sábado, 22 de março de 2014

O cansaço da manhã

foto: Algures entre Luanda e Lisboa – Setembro/1971

Percebia-se nas tuas tristes pétalas o cansaço da manhã,
flutuávamos sobre as palmeiras hilariantes junto à Baía, davas-me a mão, e obrigavas-me a sonhar,
dizias-me que os barcos eram corpos moribundos de passageiros em viagem,
e do cais observávamos os caixotes em madeira prontos para o suicídio da loucura,
eu, eu acorrentava-me a ti como se tu fosses um embondeiro entre nuvens e sanzalas, que voava,
que... que acreditava em papagaios de papel e nos alicerces nocturnos de uma cidade em construção,

Gosto muito de ti, dizia-te!
Quero ser como tu, simples, como as primeiras palavras que me ensinaste e os primeiros rabiscos que deixei em todas as paredes da casa onde tínhamos as mangueiras e as pombas... e o portão, o portão...
imaginava-me a sobrevoar todo o bairro em cima de um velho triciclo,
e... e nunca me esquecia de te esperar no final do dia,
“percebia-se nas tuas tristes pétalas o cansaço da manhã”,
e chorava quando adormecia sem perceber que já tinhas chegado...

E chorava quando me mostravas o mar, e as gaivotas, e... e os coqueiros,
levavas-me ao Baleizão, sentávamos-nos na esplanada, e eu, eu sonhava como essa cidade em construção que um dia tive de abandonar, regressei às tuas mãos, regressei como um velho caixote em madeira... procurando corpos moribundos em viagem,
afinal... afinal também me transformei em passageiro em viagem,
um caixote em madeira, com olhos, com braços, com mãos... e sonhos de sonhar,
barco, dei-me conta que hoje sou um barco rumo ao desconhecido,
um barco travestido de saudade.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 22 de Março de 2014

sexta-feira, 21 de março de 2014

Cidade do amor

foto de: A&M ART and Photos

Nas minhas mãos cinzentas,
promíscuos cigarros me enganam...
obscenas, elas, elas vestidas de papel de parede,
nas minhas mãos habita uma árvore de nome Primavera,
e eu, sem o saber, escrevo no seu tronco as palavras minhas da noite incógnita,
ela, ela chora, ela, ela não tem corpo, ela, ela é de porcelana invisível,
e vive numa cidade, com nome...
“a cidade do amor”... a cidade que me engana.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 21 de Março de 2014

“Gaivota madrugada” na rádio – Antena 1 – Programa de José Candeias


O meu poema, escrito e publicado ontem, “Gaivota madrugada” foi lido hoje na Antena 1 no programa de José Candeias (aprox. minuto 8).

Link:


Quero agradecer ao João Moreira de Sá dos Blogues Sapo, à Antena 1 e ao José Candeias. Obrigado.

quinta-feira, 20 de março de 2014

Gaivota madrugada

foto de: A&M ART and Photos

Voas nos meus olhos, gaivota madrugada,
procuras em mim, palavras,
voas porque sentes nos teus lábios o vento em desejo,
e no teu prometido beijo, uma simples canção, melódica... e adormeço,
e esqueço que lá fora habitam telhados de vidro, esqueletos de prata,
bairros em lata,
lá fora, na imensidão nocturna da embriaguez,
e um dia, talvez... talvez percebas as minhas tristes palavras,
como pertence aos muros o xisto envenenado,
dos socalcos... o cansaço humano vestido de negro,
e no rio... no rio o meu corpo ensanguentado pelas nobres estrelas da cidade,
voas, voas sem saber que estou vivo...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 20 de Março de 2014

Blogue Cachimbo de Água em Destaque – Sapo Angola – Francisco Luís Fontinha


Texto de Francisco Luís Fontinha – Divulga Escritor


quarta-feira, 19 de março de 2014

Sombras cristalizadas


Aqui, permaneces intocável, como o guião de um filme em construção,
aqui sentes-te o herói térreo das sombras cristalizadas,
funestas palavras, os cigarros voam sobre as árvores do quintal,
há uma nuvem de açúcar quase a evaporar-se nos teus lábios,
e sentes?
sentes as palavras não ditas, aquelas que escrevíamos em noites de ninguém?
sentia-te perto, e tu longe,
tão longe que nem as estrelas conseguiam abraçar-te,
dar-te um beijo,
simples, tão simples como adormeceres no cansaço da vida,
e a vida é o esconderijo da dor,
habita em ti e de ti se alimenta...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 19 de Março de 2014

terça-feira, 18 de março de 2014

Pigmentados beijos

foto de: A&M ART and Photos

Pigmentados beijos de ti, Sereia adormecida,
Oceano retalhado dos teus lábios amanhecer,
mulher que sonha e inventa palavras nos muros de xisto ao luar,
regressa a ti a noite, e dela, todas as fotografias mais belas que se alicerçam no teu peito,
beijos, bocas renegadas e sem jeito,
árvores poisando pássaros apressados e apaixonados...
louca, tu, quando acordas e vês no espelho da poesia os seios desgrenhados do poeta,
inventas,
e finges orgasmos nos socalcos mergulhados em lágrimas,
e alimentas...
e sentes... sentes lá fora o deambular da chuva miudinha,
que os pigmentados beijos de ti..., Sereia adormecia, essa... constrói a neblina.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 18 de Março de 2014

