sábado, 24 de março de 2012

Os lábios da lua

(Às árvores tombadas sobre a finíssima poeira da noite)

Abraças-me
Abraças-me como se eu fosse um fio de luz
Suspenso nas madrugadas de insónia
Quando todos…
Quando todos os livros dormem nos lábios da lua
E a cidade se extingue junto ao cais

(Queria ser um livro de poesia
Ou simplesmente um fio de luz
Também gostava de ser uma janela com vista para o mar…)

Abraças-me
Abraças-me na canseira da noite
Dentro dos bibelôs poisados sobre a sombra do teu sorriso
E vejo a cidade
Que lentamente se alimenta da minha solidão
E o meu corpo transforma-se em rosas
E embrulhado em beijos
Começo a descer até ao estômago da cidade

(Queria ser um livro de poesia
Ou simplesmente um fio de luz
Também gostava de ser uma janela com vista para o mar…)

Abraças-me
Abraças-me como se eu fosse um fio de luz
No deleite dos teus seios
Que brincam nas mãos da cidade

Abraças-me.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Gisela

Gisela,
- Os teus olhos
Perguntas-me o que têm os meus olhos e nada, absolutamente nada, os meus olhos são cristais de silício suspensos nas árvores do jardim junto ao mar,
- São palavras que adormecem a minha mão quando acaricio a velha máquina de escrever, eu, eu infinitamente cansado depois da tarde se evaporar entre os algarismos dos ponteiros do relógio, e sim, os teus olhos são palavras,
Ai palavras, se os meus olhos fossem palavras
- Sim Palavras, botões de rosa, um alfabeto recheado de sílabas e vogais e sonhos desfeitos sobre o rio imaginário que circunda o alpendre da noite, e eu sinto o perfume do teu cabelo junto à ombreira da velhíssima porta de madeira, entras e poisas as tuas mãos no silêncio do meu quarto, olho-te e recordas-me as tardes quando eu corria com um papagaio de papel e chorava, e chorava quando ele se prendia na mangueira e ficava com a solidão do cordel na mão,
Eu era feliz, se os meus olhos fossem palavras eu era feliz,
- Mas os teus olhos são palavras Gisela, botões de rosa, um alfabeto recheado de sílabas e vogais e sonhos desfeitos sobre o rio imaginário que circunda o alpendre da noite, e da velhinha máquina de escrever alguns pingos de saliva sobejam dos lábios, as teclas semeadas de reumático, e oiço a voz que atravessa a janela Para a tensão arterial Reumático Próstata Fígado e vesicula e Ulceras, e raio, e raio porque daqui a uns dias vou precisar dessa porcaria toda, mas os teus olhos são palavras
Sabes Tenho medo da tua voz,
- Porquê Gisela?,
Não sei Mas cada vez que oiço a tua voz fico a tremer, não sei…
- Tens medo de mim Gisela?,
Não Não tenho medo de ti, e nunca tive medo de ti, mas a tua voz
- Que tem a minha voz,
A tua voz parece as arcadas do medo quando os cristais de silício estão suspensos nas árvores do jardim junto ao mar, é assim a tua voz,
- Palavras Gisela, Palavras,
E via o rio na algibeira de um parvalhão a fumar cigarros travestidos de haxixe,
- Tens medo de mim Gisela?,
O meu nome é Gisela e sou uma personagem inventada pelo parvalhão que escreve este texto…

(texto de ficção)

Manhã de primavera

Andas distraída
Ausente
Manhã de primavera

Abro a janela
E uma flor doente
Dobra-se sobre o chão cansado

quinta-feira, 22 de março de 2012

As algemas da noite

Saberei escrever
Depois de morrer,
Pergunto-me,

De que me servem as palavras
E as árvores sonâmbulas
E as janelas para o mar,
De que me servem os barcos
E as algemas da noite,
Pergunto-me
Se saberei escrever
Depois de morrer,

E quando morrer,
Quem…
E depois de morrer quem se lembrará de mim,
Pergunto-me
Se saberei escrever
Depois de morrer,

E as árvores sonâmbulas
E as janelas para o mar
E os barcos,
Pergunto-me
Que fazem na minha mão antes de adormecer…

quarta-feira, 21 de março de 2012

Sobre mim

Sobre mim
Uma finíssima pétala de melancolia
Os uivos do sono
Dentro do espelho da noite
Sinto o poema poisar na garganta da insónia
E escreve-se nas paredes de vidro que alimentam
O hipercubo da madrugada
Sobre mim
O teu desejo vestido de cetim com pérolas doiradas ao pescoço
E à janela a arara da tarde
Em pedacinhos de nada
Oiço o teu desejo que brota do livro de poesia
E em cada instante infinitamente azul
Os teus olhos à mercê de uma rua perdida na cidade
E sei que o rio dorme debaixo da minha cama
E o mar
E o mar está guardado na algibeira da tua saia de ganga
E sobre mim
Uma finíssima pétala de melancolia
Os uivos do sono

Que me trazem as tuas mãos

Esferográfica desgovernada

Milimetricamente embrulhado nos cortinados do amanhecer
Sinto as planícies invisíveis na minha mão
Que tremulamente servem de prisão a uma misera esferográfica
Desgovernada
Cansada
Desiludida com as palavras que crescem na janela da solidão

Oiço vagarosamente o vento
Sentado nas ruas imaginárias do meu corpo
Toda a cidade arde
E todas as flores dormem

Milimetricamente embrulhado nos cortinados do amanhecer
Sinto as planícies invisíveis na minha mão
Que tremulamente servem de prisão a uma misera esferográfica
Antes de adormecer

terça-feira, 20 de março de 2012

Ao cair da noite

Hesito antes de poisar a mão na madrugada
Finjo caminhar sobre um rio invisível
Suspenso nos sonhos do mar
Deito-me sobre a maré imaginária e inconstante
Que transpira de um livro de poemas amordaçado
Onde o meu corpo se esconde ao cair da noite

segunda-feira, 19 de março de 2012

Palavras antes de adormecer

Pergunto-me
Se o amor faz sentido,

E quando abro a janela
Oiço a resposta pregada nas árvores do jardim
(olho pacientemente o espelho da manhã)
E na cinza do meu cigarro
Percebo que o amor é uma treta
Como são todas as ruas da cidade
Todos os rios
E todas as montanhas
E as palavras que escrevo antes de adormecer…

domingo, 18 de março de 2012

Equação diferencial

Há uma equação diferencial
Suspensa no pêndulo do amor
Há um homem emagrecido nos lábios do rio
Cansado
Com frio
Há uma noite mergulhada nos murmúrios do meu quintal
Em silêncio apressado
Sem destino
Sem cor
Há um menino
Nos murmúrios do meu quintal
Suspensa no pêndulo do amor
A flor
Que olha estupidamente a equação diferencial