sábado, 8 de junho de 2013

Como todos os versos dele...

foto: A&M ART and Photos

Tinha medo do escuro e das mãos não tuas, cresciam em mim desejos imprimidos no papel grosso e quase cartão onde embrulhávamos os demais objectos não utilizados, tínhamos apenas uma cama para as duas, e éramos uma lágrima antes de romper a madrugada janela adentro, ouvíamos ranger a cidade, ouvíamos os rosnar dos autocarros dando os primeiros passos avenida abaixo, ouvíamos o estender de braços, sobre a cabeça, do rio que ficava a meia dúzia de metros dos nossos encontros secretos, depois, abríamos a janela, dávamos as mãos, e fumávamos os primeiros cigarros de nós, e éramos felizes assim
Poemas que vão integrar esta colectânea,
Horríveis, sangrentos, húmidos às vezes, como esponjas derramando películas de suor que vogais e sílabas alimentam depois de nascer o poema, e morrer o texto, sulcos salivais, vaginais, vagabundos escondendo-se em folhas velhas de jornais, a cama, delírios imaginados por um transeunte camuflado num sobretudo castanho, havíamos combinado escondermos-nos no sótão enquanto nos acariciávamos olhando-nos num espelho magro, esquelético, voraz, volátil como alguns fluidos dentro de pequenas caixas de fósforos, e ardíamos como cachimbos na boca desespero do senhor António Emagrecido com voz penumbra soletrando as pequenas letras no cardápio do prazer,
Poemas que vão integrar esta colectânea, poemas de “merda” e textos de “merda” percorrendo socalcos e avenidas entre arbustos e automóveis de luxo, por favor – Mesa para duas – e depois despedíamos-nos após transcrevermos na palma da mão os poemas envenenados e moribundos, alguns, nem sobreviviam e na primeira carícia acabavam por despenharem-se-me nos seios circunflexos das paixões em marés de Primavera, éramos novas e queríamos – Queremos um quarto de casal se faz favor – e a pergunta parva de sempre
(as meninas vão dormir juntas)
Respondíamos que não, claro que não – Eu durmo no chão e ela dorme com o gato Jerónimo – PARVALHÕES...
Horríveis, percebem?
Os poemas, as noites em claro olhando uma lâmpada embrulhada em papel celofane, encarnada, e pela segunda vez sinto o meu corpo possuído pelo maldito sarampo, eu parecia um forno depois de aquecido e esperando a entrada em mim da massa, que posteriormente, como os poemas, renasce o saboroso pão, e trazias-me a manteiga de amendoim, e quando acordava, sentia-me embalsamada nas tuas mãos..., “tinha medo do escuro e das mãos não tuas, cresciam em mim desejos imprimidos no papel grosso e quase cartão onde embrulhávamos os demais objectos não utilizados, tínhamos apenas uma cama para as duas, e éramos uma lágrima antes de romper a madrugada janela adentro, ouvíamos ranger a cidade, ouvíamos os rosnar dos autocarros dando os primeiros passos avenida abaixo, ouvíamos o estender de braços, sobre a cabeça, do rio que ficava a meia dúzia de metros dos nossos encontros secretos, depois, abríamos a janela, dávamos as mãos, e fumávamos os primeiros cigarros de nós, e éramos felizes assim, assim, assim como hoje, poisando os cotovelos no peitoril de verniz sobre a Avenida Almirante Reis, e comíamos Sábados à noite, depois de acordarmos com hálito a chocolate e a beijos de açúcar”, mãos, as mãos tuas em mim, depois, depois a penúria de vivermos sobre um mar de areia branca, sem barcos...
Horríveis, percebem?
Como todos os versos dele...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Rosas de amor

foto: A&M ART and Photos

Tinhas na mão as palavras minhas
em ausências mergulhadas nos carris da insónia
trazias-me ao jantar os sabores do mar
com pequenas algas e pedaços de luar
tinhas nas mão as palavras minhas
dementes como esqueletos ósseos suspensos no estendal da noite
como acontecia aos orgasmos nocturnos nas miseras coxas em granito
tínhamos corações de xisto
e janelas com imagens encarnadas entre flores e pétalas às pálpebras quebradas
dos vidros restou nada
e da casa com cortinados de papel...
sobraram saudosos beijos embrulhados em simples abraços,