Blogue Cachimbo de Água em destaque – Sapo Angola


segunda-feira, 17 de março de 2014

Panfletos negros

foto de: A&M ART and Photos

Liberto-me dos panfletos negros que habitam nos muros tuas mãos,
há pedacinhos de silêncio, pequenas gotículas de solidão invisíveis ao meu olhar,
escrevo-te, escrevo-te sabendo que hoje existe luar, e palavras impregnadas nos seus lábios,
e que... e que o amor morre, como eu, como tu, como... como os rios antes de adormecerem,
sonharem...
liberto-me percebendo que às palavras dar-lhe-ei o descanso eterno,

E que o meu envelhecido corpo, esse, coitado... cinza,
dispersa,
voando sobre os imaginários telhados de Luanda,
liberto-me,
sim, claro que sim... liberto-me dos panfletos negros,
sombrios, nuvens de chocolate mergulhadas em nocturnas estrelas sem pálpebras,

A cidade submerge da tua boca de cristal puro,
o vidro dos teus olhos... parte-se... e sinto-o descendo a calçada em direcção a uma rua sem saída,
uma penumbra fresca de água e estanho embalsamam o teu corpo em papel vegetal,
e oiço a tua voz em pequenos grunhidos...
como um calendário ardendo na fogueira do desejo,
e dizem-me que estou em liberdade.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 17 de Março de 2014

domingo, 16 de março de 2014

Testemunhas de uma fogueira em evaporação

foto de: A&M ART and Photos

Não sei quem és, como te vestes e o que pronuncias, não sei se és um pássaro em decomposição, uma árvore solitária que habita os jardins da cidade adormecida, tão pouco se és a madrugada, o Domingo quase a terminar, a noite a nascer, não, não sei o que és e quem tu és,
Como posso eu sorrir às tuas lágrimas? Percebes-me agora? O Domingo em término, a noite quase noite, a crescer e a erguer-se na tua boca de cristal, e quase não oiço as tuas palavras de porcelana, e quase, a janela da paixão a encerrar-se eternamente, para sempre e só..., hoje tu, amanhã eu, depois as pedras e os canteiros, as flores, os pinheiros de uma infância entre o mar e a montanha, sinto-me prensado, sinto-me um muro argamassado pela tristeza,
Quem sou?
Não sei, nunca soube, talvez... talvez no Domingo que vem, talvez amanhã, talvez no descanso das roldanas, uma corda em direcção ao sexto andar, subo as escadas, sinto-me cansado, os cigarros, a idade, a saudade, novamente os cigarros,
Oiço-os como testemunhas de uma fogueira em evaporação,
Cigarros vadios, como-os vivos, oiço-te e não sei
Quem sou?
Sim, e tu, quem és, o que fazes aqui, aqui dentro de mim?
Uma esplanada vazia, e regressa o dia da Poesia e eu sem poemas para ti... porque, porque não sei quem és, o que fazes dentro de mim, deixas-me cansado, ausente, embriagado, e sei que algures nessa cidade vives e choras, e recordas meia dúzia de cartas, poucas palavras,
E eu, eu sem poemas para ti,
Quem sou?
O vento, sim o vento, pensas que eu sou o vento? Sim, penso, imagino-te sentado na esplanada vazia, apenas uma mesa e quatro cadeiras, conversas com duas ou três sombras, bebes uma bebida invisível, pegas num livro, voltas a poisa-lo sobre a mesa, depois vais à gabardina e puxas de um pequeno caderno, acendes o cigarro, desorientadamente...
Quem sou?
O cigarro acende-se a ele próprio, ganha vida como as tuas palavras, sofre e chora, e acredita na tristeza como acredita que tu, sim tu
O vento!
Sim eu, percebo que me imagines como o vento quando se alicerça na minha pele, sim como o vento, quando rodopia em redor dos meus seios, e tu, e tu
Eu?
Oiço a voz, oiço-os a arder na escuridão de um final de Domingo, amanhã, amanhã talvez..., amanhã talvez “uma esplanada vazia, e regressa o dia da Poesia e eu sem poemas para ti... porque, porque não sei quem és, o que fazes dentro de mim, deixas-me cansado, ausente, embriagado, e sei que algures nessa cidade vives e choras, e recordas meia dúzia de cartas, poucas palavras”, e eu, e... eu,
Só, eu e uma corda em direcção ao sexto andar...
E eu, eu sem poemas para ti,
Quem sou?

(ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 16 de Março de 2014

O vento das canções de Outono

foto de: A&M ART and Photos

Dizias-me que eras o vento das canções de Outono,
e eu, eu acreditei, escrevi palavras para essa canção...
desenhei beijos para os teus lábios,
dizias-me que te chamavas “menina do mar” de do mar... não eras nada,
nem onda, nem pôr-do-sol... nem jangada,
um dia fizeste-me acreditar que eras livro de poesia,
eu tentei, tentei ler, folhear... e não eras nada,
apenas uma esbranquiçada página com um palavra... “saudade”,
dizias-me que tinhas na mão a caneta das minhas palavras,
eu, eu sentia-a no meu rosto, como o vento das canções de Outono,
e eu, eu acreditei na tua pele com flores de papel,
e tudo o que me disseste... hoje, hoje escrevo-o na rocha embalsamada na montanha do “adeus”.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 16 de Março de 2014