sábado, 1 de agosto de 2015

Então, pá?

Escondo-me nesta cidade de sombras, vou à janela e oiço o fogo das imagens prateadas no corpo inabitado, preciso de ver o mar, os barcos, os corações acorrentados à geada, escondo-me
- Acordei nas alegres palavras do silêncio folheando fotografias embainhadas nas bocas sonolentas da madrugada, fui ao espelho, do meu esqueleto saltitou a paixão, percebi que o amor… é uma estrada infinita,
No cais assombrado pelas palavras, sinto o cigarro do meu sonho, escrevo pensando que o sono é um espelho de algas finas, frágeis, quebradiças quando da tempestade,
- Então pá?
Nada,
Amanhã o perfumado piloto da minha jangada,
- Então pá?
Não o sei, tinha na mão a sangrenta visão das serpentes da noite, sabia o meu nome, percebia que eu era apenas uma pedra em granito, frio, cansado das horas travestidas de medo e lágrimas, cinco minutos debaixo de uma árvore que aos poucos fui travando amizade, hoje
- Uma amiga vestida no Verão e nua no Inverno, são assim, as árvores do meu jardim, belas, fingidas de verde correndo os Musseques da forca,
Hoje, Musseques da forca, ruas enganadas pelo Tejo, recordo os Cacilheiro de lábios pintados e de mini-saia, e eu…
Escondo-me,
Parto para o sofrimento andaime das flores gigantes, a loucura encurralada nas ruas de Lisboa, ela ama-me
- Areia fina, rochedos cinzentos afagados nos meus braços, desço a Calçada, encontro-te na infinita poesia da manhã, o café recheado de promessas, amo-te,
Os amigos ao longe, olhavam-me, fotografavam-me com as mãos calejadas da velha espingarda com balas de papel, ria-me, chorava, perdia-me
- No teu corpo, entardecia nos teus seios,
Então pá?
Desciam as nuvens sobre o teu cabelo, escondia-me nas tuas coxas, e nem tu, e nem eu, sabíamos que um dia chegaria a saudade, então, pá?
Nada,
No teu corpo, a prisão inventada por um louco verdadeiro, como o circo, eu sobre um arame invisível, corria, agachava-me nos teus lábios, as estrelas, as ruas, as casas, as “putas dentro das casas”… Então, pá?
Todos os vidros da janela do amor entre beijos na estrada infinita…
- Então, pá?
 
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 1 de Agosto de 2015


sexta-feira, 31 de julho de 2015

Insónia dos Oceanos


Um cachimbo mergulha na água perfumada do silêncio,

Transporto nos ombros a insónia dos Oceanos,

Os ossos embalsamados embrulham-se nas paredes de vidro de um olhar,

Perdi o mar da minha infância,

Construo no coração um muro em xisto,

Ao longe os socalcos imaginários,

As janelas sem cortinado,

As fotografias envenenadas pelos sais-de-prata,

E eu, aqui, sentado, escrevendo coisas sem significado…

Palavras que se escondem no vento,

Os livros, sós, dormem sobre uma secretária doente,

Pego no cachimbo e finjo acreditar na solidão…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sexta-feira, 31 de Julho de 2015

quarta-feira, 29 de julho de 2015

O fingidor de sonhos


Tenho asas nas pálpebras

Sou o solitário viajante das noites infinitas

Oiço a madrugada embrulhada em pedaços de lágrimas

E das palavras que incessantemente te escrevi

Já não preciso delas

Nem dos livros

Fotografias

Nada assim

Tenho nas mãos os secretos beijos dos teus lábios

Tenho no olhar a tua boca sonolenta

Em queda livre

Em direcção à cidade

Finjo que amanhã será um novo dia

Estará sol

E vão nascer nos teus braços tristes cordas de nylon

Transformar-te-ás num barco de papel

Sem bandeira

Comandante…

Nem precisarás de marinheiros

Ou vento para desceres a montanha da saudade

Imagino-te voando como as gaivotas sobre o Tejo

Sentava-me e fumava cigarros doentios

Depois escrevia num caderno o número de petroleiros contra o desassossego

Traziam a dor

E os movimentos pendulares do sonho

Tenho nas pálpebras

As asas

Que a madrugada há-de afogar nos Oceanos

Que a manhã há-de levar na algibeira

Para a outra margem

Fotografias

Em queda livre

Livre…

Como o luar dos amanheceres em vidro

Fusco

Cortinados abandonados numa janela sem sorriso

Fusco

Finjo…

Que tenho asas nas pálpebras.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quarta-feira, 29 de Julho de 2015