Tinhas na mão a pele silenciosa da madrugada
como pingos de chuva
em cansados versos por mim declamados
tínhamos os rios e as pontes e gaivotas embriagadas
nos confins voos em siderais mistelas de açúcar e canela
e demais minhas desérticas palavras
por ti
e de mim
abandonadas
tinhas
na mão minhas
corpos dispersos teu desejo travestido entre plumas e rosas de amor.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Pedras contra as palavras que poisam no estendal do quintal

foto: A&M ART and Photos

É sexta-feira, atiram-se pedras contra as palavras que poisam no estendal do quintal onde juntamente com demais roupa, de homem e senhora, uma criança grita pelos patos que brincam no lago, são três, podiam ser quatro, o ideal seriam cinco, mas é o que eles têm, e já não é pouco, de essa criança existem alguns brinquedos espalhados ao redor das mortas árvores de papel grosso, pouco maneável, não chove, o tempo seco ressaca-lhe os pulmões desabituados ao fumo do cigarro, e hoje, não sente saudades de fumar, mas não se cansa de recordar o cheiro, as imagens inventadas pelo fumo esbranquiçado, penumbro, arrancando bonecos de palha do campo de milho da tapada do avô Domingos, Carvalhais existe, S. Pedro do Sul padece das minhas mãos quando me sentava no jardim junto ao Município, ou ficava horas a imaginar o rio Sul em círculos enquanto do meu corpo uma sombra de planaltos deambulava pelas encostas em frente às Termas, queria atravessar o rio, voando, como pássaros, os melros invadiam-se da gaiola do senhor Joaquim, tio,
(o tio Joaquim não percebe porque chamam ao grande José Eduardo Agualusa, falso escritor, não percebe, não entende, talvez porque o tio Joaquim já tenha morrido, talvez porque o tio Joaquim só tinha a quarta classe, ou, porque apenas e só, quem o afirma, o escreve por inveja, ou pior, por ignorância, ou porque não lhe interessa ou interessam os temas dos livros de Agualusa, é verdade que todos têm direito à opinião, livre, mas dizer falso escritor... porquê? Tínhamos três patos, eu passeava-me em volta do lago imaginário onde perto do lago existia um canastro, atulhado de milho, a eira ao lado do canastro, ambos, pertenciam ao outro tio, o artista, Serafim, grande homem, este, e o outro também, o Joaquim, mas tinha um defeito, um grande defeito, não percebia a razão de escreverem que Agualusa é uma falso escritor..., tantas falsas coisas, e os livros, são todos eles verdadeiros, e aquele que escreve, será ele um falso homem? Só não percebo, querido tio Joaquim, questiona-se a possível fortuna de Agualusa, e não se questiona a fortuna de certas pessoas que em Angola vivem sem que se perceba como conseguiram tão grandes fortunas, essas sim, colossais, quando não ainda há muito tempo, alguns, mal sabiam ler e escrever e andavam de G3 no mato... e agora, alguns deles, passeiam-se de avião e vêm às compras a Lisboa)
O tio, o outro, o artista, cantava fado e declamava poesia na sua adega, rodeava-se de amigos, alguns de simplicidade invejável, outros, que deixavam o respectivo canudo à porta da adega e madrugada depois, saiam, felizmente o conseguiam fazer, alguns de gatas, outros, outros cambaleando sobre rodas de incenso e lápis de cor,
(hoje percebo que não nasci em Angola, que jamais regressarei porque felizmente não compactuo com determinados comportamentos, sempre o fui e sou, a favor do livre pensamento, recuso-me a aceitar o insulto apenas pelas diferenças de opinião, não concordo que José Eduardo Agualusa seja um falso escritor, e para terminar, percebi hoje que os destaques do meu blogue Cachimbo de Água no Sapo Angola, de hoje em diante, terminaram; paciência, sou e sempre fui assim, mesmo sabendo que posso perder tudo, o pouco que tenho, e não te preocupes tio Joaquim, um dia, um dia vamos ver o Mussulo, e depois, levamos duas cadeiras de vime, sentamos-nos junto à Baía e esperamos pelo regresso da...)
E dos lápis de cor, ele, o tio, o Joaquim, deitou fora o de cor azul.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

As gaivotas embriagadas

foto: A&M ART and Photos

Esqueço abismos e inglórias
acordo sabendo que deixaste de me esperar no banco granítico
do jardim invisível
o nosso pequeno quarto sobre as rochas viradas a Norte,

Esqueço palavras e sonhos
imagens
esqueço os sofrimentos das nocturnas esplanadas que a escuridão engole
e transcreve para o muro em betão que divide os nossos corpos separáveis hoje,

Acorrentados ontem
(lembras-te – querida solidão de areia?)
como barcos prisioneiros em pilares de sombra
e esperando que o luar desça as escadas dos cais desassossegados,

Esqueço a ti
como as serpentes envenenadas debaixo do divã
esqueço a ti embrulhada no capim húmido dos lençóis da madrugada
e sei que deixaste de me esperar,

E nunca mais te vi na janela da manhã
como o fazias ontem
antes de ontem...
quando regressávamos dos corredores de aço com sulcos finos em papel de parede,

Rosas em decomposição
corpos de poemas em putrefacção não sabendo eles que deixaste de olhar o sol
e começaste a caminhar mar adentro
como um paquete sem rumo,

Descendo calçadas de vidro
versos cansados
palavras e palavras e palavras
para quê?

