sábado, 11 de outubro de 2014

A arte de matar


Estas telas assassinas
suspensas nas pálpebras nocturnas do sofrimento
um grito que voa sobre os telhados de vidro
uma voz rouca
alicerçada às cores incendiadas do teu olhar
um corpo que range
e sofre...
e espera desesperadamente...
que regresse a “arte de matar”
sem fôlego
rompes a geada do amanhecer
sobes as escadas íngremes do silêncio,

E cais... e cais sobre a calçada do Adeus!

Cinco pedras de xisto
poisam na tua algibeira de sonífero falsificado
acordas
e o cansaço saltita nos teus ombros
como uma corda de nylon que aprisiona o navio da dor
sem marinheiros, sem mulheres vestidas de paisagem,

Estas telas assassinas
que na tua mão circulam desejando enfrentar o medo
as palavras que tens nas paredes do teu quarto...
de nada te servem
são palavras
são versos
são telas assassinas
que a “arte de matar” inventou...
das tuas janelas vêem-se os malmequeres adormecidos
como cadeiras de vime esquecidas no jardim da solidão
um lago cumprimenta-te... e tu, e tu, e tu ficas feliz
como se fosses um pássaro com asas de papel doirado...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 11 de Outubro de 2014

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

A cidade do engano


Este sismo que avassala o teu corpo,
esta espera... infinita,
esta cidade recheada de cansaços
e sombras prateadas,
esta tempestade sem nome
que atravessa as tuas mãos
e desagua no rio das lágrimas
como um pedaço de silêncio em tuas mágoas,

Este sismo travestido
que dorme nos teus cabelos...

Este sismo que avassala o teu corpo
e te engole como uma pedra mortífera,
finges que não,
finges... finges como o poeta,
dizes-me que está tudo bem,
e à tua volta,
uma cidade em revolta
uma cidade que me engana...

E te mata com espingardas de tristeza!


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 10 de Outubro de 2014

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Poema sem coração


A água com que te embrulhas
pertence ao silêncio,
os meus braços que rejeitas
pertencem aos rochedos amorfos,
a noite... a ninguém pertence...
a noite é uma equação sem solução,
como a água com que te embrulhas,
a noite é um poema sem coração.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 9 de Outubro de 2014

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Edifício envidraçado


Este edifício envidraçado
que não cessa de chorar
esta noite húmida vestida de mulher
que não se cansa de gritar...
este cansaço teu
esta rua sem ninguém
este espaço exíguo
que ofusca o teu olhar...
esta cidade recheada de mendigos
como eu
assim...
procurando abrigos,
este teu corpo engraçado
que ilumina a sanzala do adeus
este teu desejo premeditado
que se enforca na terceira árvore do jardim,
este edifício doente
triste
e com odor a solidão,
esta cidade que me sufoca
e arde
no meu peito desassossegado...
sem me dizer... sem me dizer que hoje não há luar,
falta-me o lugar
e a estrada para caminhar,
e quando encontrar o rochedo da dor...
parar
e me sentar.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 8 de Outubro de 2014

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Hoje


Hoje,
hoje um dia perfeitamente de “merda”,

tudo parece desabar sobre os meus ombros,
chove,
hoje,
hoje estás triste,
hoje,
hoje estás ausente...

hoje,
hoje percebi que em breve partirás,
e hoje...
eu, e hoje, eu sem paciência para as palavras,
odeio... as palavras,
odeio a arte de escrever,

odeio a literatura,
odeio a pintura,

hoje,

hoje...

hoje odeio a noite,
e os esconderijos nocturnos da solidão,
hoje,
hoje um dia sem memória,
hoje um dia sem história,
hoje... hoje sinto-me um prisioneiro das sombras do infinito...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 7 de Outubro de 2014

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

O vampiro


O vampiro ensanguentado
é filho de um quadrado,
à noite, coitado, adormece empoleirado no cansaço,
e pela madrugada, acorda vestido de roseira,
nunca conheceu a mãe,
apenas existe uma fotografia pendurada no espelho do amanhecer,
e ao longe, e ao longe uma fogueira...
e no centro da fogueira... palavras que ele recusa ler,
é destemido, e é solitário,
o vampiro ensanguentado desiste de observar os plátanos
e os anzóis de papel, senta-se junto ao rio...
e sonha com os barcos de vidro,

apanha com a mão os pedacinhos mais frágeis do vento,
sorri, sorri porque acredita no luar,
o vampiro... ensanguentado...
é filho de um quadrado,
e detesta as tempestades de amar,

não sei, não sei se ele vai ler estas palavras...

terá de apagar a fogueira,
ir ao seu centro...
e das cinzas,
ressuscitar os corações de sofrimento.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 6 de Outubro de 2014

domingo, 5 de outubro de 2014

Rio sonâmbulo


Aqui, pareço um tresloucado corpo volátil,
um rochedo impregnado de saudade,
aqui, sou uma montanha sem árvores,
uma ribeira sem poesia,
aqui, pareço uma equação trigonométrica sem solução,
um círculo,
o quadro... semelhante a uma prisão,
aqui, todos os pássaros são loucos,
aqui, todas as mulheres são em papel crepe,
e voam,
e partem...
aqui,
aqui, há um rio sonâmbulo que apelidaram de “DOR”,
e não há barcos com olhos verdes...
porque aqui, aqui, eu pareço um tresloucado corpo volátil,
que espera o regresso das mãos trémulas do teu sofrimento...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 5 de Outubro de 2014