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Quarto cinzento


Vivo imaginando corvos poisados neste quarto cinzento,

Sinto ao longe os barcos em círculos atravessando a tempestade,

Esta cidade morre como morreram todas as flores do meu jardim,

E mesmo assim…

Não me apetece escrever neste lugar sem nome,

Não vejo as estrelas,

Perdi a noite

E os andaimes da escuridão,

Perdi a paixão,

Deixei de ter o rio nas minhas veias,

As calças cresceram,

Pertencem a outro arbusto,

 

E estou aqui… como um rochedo,

Perdido,

Vestido de medo,

 

Sentado numa cadeira invisível.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Porto, 27/07/2015

domingo, 26 de julho de 2015

As máscaras da noite


Cessem todas as luzes da madrugada,

Rasgam-se as palavras na fogueira da tristeza,

Tens na cama as amarras infinitas da dor,

Oiço-te,

Imagino-te brincando na eira junto ao mar,

As flores,

Emagrecem no silêncio do vento,

Fingem a Primavera os cortinados da noite,

E deixas de ter noite,

O relógio que transportavas no pulso

Habita hoje nesta cidade de lápides,

E o teu rosto é um plátano sem vida…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

26-07-2015

Poço da paixão


Quatro quadrados aprisionam esta janela,

Um pedacinho de medo algures no esconderijo da saudade,

Trocava os quadrados por círculos de prata,

Vestia-me de mendigo,

De lata na mão,

Pedia solidão,

Trocava todos os meus livros por silêncio,

E enterrava as minhas palavras no poço da paixão…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Porto, 26-07-2015

Carta a uma amante

Vivíamos na sombra branca do hemisfério da loucura, sentia-te dentro do meu corpo, brincavas, imaginavas coisas, escrevias no meu pensamento,
- Deixa-me,
Não me conhece, sou um estranho com um coração em granito, sou um poço abstracto no fogo das borboletas, e esqueceu o meu nome
O amor,
- Deixa-me,
O meu nome penhorado a uma certa madrugada, fugiram as estrelas, as ruas, os nomes das ruas…
Ai o amor,
- Deixa-me…
O amor embaciado nas vitrinas esquecidas, os lábios do amanhecer pincelados de desenhos, luzes, o circo, o palhaço, o secreto poço-da-morte,
Perdoa-me, deixa-me navegar nos teus braços, deixa-me abraçar-te, beijar-te, e escrever no teu olhar
Amo-te,
- Deixa-me,
Amanhã o deserto crucificado pela neblina, o sono infinito nas águas salgadas, desfalecendo na tempestade, ai o amor, o triste amor, os cansados automóveis no enigmático corredor da roleta,
Cinco,
“Caralho… tinha o seis”…
Tudo,
Ai o amor,
Perdi,
Naquela noite sabíamos que a despedida era um rochedo embriagado, um barco ancorado, um magala engolido por um mochila recheada de pedras,
Sentido!
Sentido nenhum, palavra alguma, a janela parece uma gaivota envenenada pelo sol da madrugada, minto, finjo, e sinto-me
O algodão sangrento dos plátanos em dor, as pedras da calçada,
Calcinadas,
E sinto-me,
- Deixa-me,
Um abutre saltitando nos Oceanos fotográficos da solidão, calcinadas, as pedras da calçada, e sinto-me, um Cacilheiro enfeitiçado, uma lâmpada melancólica, uma âncora segurando os dias, as noites, as tardes,
Calcinadas,
Frágeis,
As tardes encharcadas, húmidos corpos de naftalina, olhar franzino, esqueleto em xisto, boca com acesso à cave,
Vende-se,
- Deixa-me… nesta lata,
Um abutre, frágeis e calcinadas, as manhãs, as estradas, e todas as palavras…
 
Francisco Luís Fontinha – Alijó
26/07/2015