sábado, 9 de novembro de 2013

Quem imaginava?

foto de: A&M ART and Photos

Quem imaginava que a uma mesa de café, recheada de senhoras donzelas... uma delas me observava, uma delas me desenhava nas sombras alegres dos jardins invisíveis do Outono em construção, oiço o PLANETA 3, e imagino-a sentada num granítico banco de jardim, em frente ao café da esquina e ela
Ela olha-me como se eu fosse o espelho da criação ingénua dos livros ainda não escritos, percebo agora que não estou só, percebo agora que me guiam, que me
Desenham nas paredes do vizinho AL Berto? E ela? Ela vagueia entre as searas imagináveis dos campos em papel de parede, há chávenas de café com pequenas migalhas de sílabas que sobejaram das conversas, algumas delas, das conversas
Sem sentido?
Os olhos, os lábios, as vogais impregnadas nos versos escritos nas mãos do desejo, imagino-me vestido de branco e correndo junto às amoreiras em flor, e chorando junto aos candeeiros das noites com conservas em lata, quem
Quem imaginava?
Que a uma mesa de café, os óculos superficiais nas testa dele... e aos poucos deslizavam até aterrarem nos olhos das flores com pétalas de paixão, sou eu, a minha fotografia sofre, a minha fotografia... morre? Não, não percebo
Sem sentido? Desenham nas paredes do vizinho AL Berto? E ela? Ela vagueia nas pálpebras dos telhados em colmo, havia nuvens de prata e sonhos de plátano, havia um recreio onde habitava um pinheiro ranhoso, doente, com bicos mínimos que depois de poisarem nos nossos corpos...
A paixão das palavras submersas nos seios dela, havia vidros e dos vidros espelhos e dos espelhos
Cacos?
Eu, um imbecil que para o futebol parecia uma formiga correndo dentro de um corredor de açúcar, sem jeito, e de pontaria desafinada, e claro
Os vidros escacados, e claro
A paixão?
À mesa do café, a saudade da presença das conversas em melodias com parecerias ínfimas e das sandes de queijo o molho de tomate a olhar os óculos de sol dele, atrofiados, incrédulo, redondo como uma bola de cacos e folheados em pedaços de xisto com cebola, havia também uma mão onde brincavam beijos afogados em berços de porcelana, eu também acreditava nas mesas de café, nos cinzeiros e nos cigarros, e
Os vidros escacados, e claro
A paixão?
Os cacos da vizinha do vizinho
AL Berto?
Os poemas dele quando se entranham nos corpos nossos, somo vampiros vestidos de esqueletos, uns de vidro, outros de saudade, e outros
Paixão?
E outros vestidos de paixão com pequenos adornos de suor às línguas tímidas dos silêncios em sôfregos olhos quando descem-lhe os óculos de sol, cerram-se as pálpebras, cerram-se as manhãs sem cortinados na janela e cerram-se os pedaços em madeira da lareira da sala
Fazíamos amor à mesa do café e tomávamos café sobre um divã de complexos orgasmos, sou assim, sou um
Desalinhado?
Não, não vizinho...
AL Berto?
Os vidros escacados, e claro
A paixão?
Os cacos da vizinha do vizinho
AL Berto?
Os teus livros em mim como as minhas palavras nela,
Sabendo eu que amanhã todas as ruas da tua cidade ficarão ofendidas com os meus olhos, e daqui em diante
Nunca mais agrestes guindastes sobre barcos de papel,
Sabendo que tu
À mesa do café embrulhada em coisas, e coisas das coisas com sabor a coisas... as coisas de ti e escritas no teu corpo.


(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 9 de Novembro de 2013

a vida de viver a vida sem a vida

foto de: A&M ART and Photos

viver sem saber o que é viver
viver a vida
mas que a vida se despede aos poucos de quem vive
a vida não vida vivendo acreditando que a vida...
a vida é viver sem saber o que é viver
ama-se a vida
e esquecemos-nos de quem nos ama sem a vida
vivendo
crescendo a vida dentro de nós
e longe da vida
a vida que nos espera quando formos apenas pó e pedacinhos de osso sem sabor
sem palavras de viver

a vida
a vida que se vive no meu corpo é um cansaço sem vida
viver sem saber que vivendo se vive... o que é viver...

