sábado, 22 de fevereiro de 2014

Estranhamente

foto de: A&M ART and Photos

Estranhamente deixei-o partir
libertei-o como se libertam os pássaros depois de cansados
estranhamente deixou de existir
como todos os abraços que a tempestade do silêncio deixa fluir
estranhamente apaixonados
como as ervas daninhas das ruelas inclinadas do desejo
estranhamente vi-o sorrir
como se apenas houvesse uma clareira no cimo da montanha dos tristes luares
estranhamente construí o beijo
e o medo dos lugares
e o medo à noite com palavras de cetim
quando escrevíamos poemas sentados num simples banco de jardim,

Estranhamente só
porque as flores deixaram de crescer
porque a madrugada sem dó...
… estranhamente cansou-se de escrever,

Estranhamente magoado
desenhei cossenos nos cortinados sem coração
vi o mar em círculo fechado
estranhamente amado
como os barcos loucos das sílabas de uma canção
estranhamente triste e apaixonado e inventando poemas de açúcar
no meu corpo pesado
no meu corpo de amarrar
estranhamente as árvores morrem na insónia de um cinzeiro de latão
entranhando-me nos cigarros velhos de fumar
estranhamente dentro da solidão
imagino-me voar em nuvens de carvão...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 22 de Fevereiro de 2014

A noite flui como um carrinho de linhas, o amor submerge das rochas desenfreadas dos xistos corações, o submundo da paixão emerge dos carris aos aço laminado, os lábios incinerados em beijos de açúcar avançam em direcção ao rio, revoltam-se, cansam-se de amar... e a montanha da paixão cresce na mão amanhecer poeirento dos versos em fome, eu perco-me nas tuas palavras, invento rostos, invento saudades... que a manhã destrói como se fossem pequenos losangos imaginários, recordo Carvalhais, S. Pedro do Sul abraça-me..
Tenho medo de amar,
A noite flui como uma triângulo isósceles apaixonado pelas estrelas encarnadas, imagino-me sentado na eira... e oiço, e não me canso de ouvir...
A melódica voz e poética dos Fingertips... e há qualquer coisa estranha em mim que me diz que pertenço a essa terra e que sou filho dessa eira,
De entre as ripas do espigueiro a canção do sino da igreja... e o amor... o amor não sabe que existo junto ao campo de milho ainda franzino, ainda menino... ainda... ainda apaixonado pelo nada.


Francisco Luís Fontinha - Alijó

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

árvore do amor

foto de: A&M ART and Photos

libertem-me
desamarrem-me todas as cordas imaginárias da velha cidade das insónias
dêem-me livros em drageias
palavras injectáveis
folhas de vidro com janelas em papel
libertem-me
digam-me como se habita no sótão da solidão
porque voam os pássaros sobre os teus cabelos
se...
se as palavras injectáveis dormem na tua mão
se...
se as drageias saboreiam os teus lábios de alecrim

(libertem-me
e desamarrem-me...
como fazem aos barcos antes de zarparem)

libertem-me
e deixem-me viver num banco de jardim
diz-me como são os tectos do desejo quando passeias junto ao mar
diz-me como são as gaivotas que poisam no peitoril dos teus seios de melancolia
libertem-me
digam-me
diz-me...
se vale a pena subir à árvore do amor...
… se o amor é apenas uma lareira cansada de arder
como lágrimas
como viver...
como ser o rosto daquela que chora e ama... e morre


(e morre sem sofrer...)



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 21 de Fevereiro de 2014

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Os pobres esqueletos de vento

foto de: A&M ART and Photos

O corpo roda e sofre
morre
evapora-se dentro das graníticas rochas do coração de água
límpida solidão caminha nas mãos da mulher apaixonada
ela vive
ela ama
ela... ela é a própria madrugada
e não sabe que dentro de mim habita uma triste palavra,

O corpo é como um livro disperso no cacimbo
e alicerça-se ao cais dos mendigos envergonhados
ela senta-se no dorso cansado que todas as quintas-feiras submerge na penumbra noite dos pobres esqueletos de vento
morre
ela vive
ela ama
ela... sente o pólen mergulhado no soalho da insónia
e dos lençóis do desejo... ela absorve o sémen do poema acabado de nascer...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 20 de Fevereiro de 2014

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Palavras magoadas

foto de: A&M ART and Photos

Sabíamos que a noite pertencia aos pilares de areia,
tínhamos nos nossos corações pedaços de papel,
algumas palavras incompreendidas,
palavras... palavras tristes, palavras magoadas,
e versos em construção no interior das nossas veias,

Sabíamos que existia o amanhecer,
que éramos só nós os únicos habitantes da cidade da solidão,
sabíamos que o mar nunca, que o mar nunca nos ia pertencer,
e mesmo assim, desconhecendo a madrugada e mesmo assim... sonhávamos,
como cigarros a arder,

