sábado, 21 de março de 2015

Princesa dos Oceanos


Tu
princesa dos Oceanos de brincar
madrugada
em flor
tu
a mulher desejada
pelos homens de luz
anoitece nos teus lábios
e os teus beijos são pedacinhos de sorriso
sombras
a penumbra dor dos barcos de papel
tu
a imagem melancólica do poema
morto
morto...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 21 de Março de 2015

sexta-feira, 20 de março de 2015

Não, não amanhã, amanhã vou à cidade, deixar o meu cadáver para ser enviado para a Metrópole, uma ardósia no peito, 123768979/66,
Só isso, pai?
Só isso, quando chegamos,nada tínhamos, apenas um caixote de nada, um rio nas veias... e tu
O mar, pai?
Morreu, disseram-me..., não percebi, morte!!!!!
O que é a morte, pai?
Voar, 123768979/66... em combate, o silêncio do Grafanil, os sorrisos das mangueiras nos meus lábios,
E...
Pai?
Sim, filho, Margarida reaparece da escuridão, tinha como hábito brincar na areia branca da praia dos sonhos,
Mãe, o pai?
Ficção, tudo isto, nada, a dor, acordava de madrugada a gritar por granadas, G3 e literatura, literatura, mãe?
Poesia, textos, trazia na algibeira da farda...
Farda, mãe?
Poesia, textos, trazia na algibeira da farda... toda a sua estória, as canções de menino, os primeiros beijos,
Margarida?
Sim António...
Viste os meus livros de “AL Berto”?
Talvez no chão, a carta, o sorteio
Três milhões de mortos,
Mortos?
Não, mortos não, Euros
Três milhões de Euros, meu filho?
Sim, mãe, sim...


(Ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 20 de Março de 2015

O sono


Esta casa em alvorada sinfonia
o som das palavras contra os cubos de xisto
que habitam as montanhas da insónia
o sono
em suspenso
GREVE
hoje
em alvorada sinfonia
esta casa
velha
desabitada
triste e cansada...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 20 de Março de 2015

quinta-feira, 19 de março de 2015


Sem perceber que a vida é uma roldana em aço, a carta regressa,
Seu filho morto, em nome do... as minhas sentidas condolências morte ou glória pela pátria, pai
Sim, filho?
Hoje é o teu dia,
Beijo,
Pai,
Querido
Amanhã
Não, não amanhã, amanhã vou à cidade.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 19 de Março de 2015

Viagem ao poço da paixão


Viajo no teu olhar
disfarçado de flor
há nos teus lábios um jardim
com coração de pétala adormecida
uma criança brinca nos teus cabelos
baloiça na tua boca
sempre a sorrir
antes da minha despedida
viagem
ao fundo do poço da paixão
desço
despedida,

desço até encontrar o chão
lamacento
com odor a Primavera
a poesia é uma aldeia
sem palavras
sem livros
sem... sem casas
baloiça na tua boca
sempre a sorrir
a criança que existe em mim
mergulhada nos sonhos
quando o sono é uma prisão,

com grades de luar
e janelas de açúcar...
imagino o teu silêncio
quando te embrulhas no espelho da saudade...
saudade...
grades
janelas
uma aldeia
sem palavras
sem... sem... pessoas
e a criança invisível
grita... quando percebe a minha partida...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 19 de Março de 2015

quarta-feira, 18 de março de 2015

Margarida preferia o silêncio, Francisco fica-se pelas imagens de infância,
Lisboa, meu “Deus”,
Nasceu e cresceu na cidade das esplanadas e dos barcos, brincava na rua, durante a noite gritava
Angola...
Foi-se,
Morreu,
E à noite gritava pelos pássaros que durante o dia abraça invisivelmente como os cortinados da insónia,
Foi-se
Não quero pai, Angola, a guerra nas tuas veias, o Grafanil em baile de Carnaval, os nossos filhos
Já pensaste nisso?
A minha mãe chorava, acreditava que o filho mais velho teria o mesmo destino
Pai?
Que o mesmo destino do pai...
Foi-se, uma Sexta-feira partiu de mala aos ombros, lá dentro, quase nada, alguns livros, poucos, e o estojo da barba, impertinente, este homem, sempre aprumado,
Já pensaste nisso?
Pai?
Que o mesmo destino do pai... voar sobre as sanzalas de crista, STOP, ao fundo da rua, virava à esquerda
“Putas”
Livros,
Cigarros nos bolsos de Margarida,
Ainda fumas, minha querida?
Claro que sim, claro que sim...
STOP
Sem perceber que a vida é uma roldana em aço.



(ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 18 de Março de 2015

A serpente de vidro


O fantasma orgulho do corpo
que navega nos sorrisos imperfeitos
fingimento
quando a noite cai
não vive
e quer
ser
não sendo
o que é...
uma lâmpada de lágrimas
alicerça-se ao ombro ferido da serpente
tem na roupa a etiqueta

mas...
mas existem pedras de giz
na ardósia tarde que observa o rio
não vive
e quer
ser
não sendo
o que parece
às vezes é uma estrela
às vezes... não passa de uma sombra
velha por dentro
infeliz

coitada
e quer
a serpente sobre a secretária
difícil de perceber
o amor
as palavras
os livros
e todas as lâminas que o sono constrói no sonho
a casa desabitada
infestada de personagens
cansadas
como o silêncio luar...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 18 de Março de 2015

terça-feira, 17 de março de 2015

A poesia habitava num edifício caquéctico, quinto andar esquerdo, António folheava as fotografias de Margarida,
O tempo entranhou-se nas nossas estórias,
Ouvia-a enquanto ela se despia,
Sentia-me uma letra esquecida nas pálpebras do anoitecer, lá fora brincavam crianças, fingiam que eram sombras húmidas abraçadas ao mar, o eterno
Se despia, dançava para mim, enquanto eu, eu nem a olhava, lia um poema de um autor desconhecido, embrulhava-me no poema... e
Se despia, o eterno momento do desejo, dois corpos de luz sós no vazio, nada, ninguém em redor, apenas percebia que o espelho do sexo baloiçava nas mãos de uma andorinha,
Miguel,
A guerra, “a merda da guerra”, a morte anunciada antes de partir
Vais morrer,
Antes de partir, nas mãos de uma andorinha, ele,
Fotografias...
Ele imaginava o pai um herói, e afinal... um covarde, o perfeito covarde das algas em flor...
Migue?
Sim, pai,
Ontem chegaste tarde a casa...!
Eu, pai?
António
Que não,
António defendia o irmão,
Tarde?
Cheguei depois dele...
Que não, que as guerras não deviam existir
Angola,
Amor de “mãe”,
Foi-se,
Morreu, em combate...


(ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 17 de Março de 2015

Sítios comuns


Os sítios comuns
sempre a mesma rua
o mesmo cigarro
o senhor da esquina
jornais
sapatos
trapos
livros
velhos
o mesmo fumo
todos os dias
o horário nocturno,

as filas invisíveis para ancorar o sono
a cama
o sofá
velhos
iguais
feios
imundos como os meus poemas
os sítios comuns
em círculos de espuma
uma janela doente
o reumático
nunca se abre,

os ossos em papel
ardem
desassossegadas palavras
na algibeira do senhor da esquina
o corpo que se vende
e as estátuas que se compram
ninharias
coisas pequenas
pedras
barcos
cidades a apodrecer
sexos complexos nas montras do abismo,

acreditar
e desacreditar
nos livros
dos livros
e das jangadas de silêncio...
a mão poisa no ombro da manhã
afaga-lhe a cabeça
desenha-lhe no olhar a solidão dos panfletos adormecidos
publicidade
vende-se apartamento junto ao mar...
e sempre a mesma rua
sempre o mesmo cigarro.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 17 de Março de 2015