o que é a vida.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 9 de Novembro de 2013

abstractos objectos dentro do meu peito

foto de: A&M ART and Photos

em todas as coisas belas fui mestre das tempestades de zinco que habitavam a cidade do nada
adormeci debaixo das sombras pedestres dos castanheiros
vivi em vãos de escada
sorri
e chorei
em todas as coisas belas...
me senti embebido nas lâminas de azoto que vagueavam os alicerces dos muros invisíveis
e descobri que o amor
e descobri que a noite
sorri
e chorei
são abstractos objectos dentro do meu peito

pinto desejos nas nuvens de algodão que descem as paredes do Inverno
olho-me no espelho do rio
sinto-te em mim apaixonada por palavras minhas
servem apenas os espantalhos de pano
como as ervas daninhas dos campos de milho de Carvalhais...
abraçadas aos espigueiros da saudade

dizem que sou esquisito
que tenho mau feitio
que sou
como o amor
e a noite
objecto abstracto
sem sorrisos
sem âncoras de aço fundeadas no cais das tempestades de zinco
dizem que sou parvo
dizem que sou... esquisito e de mau feitio...
sorri e chorei
são abstractos objectos dentro do meu peito


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 9 de Novembro de 2013

de mim crescem as palavras em ti...

foto de: A&M ART and Photos

(à admiradora secreta)

sinto-me embrulhado no labirinto dos lençóis de espuma
que adormecem sobre as sombras míseras das andorinhas em nocturnas imagens de incenso
sei que me ouves e esperas na esquina do transatlântico esqueleto de zinco
à procura de neblinas e marés de orgasmo
vejo-me enfurecido pelas fotografias do passado
brincava num quintal de barcos com gaivotas em papel
brincava... adormecia em ti pergaminho ovulífero das manhãs ensanguentadas pela escuridão da paixão
dizes-me louco quando pertenço às aves invisíveis dos plátanos em flor
dizes-me vagabundo
imundo
quando de mim crescem as palavras em ti...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 9 de Novembro de 2013

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Esqueletos de seiva mergulhados em corpos de espuma

foto de: A&M ART and Photos

Não se importa se é navegável nas horas anti-expediente, não me interessa se quando vem a noite, ela, se veste de tempestade, não tenho o direito de interferir nos pensamentos das flores, não me sinto na obrigação de abraçar os candeeiros desertos da cidade dos bosques evaporáveis nas horas nocturnas, não me importa se é navegável, supérfluo ou admirável, não tenho o direito de questionar a origem dos arbustos que circundam o quintal nem tão pouco se as mesas em granito do jardim estão vivas, mortas... ou
Esquecidas?
Ou...
Esqueletos de seiva mergulhados em corpos de espuma,
Vejo-te insignificante morte vestida de dor, há lágrimas no teu olhar que travestem os olhos de qualquer beldade, há mulheres de corpo esbelto e lágrimas de papel e há papel com lágrimas em corpos de
Papel?
As nuvens,
Os holofotes que iluminam as nuvens
Papel?
Os telhados da insónia na tua desgovernada manhã de inércia, os teus braços nas minhas mãos de porcelana e no entanto
As nuvens,
E no entanto vejo-te clarear como cinzentos mergulhos de estátua nas profundezas do rio ancião quando dos antigos veleiros sem nome navegavam
O meu corpo?
Berbigão mexendo as tuas doces noites de Inverno, sabíamos que amanhã não tínhamos os alicerces das avenidas novas, que amanhã deixávamos de nos conhecer e passávamos um pelo outro e
Desculpe, conheço-a?
Claro que não,
E no entanto vejo-te clarear como cinzentos mergulhos de estátua nas profundezas do rio ancião quando dos antigos veleiros sem nome navegavam
O meu corpo?
Navegável, profundo, em rocha maciça, em pedestal poético abraçado a directrizes articuladas com beijos e orangotangos malignos, mafiosos os corredores da loucura, as injecções levavam-nos para os jardins inventados pelos homens de bata branca
Como será o Sol quando acorda?
Desculpe, conheço-a?
Claro que não,
Os telhados da insónia na tua desgovernada manhã de inércia, os teus braços nas minhas mãos de porcelana e no entanto
As nuvens,
As tristezas travestidas de alegrias, as paixões vestidas de paixões com écharpe de insónia, e quase sempre preferíamos as sandálias em tiras de couro aos sapatos de bico amarelo, cantavas para mim, desenhavas no meu corpo gaivotas com sorriso de Infante adormecido, toca o telemóvel e alguém quer impingir-me a esta hora uma doce noite de prazer
“Acaba de ganhar uma viagem ao Bairro Alto”
E eu que acreditava nas viagens interplanetárias, e eu que acreditava nas
Meninas do sexo?
Estão em GREVE, GREVE GERAL...
“Acaba de ganhar uma viagem ao Bairro Alto”
E eu que acreditava nas viagens interplanetárias, e eu que acreditava nas navegáveis noites de espuma sobre colchões de areia...

