sábado, 16 de agosto de 2014

Línguas de fogo


Tracejadas línguas de fogo,
sinto as mandíbulas da solidão a alicerçarem-se ao meu peito,
há um cansaço travestido de silêncio que alimenta este corpo de madeira,
que anda à deriva no rio nocturno da dor,
os livros divorciaram-se de mim, os livros parecem tentáculos de sílabas agarradas ao meu pescoço,
não me deixam respirar,
eles não o permitem...
sentar-me junto ao areal das cornijas de cartão,
sorrateiramente escondo-me no quarto envidraçado,
onde habita uma gaivota de porcelana,
e há nas fresta da insónia crucifixos doirados, algumas telas embriagadas e néons apaixonados,
… não consigo levantar-me deste rio, e eu não sei como sair deste círculo cinzento...

Sou todo absorvido pelas janelas da paixão,
embrulhado ás línguas de fogo, pareço um caixão de zinco descansando na despedida,
há uma madrugada em fuga, há uma rosa embalsamada que chama por mim...
hesito,
vou...
não vou...
aprisionados marinheiros de vodka em revolta,
oiço a voz dos agrestes pinheiros balançando na montanha do amor,
hesito...
vou... não... não vou...
não quero,
desisto da poesia!



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 16 de Agosto de 2014

O corredor da mendicidade


Inventava no teu olhar barcos de esferovite,
desenhava nos teus sonhos rios sem nome,
vinhedos,
socalcos...
e tantos medos,

Inventava no teu corpo soníferos de verniz,
casinhas de papel onde brincávamos,
escrevia em ti o desejo sem giz,
inventava na tua almofada com bolinhas encarnadas o beijo...
uma porta que batia, lá longe, muito longe,
onde habitava o corredor da mendicidade,
tínhamos os cigarros suspensos no espelho do guarda-fatos,
e sentíamos o vento latir sob a janela da insónia...
éramos dois pássaros poisados num abraço de madrugada,
éramos duas rebeldes nuvens em direcção ao mar,
e sentíamos...
e tínhamos...

Amanheceres disfarçados de traição,

E inventava nos teus cabelos uma canção,
percebia-se na musicalidade das tuas mãos os tristes Invernos...
a lareira acesa e dois copos recheado com vinho do Douro,
os teus seios de diamante lapidado entretinham-se com os meus lábios...
e eu nunca entendi o significado amar,

Vinhedos,
socalcos...
e tantos medos.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 16 de Agosto de 2014

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Triângulo equilátero


Estes quatro caminhos térreos,
que descem o teu corpo de montanha argamassada,
os rochedos verdes que poisam no teu olhar,
como se eles fossem grãos de desejo a planar nos lábios do silêncio,
o fingimento das palavras quando a boca do inferno se cerra hermeticamente,
a chuva que se alicerça nos teus ombros,
estes quatros caminhos..., estes quatro caminhos sem nome,
perdidos nas tuas coxas de arame,
que descem,
que sobem...
ao cimo do luar,
esquecendo o triângulo equilátero do sofrimento...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 15 de Agosto de 2014

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Três círculos de luz

Uma casinha habitada por pequeníssimas lâminas de papel,
um coração de cacimbo voando sobre as sanzalas com telhados de insónia,
um homem, um poeta..., e a amante do poeta,
um corpo pendurado na preia-mar,
que espera o regresso do sonâmbulo cansaço da madrugada,
o silêncio disfarçado de mendigo passeando-se pelas ruas da cidade,
uma janela que nunca, que nunca se abre,
um poema nas mãos da clarabóia com braços de luar,
uma casinha,
e lâminas de papel,
um sorriso, um desejo... e três círculos de luz nos lábios do pôr-do-sol,
o sonho...

As paisagens pigmentadas nas paredes da casinha,
as palavras acorrentadas no estendal poético,
uma eira deserta, uma eira de vinil girando na noite...
e o sonho,
e o lugar que me falta alcançar antes de morrer,
a escola morta, a escola um amontoado de escombros,
cadernos apodrecidos,
quadriculados momentos que ficaram sob a árvore de sisal,
um menino brincando com um velho “chapelhudo”...
e um triciclo com o assento em madeira,
o mar, o mar do Mussulo em tracejadas rotações de amar,
no sonho, no sonho de voar...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 14 de Agosto de 2014

