o caixão que dançava deixou de o fazer, dificuldades com o cachê, dispensa de artistas e cadáveres de cera, um altar recheado de almas, tantas almas como os versos do sem-abrigo quando sentado numa cadeira apodrecida de um circo ambulante,

Quero ser artista, mãe!

Nem penses..., nem... penses...

Filho meu não é artista!

Nunca,

Nunca, mãe?

Os sete, juntos, e sós, no Mussulo era mais barato, a saia descaída, o soutien desenhado no peito

E...

Nunca, mãe?

Nunca,

Nunca

No peito uma flecha de sémen rodopiando no gelo do ringue de patinagem... o belo, a dança... e o corpo em pequenas rotações...

Os teus lábios acorrentados aos meus beijos embriagados pelo desejo, não o sinto, o vulcão da tua pele, não vejo o sorriso da tua mão, em vulcão, mergulhada nas palavras que o silêncio desenha na melancolia,

É falso,

O dia disfarçado de lápide, os outros destinos rejeitados pelo cacimbo, há uma fogueira no corpo da sinfonia do amor,

É falso,

O falso prazer, a liberdade to TEXAS e Cais do Sodré gingavam na penumbra salgada do abismo,

O querido dança?

Fumo,

É falso,

São falsas, os textos a beleza e o amar, quando o amar pertence aos clandestinos eternos sonos dos Narcisos de prata, o pilar central do orgasmo mergulhada entre duas árvores,

Amar, amor,

Ao fundo os homens calcetando labaredas em poesia adormecida... é falso, que o amor morra nas planícies salgas do deserto...

Os outros, o monstro das quatro cabeças brincando dentro de mim, saltava à corda, subia aos pinheiros pintados em papel cenário..., e havia sempre um pigmentado sorriso nos seus lábios, era Sexta-feira, daquelas Sextas-feiras que iluminam as imagens a preto e branco, o sono, a agonia de olhar o mar desenhado numa das paredes do quarto, escuro, ainda boiava a noite nas veias da adrenalina constelação do amor, aquele amor inventado apenas para adormecer na poesia, nada mais do que isso...

Isso o quê, meu amor!

Os outros, o monstro

Batem à porta,

Livros, livros nas mãos cardume do carteiro, assine aqui se faz favor, assinei, foi-se embora, escondido no arvoredo comecei a acariciar o envelope, lá dentro percebia-se que alguém existia para me abraçar, daqueles abraços trigonométricos, sabes?

Sei, os outros, o monstro, a perfeita nostalgia, sebes de papel laminado voando sobre o jardim

O gajo passou-se, dizem...

Que sim, livros, Isso o quê, meu amor! Batem à porta, e falou comigo,

Beijou-me literariamente, sorri, levantei o olhar em direcção às palavras de amar, não tive coragem de abraçá-la com as vogais e as consoantes do poema, alegremente imaginava-me um transeunte sem identidade, nos sonhos aparecias vestida de melancolia, as fotocópias e as fotografias, sem identidade, nome, palavras de amar

Amanhã?

Não o sei, percebi que as pálpebras do desejo habitavam nos nossos corpos de cinza, perdia-me nos teus braços como se perdem as gaivotas nos cacilheiros da saudade, palavras, palavras enigmáticas em construção, o corpo minguava na escuridão, o monstro das quatro cabeças dançando nos meus ombros, sentia-me uma circunferência sem olhar, sem.… sem um corpo para aportar, a saudade

Sentidas,

Os tristes silêncios da minha infância saltando os muros da Primavera, as amendoeiras em flor, as andorinhas apaixonadas, e eu

Sentidas,

A saudade que os meus braços abraçavam,

Saudade?

Caminhei sobre as pedras sonolentas da literatura, cansei-me dos teus poemas e da “merda” dos teus desenhos,

Sentidas?

Sem identidade...

Podíamos ancorar a estes versos, permanecermos impávidos das celestes lágrimas do Universo, Saudade? Caminhei, sentei-me sobre as quatro sombras da preguiça, sofri, sonhei, aprendi que o amor é um cubículo sem janelas,

Junto ao mar,

É tão lindo, o mar, mãe...