(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 8 de Novembro de 2013

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

as palavras com sabor a zinco das sanzalas de vidro...

foto de: A&M ART and Photos

hoje vi o mar estampado no silêncio da alvorada tarde quando emagrecida pela solidão
dos alicerces nocturnos do medo
pensei em ti quando brincávamos nos charcos pardos dos musseques em flor
imaginei-te hoje com uma carapaça de filhos
imaginei-te hoje com uma cabeleira em açafrão e vestidos de alecrim
e tu olhavas-me percebendo que era eu não sendo eu
dizias-me baixinho
CRESCESTE...
cresci imaginado sorrisos nas janelas da escola com vista para o recreio
parti vidros desajeitadamente com uma bola de futebol
partiram-me a cabeça despropositadamente apenas com o pretexto de no futuro...
… amo-te

(e não amavas
e não gostavas das palavras com sabor a zinco das sanzalas de vidro...)

imaginei-te hoje voando sobre as mangueiras dos quintais do Madame Berman
vi o triciclo encolhido junto ao antigo pombal
vi as galinhas esperando o sonâmbulo milho
como migalhas de sexo perdidas na cinzenta voz da paixão
hoje vi o mar
e confesso que não gostei das imagens estampadas no silêncio da alvorada tarde quando emagrecida pela solidão dos alicerces nocturnos do medo
confesso que hoje tive medo quando recordei o teu rosto e o vi impregnado numa lâmina de xisto
voraz forçosamente como pirilampos nos buracos de uma parede de orgasmos voando sobre os pássaros
imaginei-te quebrando o gelo e as pequenas pinceladas de suor que iluminavam o teu corpo
e os sais de prata dos teus olhos em noites de viagem aos rochedos negros...
imaginei-te e percebi que sempre foste de sombra

(e não amavas
e não gostavas das palavras com sabor a zinco das sanzalas de vidro...)

CRESCESTE...
imaginando bocas de sémen nos lábios da madrugada
e cresci acreditando que o mar era uma ténue luz de linho bordada pela mão das cicatrizes manhãs de cacimbo
cresci imaginando os barcos cruzarem os corredores da inocência
sem apitos
marinheiros fecundos
homens vestidos de cozinheiros...
cozinheiros vestidos de homens com gabardines em chocolate
e chapéus de chuva com sabor a claridade cansada
imaginei-te crescendo no meu colo olhando as marés do encarnado beijo
e percebemos que as cordas de nylon eram filhas dos alicerces nocturnos do medo

(e não amavas
e não gostavas das palavras com sabor a zinco das sanzalas de vidro...)


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 7 de Novembro de 2013

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Dormíamos vagueando nos jardins de granito