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Versos anónimos


De que servem estes versos anónimos...
palavras suicidadas em manhãs de Primavera,
canções de adormecer,
quando da noite apenas existe uma rebelde vontade de navegar,
um barco à deriva, um barco procurando nas mansardas equações diferenciais os insignificantes corações de areia,
um corpo circunflexo esquecido na insónia,
de que servem...
estes versos anónimos,
palavras cansadas das mãos deste poeta,
palavras magoadas, palavras assassinadas pela voz deste poeta...
de que servem estes versos travestidos,
esperando junto ao cais o amor regressar do infinito,

Sou uma caneta de tinta permanente,
uma velha folha de papel que embrulha meia dúzia de peixes...
mortos,

De que servem estes versos se o amor é um telhado de vidro,
vem o granizo... e pluf... pedacinhos de desejo voando em direcção aos teus lábios,
ruas recheadas de transeuntes famintos,
comem as minhas palavras,
comem-me... enquanto eu escrevo as palavras comidas pelos transeuntes... famintos,
há sempre uma garganta em volúpia madrugada que o teu olhar esconde,
há sempre um estendal onde habitam bonecos de palha e bonecos... de palha,
sangrentos,
os rochedos onde poisam os teus seios,
esperando as minhas mãos de silêncio...
entro em ti, absorvo-te como se fosses um grão de pólen,
entro em ti, e... e percebes que eu sou o mar.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 13 de Agosto de 2014

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Indígenas marés


Embrulhas-te no medo,
De amar…
… e de ser amada,
Mergulhas nas indígenas marés que habitam o teu corpo em desejo,
Passeias-te nos rios da saudade,
Como se existissem em ti neblinas prateadas,
Embrulhas-te e mergulhas,
Nos pássaros de papel que poisam nas árvores de brincar,
Ficcionas o jardim do beijo como se ele fosse um simples texto,
Um poema ainda não escrito,
E ambicionas veemente a mão do poeta…
Acariciando a tua pele de pergaminho silencioso,


Finges não ser desejada,
Como se o desejo fosse uma tempestade…
Ou… ou um suicídio premeditado,
Um homem suspenso nos teus lábios,
Procurando uma sanzala,
Ancorado aos teus braços de murmúrio angustiado,
Embrulhas-te no medo,
De amar…
… e de ser amada,
Vestes-te de madrugada embriagada,
Dançando nas nortadas dos sorrisos alienados,
E não percebes que dois corpos são um espelho convexo no olhar de uma rosa dourada!



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 12 de Agosto de 2014

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Purpurina madrugada


Me fascina o teu olhar,
me deslumbra o teu corpo de jardim florido,
habitado por acácias, gladíolos... e malmequeres,
me fascinam os teus seios de purpurina madrugada,
como o centeio..., dançando sobre um telhado de zinco adormecido,
me fascina a tua voz de menina, doce, tão doce como a frescura ribeira...
apaixonada,
me fascinas... menina... mimada!


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 11 de Agosto de 2014

domingo, 10 de agosto de 2014

A cidade dos mendigos


Esta cidade de mendigos,
sem porto para aportar,
estes esqueletos vivos...
sem corpo para transportar,
esta nudez das árvores silenciosas,
que brincam na areia límpida dos cigarros de arder,
esta lua, este luar... esperando o amanhecer,
esta cidade de mendigos,
estes rochedos que servem de abrigos...
sem porto para aportar,
esta noite ventosa,
fria..., amarga... sem lábios para beijar,

Esta cidade moribunda,
quando o poeta espera o regresso do amor,
estas correntes de luz sem sabor...
que me aprisionam ao teu olhar,
este cansaço, estas montanhas de abraçar...
que se escondem nos teus seios de triste madrugada,
esta cidade,
esta cidade amaldiçoada...
vestida de rosa sem odor,
triste, febril... esta cidade imunda,
onde passeiam os peixes, e as algas... e os corações sem cor,
esta cidade, esta cidade que vive nas lâminas da saudade.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 10 de Agosto de 2014

O silêncio magoado


Há na tua voz um malmequer apaixonado,
um triângulo equilátero em desejo,
há nos teus lábios um jardim profanado,
uma árvore vestida de beijo...
há na tua voz um corpo cansado,
uma mão atrevida que semeia nos teus seios a liberdade,
há na tua boca o silêncio magoado,
que constrói madrugadas e jangadas envidraçadas,
o teu corpo arde, o teu corpo mistura-se com as serpentes envenenadas...
há no teu olhar um Oceano de saudade,
uma canção perdida na cidade,
há na tua voz um malmequer apaixonado..., um sorriso de criança procurando a felicidade!


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 10 de Agosto de 2014