sábado, 7 de abril de 2012

Parker 51 “SPECIAL” & Esterbrook



O esboço da maré

Este barco sem rumo
Nas águas cansadas onde dormem as rosas vermelhas
Este barco sem rumo de âncora aguçada
Entre as nuvens e a lua atormentada
O poeta faz um esboço na maré
Com o carvão inventado das lágrimas da noite
O poeta é um parvalhão
Dentro do barco sem rumo
À procura das sandálias da infância
Teso sempre teso como o fio-de-prumo
Que liga a janela da noite à janela do dia
E o corpo do poeta
Nada mais de que as palavras em revolta
Nada mais
Poeta parvalhão
Sempre teso
Sempre sem tostão
Poeta de merda.

Há de acordar o dia

Há de acordar o dia
Nos pergaminhos do teu corpo invisível
Há de evaporar-se a noite no centro do mar
Há de fugir de mim a solidão
E a tristeza
Há de regressar
A vontade de amar
De ler
Escrever
Há de acordar o dia
E todas as janelas descerradas
E todas as luzes felizes na tua mão

Há de crescer algas nos teus lábios
E desejos na tua boca
Há de nascer um livro
Nos teus seios de cristal

Há de acordar o dia
Que serei livre de gritar que te amo

(Há de crescer algas nos teus lábios
E desejos na tua boca
Há de nascer um livro
Nos teus seios de cristal)

E não me importo que me chamem de louco
Porque quando acordar o dia
(há de acordar o dia)
Quando acordar o dia…
Gritarei que te amo.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

O coveiro de Portugal

Enterra os vivos
E os mortos
E os que vão nascer
Tira aos pobres
Para dar aos ricos
Tira aos menos ricos para dar aos mais ricos
“Estás lixado Pá”
Nós é que estamos lixados Pá
Ficará na história como “O Coveiro de Portugal…”, Francisco Luís Fontinha 06/04/12


Os pássaros desassossegados

É tudo tão estranho Mãe,
As árvores parecem acorrentadas às tardes de outono, os pássaros desassossegados enlouquecem e começam à cabeçada aos desempregados, à cabeçada aos ciganos e aos pretos e aos estrangeiros, Tão triste Mãe,
Como se estes fossem os problemas deste país, como se quatro feriados fossem o problema deste país, Mãe,
E este país parece a “a conjetura de hodge” às cabeçadas à maré quando se levanta a fome e percorre todos os compartimentos do palheiro, insiro a moeda na ranhura, um fio de sémen vai à china, entra no servidor
- Tem saldo pode dar à luz,
Entra no servidor e após um pedacinho de espera, e , e ilumina-se todo o palheiro, Fantástico Mãe,
Ainda bem que já partiste Mãe, ainda bem,
- Porque garanto-te que aqui é mil vezes pior do que o sítio onde estás, mil vezes pior, olha… muito pior de que quando caíram todas as nuvens sobre o nosso quintal em luanda, e muito pior de que a nossa chegada a lisboa e ainda havia tejo, “Vende-se Rio no centro de lisboa”,
Foda-se Vão vender o rio…
- Eles vão vender as gaivotas Mãe, inserias a moeda de vinte e cinco escudos na ranhura e do outro lado uma gaja nua dançava feita louca, Que saudades Mãe Que saudades to tempo em que ainda existiam moedas na algibeira,
Não sejas Parvalhão Meu Filho vão agora vender as gaivotas!,
- As gaivotas voam não é Mãe?, E que sim Que as gaivotas voavam sobre o rio e que o pôr-do-sol era tão lindo,
Tão lindo Mãe o pôr-do-sol visto junto ao tejo, insiro a moeda na ranhura, um fio de sémen vai à china, entra no servidor Vendido ao senhor de olhos em bico, como se os problemas deste país fossem os pássaros desassossegados enlouquecidos à cabeçada aos desempregados, à cabeçada aos ciganos e aos pretos e aos estrangeiros, Tão triste Mãe,
- Deus só fez os brancos Mãe?,
Vende-se Rio no Centro de lisboa.

(texto de ficção não revisto)

Conseguirás encontrá-lo?

Saboreias o cansaço das palavras
E procuras deus nas sílabas da manhã…
Conseguirás encontrá-lo?