Versos malvados
esqueço abismos e inglórias
acordo sabendo que deixaste de me esperar no banco granítico
do jardim invisível...

Tristes
estas noites quando os relógios morrem
e o tempo cessa as suas garras
no pescoço teu onde dormem as gaivotas embriagadas.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Camas de solidão em almofadas de listras

foto: A&M ART and Photos

Viajo entre curvas ínfimas que me transportam às sílabas papel dos lábios jardins camuflados dentro da cidade, tenho ruas só minhas, casas desabitadas, onde, só, adormeço, passos algumas horas, porque tenho a poder de transformar horas em dias, recheios de apartamentos sujeitos a vandalismos proliferam escadas abaixo, e entre mim e o corrimão, penso-o, possivelmente nem uma mosca, daquelas esqueléticas, conseguem colocar-se a meu lado, subo só, e desço descalço, como se não existissem espelhos e cobertores, apenas uma rampa inclinada, voando eu, até encontrar a porta do prédio ao lado, uma velha pastelaria, moscas, estas não esqueléticas, coabitam com os croissants e os restantes bolos, lâminas de barbear, pilhas, jornais e revistas, mulheres nuas dentro de papel que acabará numa casa de banho pública, peço um café curto, e sobre a mesa onde esqueço os cotovelos, vejo uma chávena quase a abarrotar de café, procuro na algibeira sessenta cêntimos de euros e despeço até sempre desta horrível pastelaria perdida numa avenida incógnita, como as pedras da Ajuda, caminhadas com milhões de pés, às vezes, com o vento, tombávamos no chão, havia desníveis, ora subia, ora descia, e claro, o chão sempre foi a nossa melhor cama, depois do sono, acordavam os enjoos, o fígado inchado, a dor no estômago, e
Tonturas,
E os cigarros esquecidos na prateleira junto ao uísque e a migalhas de haxixe que de um caixote em chapa, de nome armário, ficavam o santo dia acorrentados, até que vinha a noite, abríamos a porta, e seguíamos viagem pelas ruas mais escuras que habitavam junto ao rio, corríamos, corríamos... e quando nos sentávamos nas margens do rio, apenas sós, cruzávamos as pernas, eu, os cigarros e as migalhas de haxixe, e
Tonturas, pernas torneadas por um verdadeiro artista plástico, bela, o corpo parecia um Stradivarius, e o som, o som escorria um líquido a que os humanos chamam de suor, pequenas gotinhas com sabor a incenso, ou a doçura, ou... a música,
E uma almofada amarela com bolinhas encarnadas, brancas ou negras, mergulhava nos lençóis desejo da noite, listras, brancas, intercaladas com o silêncio do capim, e nas paredes do sono, quadros, pinturas abstractas com mãos de alicerce, uma ponte despedia-se do rio, e no rés-do-chão da rua onde dormíamos quando fingíamos desgostos e dores de cabeça, havia sempre uma mosca, esquelética, não esquelética, e que às vezes era tão amorosa que dormíamos os três juntos...
(os cigarros, o sono, as migalhas de haxixe, duas moscas, uma esquelética e outra não esquelética, e claro, eu)
… amarrados à almofada, com o medo de perdermos as listras brancas, porque as negras não corriam esse risco, visto ser noite, e o negro dilui-se na escuridão, como os beijos de duas pessoas que se desejam,
Um homem e uma mulher, dois homens ou duas mulheres, porque o importante é não perdermos as moscas, as esqueléticas e não esqueléticas, os cigarros, as migalhas de haxixe, as mãos quando se entranham nas tuas coxas, e sempre, o todo, o inesquecível abraço, os sexos imprimidos nos espelhos das janelas, e feliz Stradivarius voando sobre dois corpos nus sobre lençóis invisíveis, e almofadas com listras, coitadas, acorrentadas à solidão...
E esqueci-me do uísque.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Eras quase noite

foto: A&M ART and Photos

Havia uma louca paisagem
acorrentada à Cinderela manhã com sorrisos de nada
um pedaço de ti mergulhava em sombras com braços despidos
proibidas as melodias teu cansaço...
havia uma tal de Josefina... inventava tigelas de marmelada
que à janela secavam e às vezes dos vorazes sons do papel vegetal
voavam neblinas de insónia e projecteis de orvalho no final do dia
como acontece aos meninos que brincam debaixo das madalenas árvores de sonhar...