Foto de: A&M ART and Photos

Não entendo as tuas insignificantes estórias, parecias-me cansada devido à azafama das cearas verdes enquanto dentro do palheiro cresciam as amarguradas tempestades tuas, as viagens sem regresso minhas, os transeuntes emagrecidos como sombras depois de correrem sobre a ponte dos abismos, e do outro lado, lá bem distante de nós, ouvíamos os pequenos uivos das paixões rasuradas no pergaminho corpo das donzelas nocturnas do desejo, e os automóveis envenenavam-se com as gargalhadas dos embriagados candeeiros de néon que a cidade alimenta com as sobejantes flores dos canteiros quadrangulares dos círculos prateados que os espelhos de luz transmitem para os muros doentios do ciume, amava-la?
Não, nunca a amei como amo as tas palavras de cetim adormecido...
Queria-la para procurares o mar?
Não, nunca a amei como amo as tuas saudades de verga enrolada nas dentaduras em marfim dos crocodilos de brincar, escrevia-lhe e deixei de o fazer,
Porquê?
Perguntas-me porque é triste a morte quando nenhum dos dois morreu, como se nós soubéssemos a dor que provoca a morte nos objectos, nas coisas, nas pessoas,
Quando morrer que tenha a tua mão entrelaçada na minha, e no entanto
Porquê?
Há pessoas assim, assim como? Assim... e no entanto descobrimos que a paixão é um bicho com asas de gaivota, e boca de pedestal abandonado, esperando o regresso de uma qualquer estátua, e
Porquê?
Porque elas gostam, porque eles gostam, porque a paixão é um bicho com corpo de mulher e dentro do corpo dessa mulher..., o tempo eterno, o tempo gasto com as superficialidades dos simples relógios de parede, alguns lixados com F Grande, outros, outros bruta-montes carregando caixotes em madeira do cais de desembarque até à pensão, chegando ao duzentos e dezassete...
Dormíamos,
Acariciávamos os tentáculos abraços das sombras de papel dos mendigos travestidos como lâmpadas clandestinas e apaixonadas pela letra de uma canção, sofrias, amavas e não eras amado, amada depois de crucificada nos cobertores diurnos das vertigens tardes de sexo prometido, e a cara -de-pau que o espelho absorvia do bengaleiro esperando a subida dos ditos homens carregadores que em cada degrau perdiam as réstias caixas em madeira,
Porquê?
E afinal, nada, vazios, perfeitos idiotas vestidos de camareiros carregando objectos inacessíveis, carregando objectos invisíveis, carregando memórias sem que tenhamos descoberto que a morte
Porquê?
Às vezes veste-se de alegria, como muitas das vezes a vida se veste de tristeza, e muitas outras
De nada,
Nada como dantes,
(Quando morrer que tenha a tua mão entrelaçada na minha, e no entanto
Porquê?
Há pessoas assim, assim como? Assim... e no entanto descobrimos que a paixão é um bicho com asas de gaivota, e boca de pedestal abandonado, esperando o regresso de uma qualquer estátua, e
Porquê?)
Não entendo as tuas insignificantes estórias, parecias-me cansada devido à azafama das cearas verdes enquanto dentro do palheiro cresciam orgasmos circunflexos, orgasmos recheados com vegetarianas mãos de orvalho, sentíamos a geada nas nádegas e sabíamos que lá longe, uma ponte atravessava o cais de desembarque, despediam-se os amantes, despediam-se os mortos dos vivos e os vivos das árvores e as árvores dos pássaros e os pássaros
Pai, o que são pássaros?
Bichos com asas...
A Paixão?
(Não entendo as tuas insignificantes estórias, parecias-me cansada devido à azafama das cearas verdes enquanto dentro do palheiro cresciam)
Cresciam dois corpos atravessando a puberdade em direcção às Termas de S. Pedro do Sul..., e hoje, hoje apenas fantasmas, e nada mais do que isso, fantasmas vivendo entre os lânguidos campos de milho, e ele, e ela, os dois
Espantalhos,
A Paixão?
Pai, o que são pássaros?
Bichos com asas...


(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha
Quarta-feira, 6 de Novembro de 2013

uma lápide de silêncio sem sentido nos teus lábios

foto de: A&M ART and Photos

uma lápide de silêncio sem sentido nos teus lábios
havíamos conversado quando nada o fazia acreditar
que a noite trazia as correntes verticais da chaminé do desassossego
havia uma janela no teu peito
e sempre que te visitava
desenhavas-me um beijo nas minhas mágoas de Salomão
tínhamos descoberto o olhar e os olhos e as pálpebras que escondem o olhar
quando terminava o dia e recomeçava o amanhecer nas coxas de uma flor esverdeada
tinhas-me desenhado com lápis de cor nas nuvens dos três ângulos
e eu sentia-me envergonhado por pertencer às estrelas sem nome
vagueando entre poeira e pedaços de madeira tristemente abandonadas
como o Céu onde pensavas que eu habitava
não não meu amor
sou alérgico ao Céu e aos habitantes do Céu
não não meu amor
sou alérgico às palavras e às lápides negras com bocas de porcelana
não
não meu amor...
uma lápide de silêncio sem sentido nos teus lábios
não quer dizer saudade
um cigarro na tua boca não significa tempestade
vento
beijos impregnados num lenço de claridade
não não meu amor... uma lápide é uma lápide
um beijo é um beijo
e a noite
às vezes
e a noite nem sempre é a noite
porque tínhamos descoberto o olhar e os olhos e as pálpebras que escondem o olhar
e descobrimos o verdadeiro amor...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 6 de Novembro de 2013