Saboreias a vida em pedacinhos de nada
Com o medo na algibeira
Que da noite venha até ti a escuridão,

Conseguirás encontrá-lo?

Objetos insufláveis

Ontem li um artigo no Sapo Angola (http://noticias.sapo.ao/info/artigo/1234094.html) que a transportadora aérea Ryanair pretende que as assistentes de bordo percam peso para poupar dinheiro, o tamanho das revistas será diminuído e vai usar menos gelo nas bebidas que serve.
Menos peso menor custo em combustível.
E tudo isto é absurdo, porque põe em causa os direitos fundamentais do ser humano, e neste caso estão em causa os direitos da mulher apenas porque um louco acordou de manhã e chegou à conclusão que se elas perderem peso os custos em combustível diminuem. Só um louco pode chegar a esta conclusão.
Reduzir custos começa pelos salários dos administradores, será um excelente começo.
Não tenho condições económicas para viajar, muito menos de avião, mas depois do que acabei de ler, nesta companhia NUNCA.
As mulheres não são objetos insufláveis…

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Certeza

De uma coisa eu tenho a certeza
(sem subsídio de desemprego e recusado
o rendimento social de inserção)
O enterro eles vão ter de pagar
Não preciso de um belo caixão
Nem flores de realeza
Nem tão pouco purpurinas a bailar
Mas tenho a certeza
Que o meu enterro eles vão ter de pagar

Do not cover


E eu cobri-o com o linho lençol das páginas de um livro, retirei todas as palavras e semeei-as nas entranhas da terra, chovia agrestemente nas mãos esbranquiçadas da fome que alimentavam a madrugada, e eu cobri-o
- De que me servem os livros, de que me serve o dia e a noite e os círculos suspensos no infinito da geometria desvairada dos olhos, de que me serve a janela virada para o mar se eu, se eu não consigo ultrapassar a janela e abraçar o mar,
E eu cobri-o com o linho lençol das páginas de um livro, ele desarrumado na tempestade longínqua da cidade, perdido dentro da montanha antes de nascer o sol, De que me servem os livros, o dia e a noite, a trigonometria em paixões avassaladoras nas flores da primavera e uma mulher tropeça numa pétala, Tão lindas as rosas, e os crisântemos tão lindos nos cravos de abril e de todos os meses do ano,
- Vendem-se corpos em fatias de pão, ouvem-se nas claraboias do silêncio os gemidos de um menino deixado estacionado num vão de escada, ele chora e procura o cão de infância,
Qual infância Pergunto-lhe antes de lhe poisar a mão sobre o linho lençol das páginas de um livro, A infância que se transformou em noite?, e tudo, Tudo estórias que ouvi da boca de um louco,
Do not cover, sabendo eu que a janela que me separa do dia nunca mais se abrirá, como as rosas depois de morrerem, ou, ou como a lua nas mãos da Cinderela, Qual infância questionava-se a boca do louco entre as grades imaginárias da enfermaria, e hoje tenho um medicamento novo e adormeço suavemente como as garças pintadas na paisagem, as grades de aço travestem os meus olhos verdes de papel de embrulho, um cachucho saltita no avental do rapazinho sem sonhos, e sei que na algibeira esconde religiosamente um cordel e um pião de madeira, e sobre o soalho transporta os pesadíssimos socos,
- É fodido ser pobre e não ter sonhos…,
Mais fodio é morrer antes de nascer Da boca do louco as palavras que semeei nas entranhas da terra, e hoje crescem poemas mortos, esqueletos sem sílabas, ruas sem saída, miséria, fome, alegria…
Somos todos felizes neste país!!!!!
- É fodido ser pobre e não ter sonhos…,
Quando o linho lençol de um livro desaparece na neblina da insónia, quando os olhos do rapazinho e os lábios do menino são sequestrados pela maré, quando todo o mar finge não ser mar, e a terra engole todas as palavras e todos os sonhos…
(que louco vai cobrir um radiador a óleo?)

