sábado, 6 de agosto de 2016

os olhos do teu prazer


descem a ribeira

os olhos do teu prazer

trazem na mão a tristeza

e o mar a arder

sinto o palpitar do meu coração

numa simples gota de suor…

deitada nas sombras dos aciprestes

descem a ribeira

as montanhas desertas

cansadas de viver…

que este corpo desenhou

nas palavras de escrever

descem a ribeira

os trilhos pedestres

dos abutres desgovernados

tristes

apavorados…

pela solidão da tempestade.

 

Francisco Luís Fontinha

sábado, 6 de Agosto de 2016

terça-feira, 2 de agosto de 2016


(…)

 

Triste?

Que algo de triste ia acontecer, e aconteceu, e.… senti-me ténue nas mãos garras da gaivota sem nome, pediram-me a certidão de nascimento, acanhadamente respondi-lhes que não a tinha, que nunca a tive, porque

Sou,

Sentia-lhe o cheiro da naftalina nas roupas emagrecidas, e eu

Sou, sou um apátrida com dentes de marfim, e eu, eu sabia que morreria como um rio de encontro ao mar, que morreria como um barco encalhado num velho quintal de um velho bairro onde habitavam velhas casas, com velhas árvores, onde viviam velhos

Sou,

Pássaros como bolas de naftalina, como beijos prometidos e nunca dados, como beijos perdidos na avenida longínqua da saudade, e sentia-te sentir na minha mão os teus velhos lábios, os teus lábios inventados pelo batom encarnado, e de uma roulotte ouviam-se-lhe os gritos da distância, no oitavo andar sentia-lhe os sons amorfos encurralados na janela de porcelana, ele chorava entre as linhas do velho, também ele, do velho

Caderno quadriculado?

Um lindo poema morre, e sou, sentia-lhe o cheiro da naftalina nas roupas emagrecidas, e eu conversava com as também velhas sombras de Deus, e de nada percebia, queríamos conversar e não tínhamos todas as palavras necessárias, Deus imaginava-me um louco vestido de andaime suspenso num oitavo andar da memória, Deus queria-me e eu sentia-lhe os sonoros melódicos suspiros do velho piano de cauda, um livro estava com febre, uma mão agachada no capim, tristemente agoniada... mão, não tinha força para se levantar, para gritar, para chamar os velhos pássaros que viviam nas velhas árvores no velho quintal,

Caderno quadriculado?

Sou,

Sou, sou um apátrida com dentes de marfim, e eu, eu sabia que morreria como um rio de encontro ao mar, que morreria como um barco encalhado num velho quintal de um velho bairro onde habitavam velhas casas, com velhas árvores, onde viviam velhos meninos, e que vestiam velhos calções e calçavam velhas sandálias... e nas mãos

Nas mãos velhos papagaios em papel pardo,

E nas mãos sentia-lhe o nome “pai”, e ele percebia o meu choro, as minhas lágrimas, como percebeu muito mais tarde o meu sonho...

Outros espiavam-nos juntos às bananeiras com quatro cadeiras e um círculo de sombra, fervíamos um no outro, e outros, e outras, aos poucos apenas o silêncio do teu corpo fervilhando entre os meus dedos, outros, e outras, aos poucos o teu púbis vulcânico descia a montanha do Adeus, e cada vez mais longe

Fervilhando,

Fervíamos,

Deixávamos os meninos em volta de pequenas poças de água, tinha chovido, a terra cheirava a fogo, e o céu começava a clarear como acontecia com as janelas da velha barcaça que nos levava até ao paradisíaco Mussulo, eu, eu amava-o, e tu, tu apenas encolhias as pernas, e sobre ti um lenço de desejo te absorvia, flutuavas como uma abelha dentro da cubata, rodavas em pequenos círculos trigonométricos, e dos teus lábios um líquido amargo com sorriso de co-seno desenhava-te na face esquerda uma parábola, a equação descia-te até enrolar-se nos teus tornozelos de areia branca, palmeiras e outros, e outras

Fervilhando,

Fervíamos,

E outras melodias esperavam no cais pelo desejado embarque, deixei-te para nunca mais poisar-me sobre ti, voando, eu, eu ainda tentei..., mas caí sobre o Oceano, mergulhei acreditando encontrar-te lá muito no fundo, mas

Fervilhando,

Pedras e nada mais,

O pôr-do-sol era triste, fervilhavas nos meus longos dedos, e os teus gemidos alimentavam todo o espaço vazio da cubata, não tínhamos sequer onde poisar uma gotícula de sémen, não tínhamos sequer onde deixar suspenso na madeira misturada com zinco o crucifixo que tínhamos trazido do outro lado da cidade, antes de partirmos, antes de te deixar sobre o cais..., e quando percebi

Fervilhando,

Pedras e nada mais,

Percebi que tinhas desaparecido entre o cacimbo e a saudade, percebi que tinhas zarpado como a nossa velha barcaça, procurei por ti, inventei desculpas, cheguei a descer às profundezas do Tejo, entrei em Cais do Sodré, bebi, embriaguei-me, dancei sobre mesas e cadeiras, cambaleei até Belém, atravessei os carris e sentei-me junto ao rio..., fervíamos como líquidos amargos na imensidão dos botões de rosa, alguns bravios, outros, outros mórbidos, outras..., outros sem vida, e nada, e ninguém, nem sequer um simples peixe... para me informar do teu paradeiro, percebi que a nossa cubata tinha ardido, anos mais tarde, percebi que o teu corpo tinha crescido, mudado de forma, percebi que estávamos velhos, como o espelho da casa de banho, quando hoje me olha e diz-me

Fervilhando,

Fervíamos,

E eu, eu...  no cais pelo desejado embarque...

Como ser feliz quando não se é feliz, como, como acreditar... como confiar... como?

Sendo,

E apenas, voando como as nuvens de chocolate na boca das crianças, como, sendo, as proibidas manhãs com Sábados invisíveis, acreditando?

Sendo, parecendo ser e não o ser, esperar, esperar, só, sentado, num banco em pedra, frio e húmido, de esqueleto quebrado, os ossos acabados de submergir das profundezas vozes sem as ditas

Palavras?

As loucas palavras?

Sendo, eu sei, voando, se eu soubesse, voava dentro de ti, teu corpo de magnólia com perfume a desejo, e ficando, e deixando

As loucas palavras?

Como retirara venda dos olhos, se ela, se ela é de aço maciço, como cordas de sisal suspensas do céu, servindo, como acreditando, apenas para acolher com doçura as velhas e cansadas árvores, as alegres e as tristes, como nós, e apenas, voando, e sendo, como tu, sofrendo como tu, apenas, assim.… como as algibeiras da noite rompendo a madrugada e pintando o sobejante com acrílicos em cadáveres, quase a serem enterrados vivos na fogueira, sendo, acreditando e

Palavras?

As loucas palavras?

Sofrendo, e ardendo em ti quando transportas contigo a fogueira inventada numa noite de Inverno, quando sentados, nós, desenhávamos o fogo nas paredes do escritório, como acreditar?

Acreditando,

E

E como confiar?

Confiando,

Não o sei, apagando esse fogo, ouvindo a música das plantas, simplesmente... ouvindo e sonhando e

Acreditando?

Deixara de chover, a máquina de lavar roupa pifou uma vez mais, constipação, ou

Fígado,

Ou

Talvez não,

Não temos tempo para despedidas, Pedro, O senhor Alberto para o filho que parecia uma abelha em círculos de luz às voltas do avô João, o carro pronto a avançar estrada fora, recheado de pequenas miudezas, batatas e couves, chouriços e presunto, pão de milho, e o Opel Kadett de 1964 aos soluços como os bebés depois de nascerem enquanto aguardam a chegada do babado pai e a enfermeira

É um menino,

Fígado,

Ou

Talvez não,

O pai retractava o filho com imagens a preto e branco, no tornozelo uma fitinha azul com o nome e o dos progenitores, e se fosse hoje, e se fosse hoje juro

Pifou

E deixara de chover.

 

In “Noites de mim”

 

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Corpo sentido


O meu corpo sente

Os teus lábios carnívoros

Desenhando marés de medo

E palavras de silêncio,

O meu corpo sente

As tuas mãos de xisto

Transportando um rio no sorriso

Antes de terminar o dia,

O meu corpo sente

A noite menina

Deitada na praia…

Deitada na ria…

O meu corpo sente

A despedida

De um relógio de bolso…

Quando a cidade adormece,

O meu corpo sente

E estremece

Quando o teu cabelo aprisiona o luar…

E nada pertence à saudade…

O meu corpo sente

As sílabas do poema

Quando a madrugada se despede da cama…

E o meu corpo,

Ausente

 

Sente.

 

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 1 de Agosto de 2016