sílabas adestrais nas amoreiras vãs da cidade dos desejos vagabundos

foto de: A&M ART and Photos

oiço as tuas sílabas adestrais nas amoreiras vãs da cidade dos desejos vagabundos
tenho-te aprisionada no coração de pedra que a saudade deixou ficar em mim
sinto-te mergulhada nas palavras órfãs dos vadios poemas de encantar
e vêm da madrugada os guindastes mórbidos dos arvoredos em flor
sou um barco desgovernado
apaixonado
desamado
e desalmado
porque vendi a minha alma
ao Oceano mar dos defuntos poemas sem nexo
oiço a minha voz transformada em migalhas de areia
e pedaços de marmelada

sou um vagabundo?
sou um homem sem sentido procurando o sentido de viver
amar
sofrer
e chorar
oiço de ti os milímetros quadrados das janelas viradas para o mar das caravelas adormecidas
que sobejaram dos cobertores húmidos do desejo
o teu corpo evapora-se nas minhas doces e tristes mãos de arbusto desiludido
sei que me esperas numa rua da cidade
sem nome
sem saudade
das sílabas adestrais nas amoreiras vãs da cidade dos desejos vagabundos


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
quarta-feira, 6 de Novembro de 2013

terça-feira, 5 de novembro de 2013

a tua falta em mim

foto de: A&M ART and Photos

imagino-te sentado sobre a minha mão
e sinto as tuas adormecidas palavras nos meus olhos verdejantes
oiço-te sussurrar-me as migalhas ínfimas dos desejos prometidos
como se o meu corpo ainda existisse para ti
a tua falta em mim
parece um transatlântico paquete vergado pela vadia arquitectura do sono
imagino-te em sombras de espuma
como um sonâmbulo esqueleto procurando fotografias de ontem
imagino-te sentado sobre os meus seios de pálpebra encalhada nos rochedos das lágrimas
vejo o cascalho cintilante da insónia dor nos clandestinos orvalhos
e tu voas sobre os cinzentos veleiros com asas de papel
submersos no cansaço da madrugada

sinto a tua falta
e percebo que nunca mais terei os teus beijos
e as tuas acariciadas mãos de andorinha sideral
imagino-te dentro de um espelho esperando a minha mão
e o cheiro do meu corpo...
serei eu a tua fechadura a onde te acorrentaste quando das tempestades de areia?
sinto
sinto a tua falta quando as manhãs se tornam enormes
quando os beijos ficam inacessíveis
e os pássaros loucos como as tuas palavras nas montras da cidade
imagino-te
imagino-te sentado em mim

esperando a abertura da janela da semana passada
imagino-te impregnado no livro de mármore em lápides de paixão
oiço-te
e quero-te
como te quis
como te ouvia
sentado em mim
semeando lenços de seda sobre os socalcos adormecidos do xisto pergaminho
imagino-te em mim
quando tu pertences aos Deuses andaimes das saudades invisíveis
amar-te-ei eternamente como acontece com as lâmpadas nocturnas do sexo?
despeço-me de ti... imagino-me em ti perdidamente só como uma lagarta solitária


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 5 de Novembro de 2013

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

as volúpias pálpebras da sanzala encarnada

foto de: A&M ART and Photos

sentíamos as toupeiras dos milhafres romperem as lágrimas tuas
das pequenas aldeias em flor
sentíamos os rios e riachos e ribeiras e ribeiros e o mar
o mar amar vagueando no peito de quem não dorme
sentíamos os telhados vergarem ao peso da claridade
e dos relógios envergonhados
sentíamos a escuridão da escravidão
debaixo das mesas do café com esplanadas entrelaçadas
havia abraços de palha
e mãos de hortaliça
tínhamos beijos na algibeira
e fumávamos livros de poesia

sentíamos os carros vagabundos trilharem a cidade dos Oceanos
víamos os barcos encalhados no silêncio da paixão
sabíamos que os candeeiros eram fictícios
e invisíveis como sempre o foram as volúpias pálpebras da sanzala encarnada
sentíamos o sangue cortejar os telhados em zinco
corredores da morte transformados em lojas de luxo
roupas angustiosas em corpos apodrecidos
mortos
sem sentido
e sentíamos o cacimbo mergulhar nos ossos da madrugada
rompiam as sombras com janelas de cristais de iodo...
e uma bala tracejante vomitava ais e uis junto a um charco de alegria


