sábado, 11 de fevereiro de 2012

Crucifixo


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Cabeça de xisto

A mulher flutua
Nas mãos do impostor
E o homem com cabeça de xisto
Traz na algibeira meia dúzia de côdeas
Três os quatro grãos de tristeza
E uma lanterna

A mulher nua
Nas mãos do impostor
Percorre as ruas da cidade
E a cada milímetro de cansaço
O homem com cabeça de xisto
Puxa dos cigarros
E na parede da solidão cola as frases emersas em fumo
E saliva do mar

Desce a noite
E abraça-se ao corpo nu da mulher
E da lanterna
Pingos de seiva caiem sobre a mesa da cozinha
Onde brinca uma toalha de linho
E pratos de flanela suspiram orgasmos literários…

A mulher flutua
Nas mãos do impostor
E o homem com cabeça de xisto

Morre.

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Entre paredes de vidro

Entre o silêncio e a morte
De viver sentado numa rocha de xisto
À espera do mar
Sem saber se existo
Entre o silêncio e a morte
Dos cigarros afogados no rio
Entre paredes de vidro
Resisto
E choro
Quando na madrugada se extinguem os sonhos
E uma nuvem de cansaço
Poisa sobre o meu corpo derretido
Magoado
Entre cigarros e palavras de desalento
As paredes de vidro
Os buracos por onde passam as lágrimas
Os fios de sémen agachados na areia finíssima do Mussulo
Sem vento
Cansado
Eu mergulho
À procura dos cigarros afogados no rio
Sem frio
Derretido na palma da mão de deus
Magoado
E choro
Entre paredes de vidro

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Conversas de cachimbo

Há um cachimbo que chora
Há silêncio misturado no fumo
Do cachimbo que chora,

Batem à porta
E sei que é o mar para entrar
E o cachimbo que chora
Nas minhas mãos a chorar,

Há um homem só
Que conversa com o cachimbo que chora
Com o mar à espera para entrar
Há silêncio misturado no fumo
Quando as palavras desgovernadas
Rompem noite dentro
Como se fossem um cortinado pendurado na garganta do cachimbo…
Sem janela
Envelhece o homem só,

Há um cachimbo que chora
Há silêncio misturado no fumo
Do cachimbo que chora,

E tal como os sonhos
Como o amor
Há silêncio misturado no fumo
Do cachimbo que chora e tem dor,

Sou o homem só
Que conversa com o cachimbo que chora,

E o mar à minha espera
E a espuma do mar dentro da boca do cachimbo…
Há um homem que chora
Agarrado a um cachimbo só
Há silêncio misturado no fumo
E sei que é o mar para entrar.

Noites de Insónia


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

A solidão dos cigarros

Abraço-me à solidão dos cigarros
E dou-me conta das mangueiras
Poisadas nos meus braços
Cansados
Sem forças para acender a noite
Sem forças para folhear um livro de poemas

(conheço a solidão provocada
Sei que existe a solidão desejada
E cresce em mim a solidão
Nem provocada nem desejada
Cresce em mim a solidão dos cigarros)

Sem forças para folhear um livro de poemas
E dou-me conta das mangueiras
Tombadas no pavimento com cheiro a cacimbo
E sorrisos de criança

Abraço-me à solidão dos cigarros
E dou-me conta das mangueiras
Poisadas nos meus braços

E dou-me conta que não tenho braços
E que os livros de poemas arderam
Na sombra das mangueiras
E jazem na garganta do mar

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Bem pago Mal pago

Tem razão sua excelência o senhor primeiro ministro de Portugal, concordo que seja mal pago.
Bem pago sou eu, desempregado e sem subsídio de desemprego a viver da misera reforma dos meus pais, e quase a passar fome.
Eu sim, Eu sou muito bem pago.

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

84,1 x 59,4 – Francisco Luís Fontinha

Manhãs de sofrer

Todas as portas se encerram
E todas as janelas fingem adormecer
Todas as paredes encolhem
Nas manhãs de sofrer,

Em todas as noites um livro se revolta
Quando olha o espelho de ontem e um travestido
Esqueleto brinca com um papagaio de papel
(Todas as portas se enceram
E todas as janelas fingem adormecer)
E à minha volta
Um poema sofrido
Em gemidos de mel…