segunda-feira, 16 de março de 2015

Apaixonado, os búfalos alicerçados ao poema, o eterno perdido, navegando pelas linhas transversais da paixão, a guerra
Nunca conheci o meu pai,
Fotografias, uma velha espingarda... e
A guerra dentro do meu sangue, o meu irmão clandestinamente afogado no medo de não acordar, e todos os dias
Pai?
Em combate, os dias espelhados numa pequena folha em papel, ouviam-me os espirros das espingardas, ao longe, distante, o capim dormindo, cigarros incendiando os sonhos da adolescência, os textos confusos, as ditas fotocópias das fotografias... assassinadas,
Por um louco,
Miguel?
Margarida acredita no amor depois da morte,
Ele
“Foda-se”,
Ele sentado numa cadeira de praia, lia o jornal, olhava-me
Um dia
Regressarmos?
Nunca, pensava eu, ele sabia que um dia
Morto em combate,
“Filho da puta”...
Amor de mãe.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 16 de Março de 2015

Esteios


A melodia nocturna da aventura
os esteios do silêncio abraçados ao cansaço
desespero
e espero
que acorde o dia
sem amargura
sem... sem cortinados de penumbra
baloiçando no pescoço da saudade
os cigarros entre as estrelas
os dedos mergulhados nos teus seios
acesos
em espuma
palavras
números
portas
e ruas
despidas
nuas
e sinto do outro lado do rio
os guindastes da solidão
voando como gaivotas
livres
como os barcos
sem marinheiros
sem...
acesos
os ossos em papel
das migalhas invisíveis do voo
o infinito
destino
das mãos
quando alguém desiste do luar
e sem... acesos
os ossos
o infinito destino
das mãos no leito do sono...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 16 de Março de 2015

domingo, 15 de março de 2015


A guerra,
Perdemos tudo, o meu pai morto em combate,
Amor de mãe,
Pai,
Não o conheci, apenas algumas fotografias de espingarda na mão, António sabia que seria a sua última noite, e mesmo assim, escreveu o seu último poema,
Dedicado a “Deus”,
Um Ateu, Pai?
Perdemos tudo, a fala, as palavras e os abraços do cacimbo, os cacilheiros em cio redopiando como cobras amestradas, o circo, a aldeia colorida de sapatos e sandálias de couro, os calções e o triciclo, ele
Dedicado a “Deus”,
Não guardo rancor, o ditador morto, felizmente cessaram as espingardas do ciume, vagamente oiço o teu respirar, ele
Pai,
Não o conheci, e ele embrulhado em quatro pedras de espuma, o cachimbo da solidão, partilhávamos todas as carícias do abismo, e ele
Louco,
Apaixonado.



(ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 15 de Março de 2015

farrapos de vidro...


o engate suspenso nos anzóis da tarde
à mão
regressa a caneta da solidão
e há nuvens de papel nos olhos do poema
és livre
de voar
sobre os corações de xisto
que habitam as imagens a preto e branco
do Douro
navegar
subir ao luar
e,

e abraçar-se aos vulcões de areia
dos homens
e das mulheres
de sombra,

imaginar
desenhar nas entranhas pálpebras de amar
o silêncio do beijo
à janela
o mar avança e nos leva
somos dois
talvez...
três
o engate
à mão
suspenso nos anzóis da tarde
a tarde... a tarde dos farrapos de vidro...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 15 de Março de 2015

Árvore


Árvore
que cai no lamacento pavimento do sorriso
se deita
e fica
imóvel
tranquila
na árvore
a conquista não conquistada
o fervoroso sono da alquimia
o centro
o ponto imaginado pela mão do regresso
e fica

árvore
caída na circunferência do amor
e a paixão
imóvel
corre
corre...
porque a terra é um poço invisível
porque há nas palavras pequenos silêncios
a humidade
dos corpos
no chão
o cheiro

que parte
e não volta
o teu perfume secreto
nas pálpebras da manhã
e fica
árvore
sofrida
perdida nas pedras da calçada
desce e sobe
e senta-se...
no chão
dos narcisos em putrefacto esqueleto da escuridão nocturna...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 15 de Março de 2015
“Fodes comigo ou não...” o poeta para o poema, embrulhado nas sílabas da ira, o medo, a fome construída em cartão, um sonho de luz abrigado nos teus olhos, e ele
Pai, o que é “foder”?
E ele, pincelado de mendigo
Filho,
Sim, pai,
As palavras...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 15 de Março de 2015