(texto de ficção não revisto)

Caixinha de surpresas

Gosto muito de ti Como posso fazer um like no teu corpo? Todos os dias uma supressa todos os dias uma novidade, hoje, hoje que a partir de amanhã e até 2014 estão proibidas as reformas antecipadas no regime da segurança social,
Qualquer dia quando acordarmos temos um caixão na caxa do correio e uma injeção letal,
Todos os dias farto…

O povo enlouquece

Gostava de saber
Minha senhora amada
Porquê viver
Esta vida desalinhada
Porquê sofrer
Minha senhora amada
Gostava de saber
Se a vida é esta merda cansada

Um governo que manda
Um povo miserável que obedece
Gostava de saber
Minha senhora amada
Porque estão as algibeiras em chama
E o povo pá E o povo enlouquece.

Artista de circo

Sou um menino mal comportado
Sem algibeira
E desempregado,

Sou um artista de circo de feira em feira
Umas vezes contente
Outras vezes magoado,

Sou um gajo cansado
Cansado de ver gente
Sou em menino mal comportado
E desempregado
Que de feira em feira
Vive alegremente.

Nuvens de porcelana

Hoje aprendi o que significa pompoar e em que consiste o pompoarismo, na ponta dos dedinhos finíssimas gotas de orvalho despedem-se da maré, lá fora, dentro de ti um silêncio no corredor da morte, vejo no teu peito a ingrime manhã ensanguentada de desejo,
- “Contrair e relaxar os músculos ao redor da vagina Explica a doutora…”,
O desejo enlouquece a Marilú que sentada numa cadeira segue religiosamente os cinco passos, exercícios simples que qualquer mão percebe quando toda a noite vive no infinito mausoléu da miséria, um corpo embalsamado sorri quando passo descalço em direção ao rio,
- “Contrair e relaxar os músculos ao redor…”, ao redor da madrugada quando procuras debaixo da cama os ossos que sobejaram da minha partida, hoje aprendi que a lua masturba-se em frente ao espelho do sol, hoje, hoje uns dizem que os subsídios de férias e de natal são histórias do passado, outros, outros que não, e enquanto a lua finge orgasmos de cristal, o povo fodido, o povo fodido…
As ratazanas que durante a noite deambulavam pelas casernas infestadas de fumo de haxixe, ao pequeno-almoço um copo de lata recheado de vodka e erva dos jardins de Belém, e o corpo em fio-de-prumo na formatura das oito horas tombava como as árvores no outono quando se despedem dos filhos,
- “Com o Ben-wa (bolinhas) ”,
Que coisa mais estranha minha filha Pijama com Bolinhas encarnadas, nuvens de porcelana e mendigos a exercitarem o pompoarismo, E o que diria o teu pai de tudo isto? Que sou feliz mãe, muito feliz…
Desisto Não nasci para pompoar nem para o pompoarismo,
STOP.

(texto não revisto)

Menino sem tino

Desejo-me de barco em barco
De rocha em rocha
Desejo-me sobre a copa de uma árvore
Onde me prende uma mesa de madeira
Sobre a mesa de madeira caldo de cebola
E trigo de Favaios
Desejo-me dentro do Porto
Vinho que dá vida
Que do porto nada tem
E no douro cresce nas mãos calejadas de homens e mulheres
De rocha em rocha
De barco em barco
Desejo-me quando me aprisiona o espelho da vida
E dispo-me sobre a mesa de um bar
(já o fiz
E voltarei a fazê-lo)
Alguns de vós dizem
Coitadinho do louco
Que fumou de tudo um pouco
Coitadinho
Desempregado
Desamado
Desgraçadinho
Desejo-me sobre a copa de uma árvore
De rocha em rocha
De calhau em calhau
Desço até ao pavimento as calças esmiuçadas
Que dançam sobre a mesa de um bar
Sem lareira sem literatura
Apenas um bar com muitas gajas
E um copo de silêncio sobre o balcão
Coitadinho
Do menino
Sem tino.