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 4 de Novembro de 2013

palavras semeadas numa tarde de Outono

foto de: A&M ART and Photos

permaneço intocável como uma folha caduca
como palavras semeadas numa tarde de Outono
ao abandono
voando entre as campânulas preguiçosas das Primaveras adormecidas
sou uma mulher invisível dentro de um corpo convalescente
emagrecido
dorido
sofrido
sou uma mulher cansada de chorar
alegre por amar
e não perceber todos os nomes dos jardins do meu País...
sou uma mulher em desejo

(acorrentada à varanda do medo
fumo cigarros vegetarianos e sonho com papagaios de papel)

sou uma mulher em desejo
prisioneira da saudade
sou feliz
sou alegre
sou uma gaivota poisada na ponte da eternidade
sou a madrugada em flor
permaneço intocável
e sofro
e morro
e choro... nas lágrimas da chuva como barcos de esferovite
molhados
os meu lábios

(e húmida
a minha doirada boca)

sou uma mulher mergulhada na melancolia
sou feita em pedaços de vidro
tenho laços de cetim em volta do meu pescoço
sou uma mulher de aço
alicerçada ao mês de Agosto
sou bela e moça bonita
sou linda e mulher donzela
sou filha das flores do amanhecer
e húmida
a minha doirada boca...
alimenta-se das vozes esquecidas
nas árvores mendigas das tuas mãos de gafanhoto


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 4 de Novembro de 2013

domingo, 3 de novembro de 2013

esqueletos vadios rolando as calçadas em direcção ao Tejo

Foto de: A&M ART and Photos

acreditava que eras em pedra maciça e que tinhas no cabelo uma seara de trigo
havia nuvens de poeira que envolviam o teu olhar
e sempre que chovia
uma janela acordava no teu peito
acreditava que não choravas porque as flores não choram
e eu
acreditava
que eras em pedra maciça
e eu
acreditava
que eras uma flor
com perfume de desejo

acreditava que pertencias às gaivotas de asas em papel
que vivias no mastro dos barcos doentes
e que amavas os homens como eu
esqueletos vadios
rolando as calçadas em direcção ao Tejo
acreditava que tu eras diferente
e que a escuridão da tua pele sangrava espinhos de chocolate...
doces desenhos no suor cuticular da vaidade solar
e tinhas na boca as palavras de vento que vomitavam bandeiras brancas em dias de tristeza...
acreditava
que eras uma flor
acreditava

que eras... um desejo
um corpo
um beijo de sílabas enlouquecidas numa tarde de Sábado
e no entanto
a tua escura pele adormeceu nos agrestes desenhos do Baleizão
que eras uma flor
lábios pintados de encarnado
beijos doirados
acreditava
e tudo parecia a mão da Inquisição sobre o púbis da saudade
havia ruas da cidade submersas em ti
como cordas de nylon aprisionando pêssegos carcomidos dos pássaros pretos


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 3 de Novembro de 2013

é Domingo

foto de: A&M ART and Photos

podíamos aproveitar os desenhos da sala de jantar
podíamos fazer das paredes húmidas telas com alegria
e palavras em espuma
à espera do Oceano
sentávamos-nos sobre a soleira da porta de entrada
e esperávamos o regresso das almas impregnadas no mármore livro onde dorme o avô Domingos
é Domingo
visitei-o e percebi que um dia
eu
não tenho quem faça o mesmo por mim
pertencerei a uma sepultura solitária
entre riachos e pedras dentárias
prédios e alicerces de vidro
é Domingo
e o avô Domingo parece satisfeito com a minha visita
não o consigo ouvir
não o consigo ver...
mas sei que ele vagueia nas minhas mãos enquanto nascem delas as palavras dele


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 3 de Novembro de 2013

Uma boca?


Termina a noite e sinto-me um desamor, desalmado, um pedaço de papel sem endereço ou palavras, sinto-me uma flor sem pétalas, ou
Uma boca?
Sou a boca sem lábios, a boca sem desejos, sou a boca das palavras envenenadas pela noite, vigio a luz que ilumina a minha mão, oiço a voz do teu sofrimento, oiço a voz dos teus anseios, oiço a sombra transformada em voz, oiço a pele sedosa da manhã na límpida chuva dos orvalhos clandestinos que aparecem nos dias de ansiedade, oiço a voz do desejo proclamando os inocentes divãs com pernas de cetim, oiço dos cortinados os vãos confusos que a tua língua deixa sobre a mesa-de-cabeceira do quarto duzentos e dezassete, e oiço a voz do simpático cortinado vomitando orgasmos; amo apaixonadamente a noite e a embriaguez das luzes encarnadas dos teus seios.


@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 3 de Novembro de 2013