Eras quase noite
trazias-me os sonhos embrulhados em finas toalhas bordadas pela mãe Arminda
(às vezes zango-a dizendo-lhe que são trapos)
velharias em exposição que um vendedor ambulante tentava impingir-nos a todo o custo
cachimbos e bonés de militar da ex-URSS... livros velhos com presença de dores musculares
havíamos embainhado os relógios nossos pulsos em pequenos cabelos ramificados
como cabos de aço a prenderem petroleiros no corredor desgosto do ser
o papel de embrulho sempre deitado sobre o velho balcão em madeira apodrecida,

O cheiro da roupa depois do sexo
o perfume do sémen impregnado nas oliveiras além socalcos
como ventoinhas em suspenso no tecto da cubata esquecida sobre o Tejo
tínhamos medo da ponte de ferro
e dormíamos nos bancos de jardim porque queríamos escrever sobre os joelhos cansados da madrugada
havia uma louca paisagem com uma louca casa e uma louca varanda
dos teus loucos beijos
em tuas grandes loucas mamas de amanhecer violento depois das tempestades palavras...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Pétalas de pergaminho púbis

foto: A&M ART and Photos

Comíamos as tristes noites de insónia
e acompanhávamos-nos como serpentes de dor
enroladas em nuvens de cor
e papel celofane suspenso dos lábios moliceiros em desejados sonos nocturnos
que a mão teu corpo envergonhado deixava cair sobre os geométricos alicerces clandestinos da luz,

Traços uniformes
seixos de mágoa que transparentes imagens de sons desconformes
voavam entre a madrugada
e a pele simétrica que cobre o sufoco jardim das clarabóias de cetim
às primeiras horas dos minguados sopros beijos,

Tínhamos na fome
o prazer de olharmos as árvores em descansos imaginários
como marés invisíveis
quando o vento as levava...
e a faca penumbra circunferência dos teus seios poéticos e melódicos ficavam esquecidos no interior de um livro de poemas,

(sinto-os endoidecer nas minhas mãos)
como a saliva e o folhear de páginas sem palavras
folhas tristes e brancas
como as janelas sem cortinados
como os olhos sem pálpebras,

Com o céu despido nu nas estrelas tuas mãos
fictícias manhãs desenhadas numa ardósia que um recreio escondeu
como as flácidas enguias que o prazer transformava em delírios moribundos
e de um pinheiro envelhecido
desciam margaridas flores com pétalas de pergaminho púbis...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Resgatava-a da noite e das minhas garras de menino apaixonado