Auto Retrato


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Os gemidos da Marilú

Cansei-me de ser enrabado e nem um Ai me é permitido prenunciar, e que saudades da Marilú que das águas furtadas da Ajuda escrevia orgasmos no sorriso de petroleiros e cacilheiros e ainda tinha tempo de poisar a mão sobre os carris em direção a cascais,
- É para hoje oh Filho?
Cansado de ser enrabado e nem sequer um pequenino Ai de prazer posso prenunciar, não posso porque ainda aparece alguém a apelidar-me de Piegas, Lamechas ou de Coitadinho, e coitadinho nunca fui, e de Piegas só conheço os gemidos da Marilú dançando nas águas furtadas
- E claro que é para hoje Porque se não fosse para hoje não estava aqui,
Sobre a mesa-de-cabeceira, e do espelho, e do espelho as palavras que no final do dia, mesmo entre o fim de tarde e princípio da noite, começavam a acordar nas minhas mãos enquanto em Cais de Sodré um homem triste e cansado e desiludido, Piegas não, e desiludido segurava uma garrafa de vodka e pegava nas palavras, e pegava nas palavras como se fossem grãos de pólen, Coca? Qual Coca sua parvalhona, Pólen simplesmente Pólen, e em silêncios de nada semeava-as nos lábios dela,
- Da garrafa de Vodka?
Quem falou em garrafa de vodka? Uma pessoa descuida-se um pouco e vocês logo em parvoíces, só bastou cruzar os dedos, só bastou olhar para a janela porque o mar estava a chamar-me, e pimba, Piegas,
- Há cada Canhão!!!! Uma garrafa de vodka com lábios… e já agora os orgasmos da Marilú tinham asas, e já agora vou ter de emigrar, e já agora
Engraçado, se não tivessem asas como chegavam aos petroleiros, se não tivessem asas como chegavam aos cacilheiros, e se não tivessem asas como poisavam os orgasmo a mão nos carris para cascais,
Claro que tinham asas, e já agora que estamos a falar de asas, sabes uma Coisa? Não não sei, O que é ser Piegas?
- Não sei Mas deve ser alguém muito importante, Porque se não fosse importante não falavam nele,
Nele ou nela?
Pólen simplesmente Pólen, e em silêncios de nada semeava-as nos lábios dela,
- Da garrafa de Vodka?
Cansei-me de ser enrabado e nem um Ai me é permitido prenunciar, alguém a apelidar-me de Piegas, Lamechas ou de Coitadinho, e coitadinho nunca fui, e de Piegas só conheço os gemidos da Marilú dançando nas águas furtadas, e dançava e dançava e dançava…

(texto de ficção)

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Pergunto-me

Quando o mar cessar nas paredes do meu quarto estarei eu morto? Pergunto-me antes de adormecer,
Pergunto-me se deus é feliz sentado numa cadeira e me olha, pergunto-me se o mar deixar de me visitar
- O que será de mim? Pergunta-se ele antes de adormecer,
Sentado numa cadeira e me olha e sorri, e eu, e eu pergunto-me antes de adormecer
- Quando o mar cessar nas paredes do meu quarto estarei eu morto?
E sorri quando me olha,
Pergunto-me e canso-me de lhe perguntar.

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Ossos


84,4 x 59,4 – Francisco Luís Fontinha


Duzentos e seis ossos
Desgovernados
Esfomeados
Cansados

Duzentos e seis ossos
Desiludidos
Esmigalhados
Fodidos…

Duzentos e seis ossos
Presos a um cordel
Nos céus de Luanda
Ossos e ossos e ossos

Poeira misturada com mel
E eu pergunto-me Afinal quem manda?
Duzentos e seis ossos e ossos e ossos
Sentados à varanda

E eu vendo os meus ossos
(observações)
Vendo os meus ossos a pronto pagamento
E não aceito euros
Nem cheques (Só Dólares)
Vendo os meus duzentos e seis ossos
E ainda ganham de prémio um jumento…

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Vida em comum

Oito anos meu deus, dois mil novecentos e vinte dias de vida em comum, dia e noite, quantas lágrimas derramei nas suas mãos, e quantos suspiros, meu deus, oito anos, e quando eu precisava ele ouvia-me, e quando ele vinha com as suas birrinhas, eu, eu pacientemente escutava-o e acariciava-o como se fosse uma criança, e guardava todos os meus segredos,
E hoje e hoje descubro que ele é um impostor e um falsário e que não passa de um mentiroso, mentiroso como tantos outros,
E se algum dia descobrirem que o vosso portátil de marca comprado numa loja de marca, oito anos meu deus, oito anos de vida em comum, e se algum dia descobrirem que afinal o software do vosso portátil de marca é falsificado, não estranhem, porque o Windows XP ao fim de oito anos, oito anos meu deus, ao fim de oito anos diz-me que é falso,
Apetece-me gritar…
- Viva o LINUX,
“E se um desconhecido de repente lhe oferecer flores isso é… “, meu deus, oito anos, dois mil novecentos e vinte dias de vida em comum, “isso é VIGARICE”,
Falsário e mentiroso, mentiroso como tantos outros…

(texto inspirado numa amiga)

84,1 x 59,4 – Francisco Luís Fontinha

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Ruas invisíveis

Em todos os silêncios
Te encontro
De todas as ruas invisíveis
Em todos os barcos adormeces
De todos os mares desgovernados
Em todas as sombras caminhas
De todas as acácias envelhecidas
Tristes
Cansadas
Em todos os silêncios
Te encontro
De todas as madrugadas

84,1 x 59,4 – Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Amor às palavras

Nunca me abraçaste
Nem gostas dos meus poemas
Detestas os rios que correm para o mar
E dizes que sou louco
E não o dizes mas talvez o penses – (não serves para nada
E não passas de um mendigo que vagueia dentro da noite)

Nunca me abraçaste
E deves pensar que o meu rosto é uma rocha
Ou um pedacinho de madeira abandonada
Quando chove e à janela do asilo peço ajuda
E fingem não me ouvir
E fingem não me ver

Nunca me abraçaste
E restam-me os ramos das árvores
Onde escrevo os poemas
Que detestas e odeias

E sou um mendigo que vagueia dentro da noite
Tenho rosto e tenho mãos
E às vezes descem as lágrimas da copa das árvores
E alimentam o meu sorriso adormecido
Numa folha de papel meia dúzia de palavras
Que copiei dos ramos das árvores que tu tanto odeias

Tenho rosto e tenho mãos
E amo loucamente as minhas palavras.

domingo, 5 de fevereiro de 2012


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Rimas imaginárias

Os amigos não se amam
Desejam-se infinitamente na escuridão da noite
Debaixo de uma árvore um banco de jardim
Mergulha na solidão da tarde
Os amigos escrevem poemas num rio inventado
Que corre entre as montanhas e desaparece no mar

Os amigos não se amam
Desejam-se infinitamente na escuridão da noite

Quando o poema cresce num largo de paralelepípedos
E debaixo de uma árvore um banco de jardim
Encostado ao púbis das sílabas e fios de silêncio…
O poema em orgasmos transpira as rimas imaginárias
E os amigos
Deslaçam as mãos e despendem-se na promessa de um novo reencontro

84,1 x 59,4 – Francisco Luís Fontinha

O sonho de uma noite de geada

Desiludo-me com a vida com o amor e todas as ruas da cidade, e todas as árvores e todos os bancos do jardim, desiludo-me quando acorda a manhã e percebo que vou ter um dia perfeitamente parvo igual ao anterior, desiludo-me quando me olho no espelho da noite e vejo um menino deitado no chão, o frio é intenso, a maioria das vidraças estilhaçadas, e a porta de entrada apenas encostada e prisioneira de um cordel,
- Tenho medo de amar-te sabendo que nunca me vais amar E ela descia as escadas sem dizer até amanhã, e ela descia as escadas depois de a minha mãe aquecer água e depois de amaciar os lancis de granito e a geada começava a andar calçada abaixo e desaparecia junto ao chafariz,
Desiludo-me com a vida com o amor e todas as ruas da cidade, e todas as gaivotas e todos os barcos estacionados no Tejo, desiludo-me com a minha vida miserável, e ela descia as escadas e desaparecia em direção ao Tejo,
- Há dias felizes Nunca se cansa de gritar o vendedor de cautelas,
E há dias de merda e há dias embrulhados nas prateleiras do pôr-do-sol, e há os meus dias, quando a fome entra no meu corpo, quando as lágrimas fingem brincar na minha mão, quando me dizes que me amas, e eu, e eu percebo que nunca me amarás porque sou um miserável, porque nem dinheiro tenho para um café ou convidar-te,
- Vamos jantar?
E o jantar sobre uma mesa de mármore na morgue de um velho edifício em ruinas, desiludo-me com a primavera e com o acordar das andorinhas, desces as escadas e tropeças na geada, desces as escadas e eu sem tempo para te abraçar, e eu, todas as árvores e todos os bancos do jardim, desiludo-me quando acorda a manhã e percebo que vou ter um dia perfeitamente parvo igual ao anterior, e eu agachado no pavimento lamacento agarrado a um livro de António Lobo Antunes, a comissão das lágrimas sentada na baía de Luanda ao final da tarde,
- Vamos jantar?
E eu sem dinheiro para lhe oferecer o jantar, e eu sem dinheiro para a presentear com um simples ramo de flores,
- Tenho medo de amar-te sabendo que nunca me vais amar E ela descia as escadas sem dizer até amanhã, e ela descia as
O frio intenso e as vidraças encostadas às sombras da noite, não cama, não cobertores,
- Escadas e desaparecia no Tejo,
E pergunto-me
- Um petroleiro meu amor,
E pergunto-me Porquê pai?
E um dia vais perceber que tudo não passou de um sonho, tudo meu amor, a minha voz impressa na ardósia do fim de tarde junto aos plátanos, as vidraças meu amor, tudo um sonho construído numa noite de geada.

(texto de ficção)