Vida chata

Vida chata
A da miúda que engata
E não percebe que no fundo da lata
Vive uma gata
Sem pata
Vida chata
A da miúda que engata
Fumando o cigarro que mata

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Blog Cachimbo de Água em destaque


(http://cachimbodeagua.blogs.sapo.ao/)

Oceano sem braços

Há um oceano sem braços
No meu corpo emagrecido
Há um pôr-do-sol em cansaços
Nos olhos de um barco perdido,

Há um tempo sem gente
E uma biblioteca sem poesia
Há um oceano que mente
E vive na fantasia,

Há um oceano sem braços
No meu corpo emagrecido
Há um homem que procura abraços
Há um homem que vive esquecido.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Os homens e as palavras

Gerberas crescem dentro da cabeça do inferno, (e se a vida chegou à terra através de um cometa Pergunto-me E deus? Veio juntamente com o cometa ou algures no infinito a assistir ao nascimento…)
- Como se vê se as flores são frescas? E ao que parece… pela guelra, a vinte e cinco mil quilómetros por hora, a terra bombardeada por cometas e asteroides, e deus, e deus a assistir ao complexo infinito de luzes e cores,
E se deus tivesse proibido os cometas de bombardearem a terra? E se deus se embrulhasse em gerberas e adormecesse eternamente até se cansar,
Gerberas crescem dentro da cabeça do inferno
- E segundo os especialistas da NASA a vida na terra começou após o último grande bombardeamento por cometas e asteroides, há cerca de três mil e oitocentos milhões de anos,
E deus, e deus sentado à esquerda do filho, a olhar as gerberas dentro da cabeça do inferno,
- Como se vê se as flores são frescas?
Abre-se a janela do inferno e as gerberas erguem-se até ao céu, poisam nos lábios das estrelas e adormecem no estômago da insónia, faz-se noite em ti e do teu corpo as sílabas de silêncio abraçadas ao pindérico cortinado da madrugada, e ainda não tinha nascido o mar, e os barcos voavam de montanha em montanha, de penhasco em penhasco, de seio em seio,
- As gerberas
Sem coração e sem paixão e sem amor,
- As gerberas dentro da cabeça do inferno até que o dia finja ser noite em ti, hoje de seio em seio o pindérico cortinado da madrugada balança nas suaves mãos de silício do teu corpo, o mel arrefece o sabor da tua boca quando as algas vindas do universo comem o teu desejo entre três triângulos equiláteros, Pitágoras escreve no extenso lençol de seda e o outro segredava que um ângulo reto ferve a noventa graus,
(o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos)
Que têm as gerberas? Dentro da cabeça do inferno todas as palavras, dentro da cabeça do inferno todos os desejos e todos os pindéricos cortinados da madrugada,
- As gerberas em pedacinhos de nuvem antes de alguém encerrar a janela e o mar acaba de nascer, e os barcos deixam de voar e começam em mergulhos silenciosos a galgar as águas do teu oceano púbis,
Acorda o dia, nascem os homens e as palavras
- Inventam o fogo e todos os livros de Gogol ardem na fogueira (maldita inquisição), e as palavras derretem-se no cacimbo da manhã,
E as palavras incomodam muita gente.

(texto de ficção não revisto)

Relógio dos sonhos

Desesperadamente só
Dentro de um copo invisível
À procura da tempestade
Esperando pela chegada da noite

Desesperadamente só
O relógio dos sonhos
No pulso emagrecido da manhã
Antes do almoço

(Desesperadamente só
Dentro de um copo invisível)

A vida recheada de amêndoas

segunda-feira, 2 de abril de 2012

A esplanada das horas

A purpurina manhã desce sobre a cidade melancólica, erguem-se as árvores e os pássaros e sentados na esplanada das horas, uma miúda gira, e sentados na esplanada das horas rompem entre candeeiros e luzes domesticadas as sandálias da infância, assobiam os calções à penumbra sombra que há em ti,
- Uma miúda gira solta a cabeça e desenha um beijo nas nuvens, E deixou-me adormecido até hoje, distante até hoje, olhas as mesas e as cadeiras sobre o pavimento alcatifado quando os dias se evaporam nas entranhas das tuas mãos, e depois, e depois sou apenas uma pomba desvairada à procura da primavera,
Já fui barco, já fui um edifício em ruinas, e a miúda gira, e já fui sombra com asas na ardósia da tarde, e a miúda gira semeia sorrisos no espelho da alma, e já dancei sobre uma mesa estacionada num bar sem nome sem gente sem palavras, e quando acordei estava nos braços da insónia, flutuava nos ais e uis da ponte que liga as duas margens, acordava com vómitos e vinha até mim o cheiro do mar,
- E depois vi esvaecer-se a porta, a janela, a parede, e depois à procura da primavera a pomba desvairada, visto-me de finíssimos fios de vidro e oiço da tua boca que me amas enquanto sobes as escadas até à montanha, sou feliz assim dizias-me tu quando poisavas a cabeça sobre o meu peito, e sempre soube que não eras feliz, sempre soube que te escondias das mangueiras e dos papagaios de papel, esqueci as sandálias da infância, e hoje vivo dentro da chuva,
(sou feliz assim dizia-me ele)
E não era.