foto: A&M ART and Photos

Eras transparente como o vento, à procura de ti transversalmente sobre as placas tectónicas do magma silêncio onde poisavas os ombros, descansavas os braços, de ti, quando a pele se ausentava do teu corpo, e fingia mergulhos secos em poços de ninguém, víamos a maré através de uma janela, e dávamos as mãos, porque éramos apenas crianças perdidas nas planícies das bananeiras, ouvíamos ao longe os semáforos uivos dos pescadores envergonhados quando das ondas chegavam até eles objectos cúbicos, círculos de luz e lápides de mármore, dois gajos, um de cada lado e ao cento um emaranhado de palavras, os gajos, salvo seja, feios, imundos, e das palavras apenas
(do saudoso saudades de vós, perdedores insensíveis das noites de luar, isto é um jogo, diziam eles, e nós vamos ganhar, diziam eles..., dos filhos das filhas e das esposas e dos esposos, e dos afilhados, ex-afilhados, novos, velhos transparentes apressados para encontrarem lugar sentado na cadeira do senhor, à direita, depois à esquerda, depois ao centro, e quem sabe, um dia, os dois em lápides de ternura da comunhão solene apressadamente em frio inverno, diziam-me eles, que, talvez, um dia, um dia vamos ganhar, vamos, claro que sim Doutor... a vitória é sua; Ora porra... será a águia... ou... a lápide com dois gajos, feios, muito feios, perdidamente apaixonados pelo desespero, uivos)
Apenas sentia o calor dos teus dedos, percebia-se pela chegada da noite que do teu castanho cabelo uma flor crescia, e quando já noite cerrada, ela emergia-se-me e dirigia-se-me, acredito que gostasse de mim, como acreditei em tantas parvoíces que hoje, hoje não acredito em nada, nem no que vejo, hoje só sentindo,
Uma mãe chamava a sua querida filha, resgatava-a da noite e das minhas garras de menino apaixonado por triciclos e papagaios de papel, um menino que da sombra das mangueiras, apenas e só, construía edifícios de muitos andares, que alguns deles, tocavam o céu, e os beijos teus que me oferecias quando te despedias da noite, brincávamos dentro de uma caverna forrada com pedaços de cartão, e mais tarde, tive medo dos caixotes de madeira
(cuidado – frágil)
Um guindaste enferrujado vomitava sulcos de fumo, havia no ar um enorme rosnar de um motor envelhecido, doente, cansado, carregava, descarregava, imaginava-o suspenso nos teus sonhos, e quando me deitava, e quando não dormia, acreditava, fazia contas, imaginava quantos caixotes de madeira ele tinha carregado/descarregado, até que desisti quando regressou a Primavera, fiquei em liberdade condicional, libertei-me do enfadado Inverno, chorei, sorri, gritei, pesadíssimas as minhas primeiras botas calçadas num dia de geada, porra... que vida esta, diziam-me eles
(do saudoso saudades de vós, perdedores insensíveis das noites de luar, isto é um jogo, diziam eles, e nós vamos ganhar, diziam eles..., dos filhos das filhas e das esposas e dos esposos, e dos afilhados, ex-afilhados, novos, velhos transparentes apressados para encontrarem lugar sentado na cadeira do senhor, à direita, depois à esquerda, depois ao centro, e quem sabe, um dia, os dois em lápides de ternura da comunhão solene apressadamente em frio inverno, diziam-me eles, que, talvez, um dia, um dia vamos ganhar, vamos, claro que sim Doutor... a vitória é sua; Ora porra... será a águia... ou... a lápide com dois gajos, feios, muito feios, perdidamente apaixonados pelo desespero, uivos, o desterro, os dois mosqueteiros sem espada, cordas, enforcados num simples plátano macho, uma lápide, duas fotografias a preto-e-branco, de uma lado, o avô Domingos, e do outro, a saudosa e querida avó Silvina, ao centro, o palavreado de sempre, datas de nascimento, o dia em que partiram, e claro, nunca esquecer o dia da derrota final, aquele da libertação, quando os prometidos soldados, comandados por um General imune a corrupção, ao banditismo, e ao trágico silêncio embarcadoiro por mares encastrados num castanheiro como símbolo de armas, que coisa, loisa, loiça espalhada pelo chão, e sempre esperando que o dito vento, aquele que como tu, também ele transparente, um dia regresse e todos sejamos livres, livres como os pássaros da casa de Favarrel – Carvalhais...)
E diziam-me eles que tudo seria temporário, as botas, temporárias, a casa com divisões em panos de chita, temporárias, e os sonhos não realizados, também eles temporários..., “eras transparente como o vento, à procura de ti transversalmente sobre as placas tectónicas do magma silêncio onde poisavas os ombros, descansavas os braços, de ti, quando a pele se ausentava do teu corpo, e fingia mergulhos secos em poços de ninguém, víamos a maré através de uma janela, e dávamos as mãos, porque éramos apenas crianças perdidas nas planícies das bananeiras, ouvíamos ao longe os semáforos uivos dos pescadores envergonhados quando das ondas chegavam até eles objectos cúbicos, círculos de luz e lápides de mármore, dois gajos, um de cada lado e ao cento um emaranhado de palavras, os gajos, salvo seja, feios, imundos, e das palavras apenas, apenas? Apenas se os velhos marginais de areia, conchas, moluscos, quitetas, deliciava-me, e no entanto, sentia a tua falta, o teu sofrimento quando te levavam para longe, dentro de um barco, e...”, dois, dois parvos embrulhados numa lápide de papel, como carneiros vagueando debaixo do tecto do medo,
(cuidado – frágil, e percebi que estes comboios não eram de brincar)
E eras transparente como o vento, e quando gritavas o meu nome..., apenas sentia o vento enrolado nos tornozelos de um embondeiro, e a tua voz, aos poucos, mergulhava-se-me como gotinhas de água que desciam solenemente dos céu... até caírem inocentemente sobre as placas tectónicas do magma dos teus lábios; e sim, eras tu, nunca o duvidei.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 4 de junho de 2013