Os barcos e as jangadas de silêncio, os embriagados corpos dançando no texto, encerra-se o livro, e morre o escritor,

Um poema...

Palavras, sons, imagens, barcos, marés... sucata amaldiçoada pela fresta do luar, a astronomia e a matemática, dormem, saciam-se nas metáforas da insónia, corpos, nus, entre eles... o sexo desenhado em cada esquina, a porta do quarto rangia, gemia, e sabíamos que ninguém nos ouvia,

Orgia?

De palavras e de poesia,

Um poema?

Negro, opaco, sem corpo nem cabelo, morto, fictício..., mas pouco, pouco, como os dias à tua espera...

O fugitivo regressa, aparece disfarçado de pássaro, não voa, deixou de voar, sonhar, deixou de viver, e de construir castelos de areia junto ao mar, quando dizias que aos três anos de idade já voava...

Eles chegaram, o caixão ainda cheirava à tinta fresca da manhã, brincava um silêncio de olhos verdes no vão de escada,

Foder num vão escada, como fodem todas as palavras do poema...

Sabíamos que o corpo não pertencia às nossas vidas, e o fugitivo sem regressar aos nossos lençóis de sémen foragido, sem pátria, destino

A porta de entrada encerrada,

Janelas ainda não tinham acordado,

Destino, viver dentro de duas folhas brancas com olhos verdes, um círculo, o Sol, a Lua, o vazio do corpo na alvorada clandestina, fria, fria e amarga,

A porta

Deus, criador de tudo e de todos, a porta gaguejando, rangiam os biombos da literatura quando imaginava o mar na parede da biblioteca,

Apetecia-me

Queimar todos os livros, meus, desenhos, vozes, corpos de insectos e rosas embalsamadas, queimar as fotocópias e os fósforos da insónia, beijar-te e olhar-te

A mim?

A porta entranhada entre dois segundos, as lâmpadas lá de casa todas fundidas, sós, escuras, como a humidade das palavras enquanto pessoas, nenhumas... monstras, vazio, a astronomia do ciúme suspensa num cabo de aço, Rua da Nossa Senhora..., Não está, hoje,

O Doutor, a secretária do Doutor, e a porta, envergonhada como eu, porque hoje não houve madrugada, porque hoje morrem as palavras...

(cansei-me, vou deixar de escrever durante uns tempos e de frequentar as redes sociais, cansei-me e apetece-me ouvir Wordsong... embrulhar-me nos sons das palavras... e imaginar AL Berto voando junto ao Tejo. Vou ler muito mais e dedicar-me ao desenho)

Mãe, como é o mar?

Lençóis de espuma, meu filho, silêncios de sombras poisadas numa tela virgem, aos poucos reaparecem as palavras e os riscos, a arte de amar e de navegar num beijo invisível, sem imagens, sem noite para chorar, as ruas completamente indiferentes às minhas tristezas, as cintilações dos versos descendo os socalcos imaginados pelas tuas brincadeiras de menino,

Fui menino, mãe?

Cansei-me das palavras,

Escrita... nunca,

Mais

Amanhã restará uma única sílaba ao acordar, o espelho

Mais nada a acrescentar aos teus desejos, meu filho...

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Pão imaginário



São horas de terminar
este cansaço
desesperado,
são horas de caminhar
sobre esta calçada
triste
e magoada,
e quando este dia terminar
são horas de cessar
esta vida embainhada
que só a solidão sabe comemorar…
são horas
meu amor
de terminar estas palavras desejadas
velhas
tão velhas como a madrugada,
são horas de terminar
este cansaço
desesperado,
das planícies devolutas
o pincel poisa na tela da saudade,
e são horas,
meu amor…
são horas de trabalhar
a montanha da noite,
são horas de fabricar o pão imaginário
dos telhados de vidro…
são horas,
são horas… são horas meu amor
de erguer
bem alto
este poema assassinado pelo tempo.


Francisco Luís Fontinha
23/01/17