(texto de ficção não revisto)

Visitante anónimo




Há pouco tempo publiquei um post dedicado a um visitante anónimo que ultimamente passa muito tempo no meu blog.
Segundo o Sitemeter a localização é em Mountain View, Califórnia, USA. Na altura não dei importância, mas hoje por curiosidade fui ao Google Earth e segundo a latitude e longitude, verifico que se trata de um parque de estacionamento, que junto existe possivelmente um aeroporto, edifícios da NASA… museu do computador.
Ao visitante anónimo ou anónima agradeço o interesse no meu blog e se forem Serviços Secretos, ou CIA, ou outra coisa qualquer, sou pacífico.

Francisco Luís Fontinha

Olhos tristes

Milimetricamente infinito
Todo o silêncio da manhã
Milimetricamente…
Longínqua a saudade que poisa nos meus olhos tristes
Que poisa sobre os meus ombros cansados
Milimetricamente infinito
Todo o amor que há em mim

domingo, 1 de abril de 2012

O perfume da maré

O meu rosto impresso no espelho da alvorada, lá fora o rosnar dos carros embebidos no perfume da maré que me olham e querem levar-me para longe, abros as asas e em pequeníssimas bicadas no mar oiço dos teus olhos os fios de luz do desejo,
A gravidade puxa-me até ao centro da terra, e os teus lábios começam a desaparecer nas migalhas do pôr-do-sol, e a criança que há em ti atravessa o arame debaixo da tenda que encobre a vida, equilibras-te ao som de Wordsong (AL Berto) e todas os espetadores mergulham no teu corpo,
- Desejo-te quando acorda o dia
Abro as asas e sacudo a areia molhada que há em mim, olho-te em passinhos de algodão sobre o arame da manhã, o meu rosto impresso no espelho da alvorada, lá fora o rosnar dos carros embebidos no perfume da maré que me olham, e debaixo de ti lágrimas de suor voam em direção a deus,
- E quando termina o dia espero-te junto à janela onde entras todas as noites, e quando termina o dia desejo-te como desejo sair desta ilha naufragada, desejo-te como desejo voar até chegar ao sol, e sem nunca olhar para trás, e sem nunca olhar para trás abraçar-te no infinito,
Eis as palavras do meu corpo quando o sangue coagula nas frestas da infância, e barcos prisioneiros no rio procuram lagostins e pastéis de bacalhau, o sangue transforma-se em vodka e brota nas prateleiras da biblioteca, todos os livros embriagados, e oiço as vozes de cada poema, e oiço o abrir da janela e dizem-me
- Hoje ela não vem,
E dizem-me que os relógios dormem nos lençóis das tuas mãos como quando acordo e percebo que estou vivo e que tu
- Hoje Desejo-te quando acorda o dia,
E percebo que estou vivo e que tu caminhas sobre o arame debaixo da tenda que encobre a vida, línguas de fogo entre fatias de pão, e todo o mel derrete-se na tua boca, e todo o mel derrete-se no meu desejo,
E todo o mel
- Abraça-me Francisco,
E todo o mel nas portadas da manhã, entre fatias de pão e sumo de laranja…

(texto de ficção)

Eternamente dia

Há de acordar do silêncio da noite
A estrela polar dos teus olhos
E eu
E eu que sou um veleiro
Guiar-me-ei até aos teus braços
Meu porto de abrigo

Há de acordar do silêncio da noite
O fervor dos teus lábios
Quando a tua boca em desejo
Se alimenta do meu cansaço

Quando a tua boca em desejo
Mergulha nas minhas mãos
E olho-te à beira mar
Em brincadeiras com o vento
Há de acordar do silêncio da noite
Uma casa sem portas e sem janelas

E será eternamente dia.