Em busca da saudade

foto: A&M ART and Photos

Ouves as mãos de chocolate vagueando sobre a tempestade de cereal em forma de palavra
escreves-me dos tentáculos silêncios dos vulcões entranhados na montanha teus seios
e um arbusto chora a tua ausência
como se o vento adormecesse nas melancólicas mesas de granito
que um buraco de minhoca alimenta em pedaços de paixão
e tristes casas de areia com vista para a cidade dos barcos amargurados,

Ouves tuas minhas cansadas desilusões que o mar engole como Sereias de papel
e nada fica eterno
oiço-os fingindo escadas de acesso ao tecto da insónia história
não existo
desisto
de procurar palavras numa calçada sem nome num bairro esquecido no altímetro do Mussulo,

Vagabundeio semi-nu procurando terrenos para aportar
meus alicerces de tristezas manhãs de Primavera
a astronomia minha amiga inventa-me estrelas com pequenos torrões de açúcar
goiabada e mandioca
habitávamos em corpos sonâmbulos pela infinita distância sem que o universo nos informasse
dos projectos para ultrapassarmos as difíceis tardes abraçados a um rio imaginário,

Doente
sem nome dizendo-se filho das grandes palavras esquecidas nas cúbicas coxas cinzentas
que deixam os pássaros embriagados em penumbras cristas de azoto
finíssimas peles bronzeadas como noites escurecidas num qualquer confim de África...
e invento a felicidade com pedaços de capim e uivos de mabecos
enquanto um velho papagaio de papel circula no céu como uma ventosa em busca da saudade...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Coloridas madrugadas em bolhas de insónia

foto: A&M ART and Photos

Sou um corpo de tinta em movimento circular uniformemente acelerado, voo como os pássaros e sonho como os homens, sinto o prazer do vento no meu rosto como as mulheres, tenho desejos, tenho palavras crispadas nas planícies do meu silêncio, trago em mim o sorriso do mar que me abraçou quando eu criança, sem saber que a distância se iria um dia entranhar no meu cansado peito de rocha granítica, tinha nas mãos o invisível sossego das tarde de Domingo, ouvíamos o relato de futebol, confesso que nunca fui fã, mas entretinha-me a desenhar vestidos em papel vegetal, utilizava lápis de cor, todos, menos o azul, na altura era proibido, depois escolhia os tecidos, as linhas e as agulhas, e de dedal no dedo, construía... destruía, cosia, descosia, e quando a noite se preparava para nos invadir o quintal, eis que o vestido estava prontíssimo a ser utilizado pelo meu amigo chapelhudo,
Um corpo submerso na tinta transparente do solstício de verão, nuvens de algodão saboreavam a boca das crianças depois do espectáculo de circo, sentávamos-nos no Baleizão, havia frescura como se cada noite fosse diferente da interior, como se cada noite fosse única, una, cancelas de palhaços voando entre as cadeiras da esplanada, eu sonhava como uma gaivota à espera de sossego para me erguer das ventosas linhas ínfimas dos paralelos da calçada em direcção à cidade adormecida, todos dormiam, uns snifavam coca, outros, fumavam heroína, outros... brincavam na areia imaginária do largo dos aflitos corações de ardósia,
Coisas, ruins, coisas de homens e coisas de mulheres, não coisas minhas, porque eu mergulhava em pedaços de tinta, transformavam-me em tela, e um gajo sobejava-me traços a carvão, ao poucos crescia em mim uma cidade de Inverno, frio, o corpo transpirava, havia vómitos como havia flores nos jardins por onde passava, olhava, e vinham-me as saudades dos livros de poemas que deixei sobre a casa de penhores, uma máquina de calcular, uma máquina fotográfica, tudo, pouco
Quanto me dá por tudo?
Nada, três contos de reis, ninharia, dois pacotes por três, promoção, comprem meninas, meia, calcinhas, vestidos decotados, tecido estampado, última moda em Paris, nada, três contos, e um texto em ficção, dois poemas por três frases sonhadas e pensadas na casa de banho do café, dançavam estradas de alumínio entre mãos, estradas sem portagens, livres, gotas em bolhas, castanhas, os olhos vidrados, e começava a cair sobre nós uma penumbra chuva miudinha de sono,
Quanto? Só?
Dormíamos sobre os joelhos, e quando acordávamos... uma flor sorria-me, e em lábios carnudos, dizia-me simplesmente
Bom dia, meu amor,
Dizia-me simplesmente... porquê, Francisco...
Porquê.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Navegantes sorrisos

foto: A&M ART and Photos

Os desencontros dos navegantes sorrisos
da sua boca o desassossego em preguiça
os meus teus lábios voando sobre as calçadas do silêncio
entre medos
degredos
teus luxos segredos
quando um cortinado se esbanja à janela da solidão
e a tempestade avança contra nós e nos tomba no chão,