Sabíamos que em todas as igrejas do nosso corpo poeirento uma nuvem de lágrimas brincava,
que nas nossas mãos existiam palavras e palavras magoadas,
corríamos como comboios desgovernados de encontro às portas do inferno,
tanto, tanto, tanto... tanto sofrimento no tecto do luar, tanto, tanto calor nos lençóis da esperança,
que um dia descobri que não te amava,

Tínhamos imagens negras suspensas nas paredes de gesso do nosso imaginário,
brincávamos às escondidas,
escrevíamos palavras, palavras magoadas, palavras tristes, palavras nuas das Cinderelas palavras,
palavras entre palavras,
… nas tuas palavras em mim corpo de geada procurando o busto lendário,

Pedaços de papel,
abelhas que desenhavam o céu nos nossos braços picados por... palavras magoadas,
e sonhávamos,
e... e tínhamos nas pálpebras coloridas do incenso os cristais do amor,
e sabíamos e tínhamos... e queríamos fugir para o infinito como duas rectas paralelas em alegre pastel, havia uma tela, uma velha tela... com sabor a mel.

(e a tela da vida arde como ardem os livros de poesia dentro do teu e do meu e deles... corpos de gel perdidos numa esquina de luz)


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 19 de Fevereiro de 2014

todos os dias

foto de: A&M ART and Photos

todos os dias acordo imaginando viver nas minhas mãos a tempestade nocturna dos perfumes invisíveis,
todos os dias vejo a escuridão das manhãs envergonhadas,
sós, fingindo sofrimento e geadas,
todos os dias as palavras inaudíveis,
os néones vestidos de cansaço sobre a ponte de aço,
todos os dias acordo imaginando...
a saudade, a morte à janela sonhando,
todos os dias a louca cidade,
quando procuramos um simples abraço,
e da maré vem a mim o disfarce da melódica canção de adormecer...
todos os dias não consigo rezar,
não o sei,
e não o faço...
por não acreditar,
porque sou um esqueleto filho do mar,
todos os dias viajo na tua simples calçada,
desço a rua,
sinto-te descalça, vaiada...
todos os dias sei que crescem os pássaros sobre os teus cabelos de maré...
eu sem fé,
tu... tu perguntas-me todos os dias,
e não o faço,
por não acreditar,
porque desejas o céu quando a lua tem luar?
porque desejas as sílabas encarnadas?
se o amanhecer tem cor, tem fome... tem... todos os dias o teu nome,
todos os dias as janelas cerradas.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 19 de Fevereiro de 2014

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

teu beijo... meu amor

foto de: A&M ART and Photos

tenho medo das pedras sem coração
dos pássaros invisíveis
tenho medo da insónia adormecida em esqueleto de solidão,
tenho medo do cansaço
dos seios escritos no tronco de uma árvore envelhecida
dos rios com boca de abraço,
sim tenho medo da madrugada
da saudade louca do livro por escrever
medo medo medo... medo da tempestade com pálpebras de menina mimada,
tenho medo às tuas mãos de porcelana
do corredor em labaredas começadas por dor
e terminadas na cama,
tenho medo das pedras sem coração
dos corpos infinitos vestidos de desejo
medo do medo... sim tenho medo das palavras da canção,
tenho medo das límpidas vozes irresistíveis
dos lençóis envergonhados quando os teus lábios são madeira ressequida
tenho medo de envelhecer
medo de transformar-me em flor...
… e medo medo e medo do medo do medo teu beijo
teu beijo... meu amor.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 18 de Fevereiro de 2014

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Pétalas de beijos

foto de: A&M ART and Photos

A vida não cessa
o corpo masturba-se num folheado metálico de beijos e pétalas de beijos
as mãos invadem a noite rompendo os cortinados do medo
as lágrimas do teu rosto caem sobre o soalho da insónia
gritas o meu nome
escreves-me nas sombras infelizes das estrelas sem liberdade
e eu sem o saber... adormeço sobre os rochedos da tempestade
a mesma que habita no teu peito,

