sábado, 5 de março de 2016

Ausência

Ausento-me tantas vezes do meu corpo que até me esqueço que existo, verdade, tenho dias que não me pertenço, sou o nada, sou a sonâmbula madrugada vestida de ressaca, o triângulo equilátero suspenso na ardósia do medo, permaneço incrédulo, pasmo, ausento-me tantas vezes…, e nunca regresso ao ponto de partida,
Assim, então, és um desgovernado transeunte disfarçado de mendigo, assim, então, és a poesia trazida dos Oceanos do sono, porra, ignoras-te, sentes na pele a derradeira separação, o frio, a geada, as tardes enganadas em Vila Real, esperando tu, o quê?
Sete dias sem dormir, um bar quase a encerrar, e não tenho para onde ir…
Assim, então, és uma ratazana de esgoto, literatizes-te menino da geringonça, amordaçado pelo tempo,
Fui,
Fazes bem,
Ausento-me tantas vezes
Ontem veio a carta para pagar a electricidade, não tenho dinheiro para a pagar…, foda-se. Quarenta euros? Nem TV tenho, só se for a insuflável boneca que cá deixaste,
Parvo,
Parva,
Ausento.me tantas vezes, dias horas, minutos e segundos, são apenas palavras, palavras, palavras de nada…
Parvo,
De nada.
 
Francisco Luís Fontinha
Sábado, 5 de Março de 2016

sexta-feira, 4 de março de 2016

Rua sem saída


Hoje sinto-me um poço de sonhos,

Perdido, como sempre, nesta rua sem saída,

Nesta cidade em despedida

Que me viu partir apenas com uma mochila e um livro na mão…

Papeis poucos, uma esferográfica antiga,

E um beijo,

 

Hoje sinto-me um poço de sonhos,

Galgando o frenesim das almas sem descanso,

E dos cadáveres adormecidos pelo tempo,

Hoje, hoje pesa-me o cansaço da paixão

Que deitei fora numa certa madrugada,

E um beijo… e um beijo em papel.

 

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 4 de marco de 2016

quarta-feira, 2 de março de 2016

Musseque desventrado


Não, não meu amor,

 

A lua não te pertence,

A lua é um esconderijo de beijos,

Uma cidade inanimada…

Um musseque desventrado

Com vista para o mar,

Não, não meu amor,

A lua não é um veleiro à deriva,

Uma cascata da vida,

A lua, meu amor, a lua nunca te pertenceu…

E nenhum de nós a pode abraçar,

Como se abraçam as árvores

E os pássaros na Primavera!

 

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 2 de marco de 2016

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

O falso louco


Amar o falso louco

Quando da noite regressam os comboios da saudade

Imprimir as rugas da infância

No pedaço de terra encharcada de silêncio

Depois de acordar a madrugada

Amar o falso louco

Quando do louco nada sobressai nas tardes de uma cidade abandonada…

Sem transeuntes para conversar

Sem transeuntes para brincar

Deito-me sobre as pedras afiadas do desejo

Invento crianças nas minhas brincadeiras

Desenho círculos na areia

Antes que o mar os apague

E novos círculos são desenhados por outros falsos loucos

Como eu…

Como nós.

 

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 29 de Fevereiro de 2016

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Ausente nos teus lençóis de linho


Não me peças para viver sem a tua presença,

Não me peças para imprimir a tua presença na minha mão,

Que de todas as ausências, mentem, são tristes, comoventes…

Não me peças para te amar…

Porque nunca te vou amar,

Beijar-te

E abraçar-te,

Não me peças para ser um ausente

E inanimado miúdo de calções transparentes,

Finjo,

Fujo

Das tuas garras,

Sou a montanha sem cume,

O penhasco da desilusão,

Não me peças

Amor

Carinho

E presença,

Sou um esquilo, tranquilo, mas ausente,

Nas fanfarras de Verão,

Nas aldeias no Inverno,

No cimento embriagado pelo silêncio,

Deito-me em ti,

Durmo nos teus lençóis de linho,

E mesmo assim,

Não te amo…

 

Francisco Luís Fontinha

Domingo, 28 de Fevereiro de 2016