Os espelhos dos teus seios como coloridas manhãs de Primavera
havíamos plantado árvores de brincar
tínhamos bancos de sentar
como inventada madeira
saltitando nervos dos horóscopos aquários
eu vagabundo
eu imundo... sorrindo cansaços marasmáticos em saliva amanhecer
e oiço a tua sóbria voz no meu peito de xisto,

Tinhas na boca a minha boca em papel cremado
sentia a tua língua em poesia escrevendo versos no meu pescoço...
pegava-te na mão dilacerada e esperava pelas tuas doçuras coxas
inventávamos areia sobre os lençóis de linho
e desciam as estrelas sobre os nossos corpos em delírio
coisas em coisas como tinta numa tela encarcerada dentro da prisão dos húmidos desejos
e havíamos esgotado todos os livros e marés de ninguém
e tínhamos um cubículo de fome só nosso... como flores esquecidas na jarra sobre a mesa-de-cabeceira....

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Transeunte paquete de imagens

foto: A&M ART and Photos

Transeunte paquete de imagens escuridão
semi-nuas entre palheiros com gaivotas em transe
e lâmpadas de incenso na janela da seara adormecida
sinto-me quando me sento nos confins desenhos dos muros em betão
correndo mar adentro
como âncoras de chocolate escorrendo pelos corpos despidos cansados...

O teu e o meu suspensos das nuvens agrestes que as sílabas constroem
sinto-me e sento-me perdidamente embriagado nas ondas oceânicas madrugadas
comia manhãs saboreando as páginas perdidas de uma sebenta ensonada
transeunte paquete de ti em minha mão ensanguentada
desces do pôr-do-sol e entranhas-te em mim
como se fosses uma livraria apaixonada.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Blogue Cachimbo de Água em Destaque
Sapo Angola

domingo, 2 de junho de 2013

Mãe de areia

foto; A&M ART and Photos

Inventavas canções que me adormeciam
desenhavas sombras sobre a minha alcofa com pedaços de papel colorido
olhava-os pensando serem estrelas
ainda hoje confundo-os com as estrelas do céu
e fico sem saber se elas são papeis
ou se os papeis são cores pintadas por ti nas paredes da noite,

Colocavas-me um pequeno rádio a pilhas
em som quase nulo
e dizes-me agora que cintilavam os meus olhos
ficava submerso nos lençóis como um barco de esponja
na banheira de plástico onde me banhavas...
e dos meus ainda não dentes coloridos sorrisos vinham,

Regressavas a mim com o cacimbo em ti
e trazias contigo o cheiro do capim molhado
húmida a terra
sangravam as rochas as lágrimas tuas quando eu deambulava sobre os telhados de areia...
depois... adormecias em pé enrolada no cansaço
e um dia deixaste-me cair e eu percebi que me amavas...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Não... possivelmente não és nada