A vida não cessa
corre
chora
brinca... brinca sobre uma corda de nylon com sabor a solidão
a vida acorrenta-se ao corpo
aprisiona-o como se aprisionam os lábios do teu silêncio
e quando me abraças
sinto o teu corpo como uma folha em papel branca insípida distante das palavras que escrevo.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 17 de Fevereiro de 2014

domingo, 16 de fevereiro de 2014

criança dos teus olhos

foto de: A&M ART and Photos

há silêncios nos teus olhos
existe uma mão que absorve as lágrimas dos teus olhos
tens cabelos semeados pelo vento que cerram os teus olhos
o medo que cruza os teus braços que aprisionam os teus olhos...
há silêncios nos teus olhos
há palavras que descrevem a cor dos teus olhos
imagens
negras
a noite
o dia
a morte... que brinca nos teus olhos
há silêncios de amor nos teus olhos

há silêncios de ciume nos teus olhos
searas campos montanhas árvores nuas
despidas cidades amargas ruas cansadas
que os teus olhos vêem e se calam como pedras silenciosas
há rios mares barcos e gaivotas
há desejo nos teus olhos
há corpos em cio que magoam os teus olhos
há madrugadas onde habitam os teus olhos
bares mesas de bares copos recheados de uísque em bares dos teus olhos...
jardins inclinados
tristes tristes como os teus olhos chorados
há seios que me esperam na criança dos teus olhos


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 16 de Fevereiro de 2014

Invenção do sono

foto de: A&M ART and Photos

Tínhamos inventado o sono,
a tristeza,
desenhávamos o sofrimento nas pedras cansadas da calçada,
tínhamos nas mãos a madrugada,
o vento que nos empurrava,
um livro teu... um livro que nos amava,
tínhamos estrelas vadias nas pálpebras do céu,
palavras, palavras significando tempestades, palavras começadas por saudades,
tínhamos inventado o sono,
a alegre maré parecendo o ensanguentado milagre da beleza...
tínhamos o mar e os corpos dos marinheiros sem farda,
e mesmo assim... sonhava, e mesmo assim... amava-te como se amam os xistos muros dos nocturnos eléctricos da cidade do nada.


@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 16 de Fevereiro de 2014

A janela verde

foto de: A&M ART and Photos

Da tua janela sentia o pulsar inconstante das tuas veias, do oitavo andar eu conseguia, não, aprendi a perceber as árvores em movimento, aprendi a ouvir os teus lamentos, aprendi a sentir a tua minha dor, contava a vezes que o metro de superfície passava em frente aos teus olhos cerrados, perdi-lhe a conta, desisti de contar, mudei repentinamente para os automóveis sonolentos que enteavam no parque de estacionamento, eram tantos, meu Deus, tantos, tantos que... voltei a desistir,
Percebi o significado do medo, aprendi a esperar pelas palavras do invisível, e confesso que não rezei, confesso que mentalmente colocava a hipótese de te perder, e ainda não tenho a certeza se te vou perder, enquanto dormias, enquanto eu olhava os teus sonhos impregnados no cortinado de fumo, eu, eu sabia que tu me esperavas quando acordasses, acordaste,
Então, chegaram bem?
Não te respondi, sentia-me agoniado, com fome, sem palavras para responder aos teus anseios..., pegava nos cigarros amorfos, acendia um e depois outro e mais outro... até que percebi que no corredor de acesso ao teu quarto, até que entendi a solidão, o amor enquanto esperava as lânguidas manhãs de Janeiro,
Então, chegaram bem?
Muita neve, chuva, vento, e perdemos-nos na tua sonolência de cadáver inventado por um louco, perguntava-te se estavas bem, e respondias-me
Então, chegaram bem?
Que sim, que tudo não passava de um sonho, que tudo nunca tinha existido, que tudo
Então, chegaram bem?
Que tudo acorda quando os silêncios dos teus lábios me diziam
Estou mal, tenho dores, não consigo adormecer,
Me diziam, me obrigavam a acreditar nas palavras escritas na tua cama, oitocentos e trinta e cinco, para os matemáticos um belíssimo número, mas
Então, chegaram bem?
Mas para um poeta esse número significava uma perda, uma ausência de ti para comigo, imagino-te subir as escadas do sótão da saudade, imagino-te a pegar na minha mão e ir-mos ver os barcos ao porto de Luanda...
Então, chegaram bem?
(não te respondi, sentia-me agoniado, com fome, sem palavras para responder aos teus anseios..., pegava nos cigarros amorfos, acendia um e depois outro e mais outro... até que percebi que no corredor de acesso ao teu quarto, até que entendi a solidão, o amor enquanto esperava as lânguidas manhãs de Janeiro...)
E víamos os paquetes abraçados aos longínquos marinheiros com fardas de embriagados esqueletos procurando sexo, álcool... e drogas,
Os coqueiros, os treinos de Hóquei em patins, e sempre, e sempre a tua mão entrelaçada na minha mão de criança, da tua janela sentia o pulsar inconstante das tuas veias, do oitavo andar eu conseguia, não, aprendi a perceber as árvores em movimento, aprendi a ouvir os teus lamentos, aprendi a sentir a tua minha dor, contava a vezes que o metro de superfície,
Então, chegaram bem?
E olhavas-nos, e sei que choravas...




(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha- Alijó
Domingo, 16 de Fevereiro de 2014