foto: A&M ART and Photos

Sento-me nesta cadeira de gente, só, pego nas palavras e semeio-as sobre uma fina toalha de linho, sentado, percebo que sou um ignorante diplomado, sinto que lá fora, no meu jardim, há pássaros novos, vê-se pela penugem, parecem ainda bebés, depreendo que nasceram aqui, e aqui vão crescer, até se fazerem homens, mulheres, e zás... desamarrarem-se do cais seus pais e nunca mais regressarão, ou talvez um dia, quem sabe... regressem, visitem as minhas já então velhas árvores, possivelmente, a figueira, deixara de existir, possivelmente, o pessegueiro recheado de atrozes, possivelmente, a cerejeira, essa, de coluna vertebral inclinada a quarenta e cinco graus, e nada, ou quase nada, que, eu, possa fazer para mudar o curso normal das coisas, estas, banais, e tudo, porque estou sentado numa cadeira de gente, só, pego nas palavras e semeio-as sobre uma fina toalha de linho, sentado, oiço-te quando gritavas o meu nome do outro lado da rua, havia casas rasteiras entre nós, um dia quis fazer de uma velha televisão um aquário para peixes, abri-a, e queria abrir o velho embaciado ecrã do televisor munido de válvulas e outros apetrechos, ligava-se e a imagem aparecia segundos, minutos, depois, como das palavras do outro digno Senhor “Precisa de aquecer as bobines e parece um poço a deitar música”, neste caso, imagens, a preto-e-branco, além de parecer uma bomba, fiquei com o rosto golpeado, tudo, porque o dito explodiu, transformou-se em areia, finíssima, como a tua pele doirada depois de bronzeada pelos dóceis dedos pertencentes à minha mão,
Que parvalhão acreditaria na possibilidade de fazer um aquário do ecrã de um velho televisor?
Eu, sento-me nesta cadeira de gente, vejo-te entre a roldana do tempo e a corda das cinzentas nuvens de fim de tarde, oiço-te do outro lado da rua, das casas rasteiras, vozes, rádios vomitando músicas, e músicas inventando imagens na minha ainda cabeça de criança. Cerro os olhos, entro num longo túnel com muitas cadeiras iguais às que hoje me sento, cadeiras de gente, só, eu, pego nas palavras e levo-as comigo, sozinho, dentro do túnel com uma das mãos enfiada na algibeira, porque perder as sementes de palavras, certamente, o meu fim, assim, ainda me resta a esperança de sobreviver às magoadas paixões de silício, semicondutores, dentro de mim, aumentam-nos a velocidade, a aceleração multiplicada pela minha massa, sinto-me sentado, mas realmente há muito que não durmo, não como, apenas existo para guardar a algibeira das palavras, e consigo ver a força expressa no espelho
(Nunca duvidei que F=m * a)
E é tão feia, velha, serão assim no futuro as minhas árvores onde acabaram de nascer este belos pássaros?
Oiço-os, existe um melódico som como quando, às vezes, oiço pela trigésima sétima vez elevada ao cubo, o projecto Wordsong (AL Berto), e eu, sempre dentro do túnel, e eu, sempre de mão na algibeira, posso perder tudo do pouco que me resta, mas perder estas poucas sementes de palavras, minhas, inventadas para ti,
E pergunto-me?
Falo em ti e nem sei quem porra tu és...
És homem? És mulher? És pássaro, vento, madrugada, esplanada, beijo, púbis, coxas? Não... possivelmente não és nada,
E pergunto-me?
Falo em ti e nem sei quem porra tu és...
Sento-me nesta cadeira, de gente, só, embriagado pelo silêncio dos Deuses adormecidos, pego na mão, abro-a, começo, vagarosamente a semear as poucas palavras que me restaram sobre a fértil secretária de madeira, oiço o soluçar do teu corpo, e sinto-te, tu, do outro lado da rua, as casas rasteiras, tu, brincas com uma roldana, és a responsável pelo andamentos dos relógios de pulso, ou daqueles como o meu, suspenso na parede da sala, e de quinze em quinze minutos...
Horrível, o horror de saber que existes, do outro lado da rua, as casas rasteiras, e não sei quem és, como o serás nua, se és homem, se és mulher, se és pássaro, vómito, canção, poema, desenho ou apenas alguém a brincar numa roldana,
Sento-me nesta cadeira de gente, só, pego nas palavras e semeio-as sobre uma fina toalha de linho, sentado, percebo que sou um ignorante diplomado, sinto que lá fora, no meu jardim, há pássaros novos, vê-se pela penugem, parecem ainda bebés, depreendo que nasceram aqui, e aqui vão crescer, até se fazerem homens, mulheres, e zás... desamarrarem-se do cais seus pais e nunca mais regressarão, ou talvez um dia, quem sabe... regresses para olhares pela primeira vez a minha sementeira de palavras.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Penúria montanha

foto: A&M ART and Photos

Fui ver o oceano mar
que o inverno coração tece nas montanhas da paixão
levitei sobre as rochas cansadas de uma madrugada doente
e demente flor em procissão no corpo teu das estrelas com sabor a chocolate
fui ver... e permaneci em tempos têmporas adormecidas dos cascos violentos...
tempestades e tormentos e nas mãos tuas as delinquentes barcaças dos tecidos velas,

Será do teu corpo que acorda a fome em palavras dispersas e vãs
que das teias de aranha silêncios meus porque tenho lábios de areia
e boca de caverna sem esconderijo ou amor ou amar dos versos embriagados
fui e desejo não regressar às antigas ruas dos candeeiros dispersos
como as minhas folhas transparentes de pergaminho voando sobre plátanos
e corpos nus brincando numa praia imaginária,

Há beijos vendidos por duas ou apenas três perversas rimas
beijos cansaços como velhos farrapos de barcos aços
guindastes e seios de xisto embalsamado que suspendem-se nos socalcos da loucura
grito e rio sorrisos que o Douro entranha
teu ventre uma penúria montanha
cabisbaixo o púbis fingindo ventos que me levam às cidades de granito...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha