sábado, 14 de janeiro de 2012

As lágrimas do tejo

Já alguma vez te disseram que tens o coiso grande As últimas palavras de Genoveva antes de abrir os braços e olhar para o céu e subir e subir e subir até se desfazer em pétala de rosa e transformar-se em estrela,
- O tejo em lágrimas,
E todas as noites a estrela brilha e brilha e brilha na janela da saudade e ele olha o mar e um cacilheiro amarrotado na solidão desfaz-se em pétala de rosa,
- Já alguma vez te disseram que tens o coiso grande,
O tejo em lágrimas nas mãos de Genoveva e antes de abrir os braços e antes de olhar para o céu e antes de subir e subir e subir… e antes de desfazer-se em pétala de rosa O tejo em lágrimas,
- O tejo em lágrimas nas mãos de Genoveva,
O coiso grande nas mãos de Genoveva e o mar desapareceu nos olhos da noite…

(texto de ficção)

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

84,1 x 59,4 – Francisco Luís Fontinha

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

14 de Janeiro – Wordsong (AL Berto)


Desenho de Francisco Luís Fontinha e música de Wordsong (AL Berto).
Wordsong é um projeto multimédia de Pedro d´Orey (Mler If Dada), Alexandre Cortez (Rádio Macau), Nuno Grácio e Filipe Valentim (Rádio Macau).

Fronteira


Fronteira (59,4 x 94,1 – Francisco Luís Fontinha)

Nunca percebi, não percebo e tenho medo de perceber qual a fronteira que separa a amizade do amor, tão pouco sei se existe uma fronteira ou se é apenas um fantasma da minha cabecinha de parvalhão.
Porque sempre fui e serei um parvalhão abraçado ao medo…

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

A cidade

84,1 x 59,4 – Francisco Luís Fontinha

A cidade tem os seus medos
Tem a noite
E portas e muitas portas
De saída
De entrada
Na garganta da cidade
As escadas para o sótão
A claraboia com vista para o tejo
Vão e vêm as sombras cansadas com as mãos na algibeira
Entram nas portas de entrada
Fingem que dormem
E os sexos embrulhados em papel de parede
Descem e mergulham no pavimento encharcado
À porta de saída
Uma minissaia presa a um candeeiro
À porta de entrada
Um magala à espera de um cigarro
E na rua junto ao rio
Um automóvel abraçado aos silêncios de Belém
Olha com desdém para a minissaia
E sorri ao magala
O magala entra e senta-se
E os silêncios de Belém
Acariciam-lhe as pernas até que a noite poise neles
E os misture num fumo branco de medo
E sémen

A cidade tem os seus medos
Tem a noite
E portas e muitas portas
De saída
De entrada

A cidade é uma merda.


A caixinha de madeira


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Se estou deitado e nunca mais me levantarei desta caixa de madeira pergunto-me Fato e gravata e sapato pontiagudo e barba desfeita para Quê,
- Possivelmente vou a alguma entrevista de emprego ou pior Ser submetido aos olhos de deus quando chegar à presença dele e se algum dia lá chegar ele vai olhar-me e sussurrar-me Que lindo,
Nem na morte sou feliz Foram as últimas palavras que lhe ouvi antes de cerrar os olhos numa tarde em Luanda quando os machimbombos engasgados junto à Maria da Fonte o avô domingos descruzava os braços e fazia-se ao caminho e desfeito em silêncios e nuvens de algodão começava a cair-lhe a noite sobre os ombros largos devido aos rolos de pinheiro que carregou durante anos e anos e anos E para quê,
- Que lindo
E ao chegar ao portão de entrada o neto em abraços Que lindo,
- E para quê se nunca mais me levantarei desta maldita caixa de madeira e eu que sempre disse que não queria fato nem gravata nem sapatos porque me aleijam e porque nunca gostei de estrear calçado nem calças Sou alérgico sabe, e estes gajos contra a minha vontade Nem na morte sou feliz,
Em abraços Que lindo e poisava no bairro uma finíssima pelicula de malmequeres e beijos e ais e
- Que lindo,
E porque só desfaço a barba um vez por semana Era preciso desfazerem-me a barba e vestirem-me um fato e a gravata Horrível branca com bolinhas encarnadas que olhando-me ao espelho pareço o chulo da esquina junto ao rio com um caderninho na mão a apontar as horas das cabras saltitantes que pastam nos lençóis inseminados com sémen Chinês porque sempre é mais barato nas pensões decrépitas da cidade agoniada pelo fumo dos cigarros e lágrimas de crocodilo,
- E pergunto-me porquê Que lindo eu aos olhos dele E nem sei se o deva tratar por senhor ou majestade Não sei,
Ai menina Gosto de si E perguntava-lhe em voz de defunto se queria casar com ele Nem morta Era o que me faltava Casar-me com este nojento guardião de crocodilos em pau-preto e conchas compradas em São Tomé e Príncipe,
- Possivelmente vou a alguma entrevista de emprego,
E não casei com ele,
- Só pode ser uma entrevista de emprego porque caso contrário não me enfeitavam desta forma esquisita e que sempre detestei e Horrível branca com bolinhas encarnadas,
Descruzava os braços e fazia-se ao caminho e desfeito em silêncios e nuvens de algodão começava a cair-lhe a noite sobre os ombros largos devido aos rolos de pinheiro que carregou durante anos e anos e anos até que decidiu rumar a Luanda e durante anos e anos e anos a passear machimbombos pelas ruas,
- E não casei com ele e hoje arrependo-me Horrível branca com bolinhas encarnadas E hoje arrependo-me e hoje poisa sobre mim a solidão e as noites de inferno que entram pela janela e se deitam no meu colo e eu e eu afogo-lhe os cabelos e penso nele deitado numa caixa de madeira com a barba desfeita e um fato e uma gravata e sapatos pontiagudos,
Horrível branca com bolinhas encarnadas.

(texto de ficção)

O medo


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Insónia do amanhecer

Saberei caminhar
Depois de acordar?
E quando descerem as estrelas
E se entranhar a noite nos meus olhos…
Saberei eu descerrar o cortinado da miséria
Depois de acordar?

Saberei escrever
Nas pétalas do teu olhar?

Não sei se conseguirei caminhar
E descerrar…

A insónia do amanhecer

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Sonho


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Porquê Pai

O filho não é dele,
Sempre soube que não era o pai do rapaz porque quando o olhava não as mesmas orelhas pontiagudas como eu e como o meu pai, o filho não é dele e o parvalhão nem desconfia E claro que não meu,
- Porque me mataste pai,
Eu sim Seria teu filho igual a ti e igual ao teu pai com orelhas pontiagudas, porque me mataste pai?, e eu não te matei Mas deixaste que me matassem, sempre soube que não era o pai do rapaz porque as acácias deixaram de florir e os plátanos de sorrir,
- O que são acácias Pai?,
E não deixei Simplesmente cruzei os braços e fiquei a olhar o mar Como sempre pai como sempre Cruzas os braços e ficas a olhar o mar, e quando perguntei por ti responderam-me Foi às ortigas E pronto,
- Continuei tal como continuo hoje de braços cruzados a olhar o mar e a esquecer-me que as acácias deixaram de florir e que os plátanos deixaram de sorrir e que a noite é triste e que da noite vem a solidão e se abraça ao meu pescoço e abro a janela e finjo ver o mar debaixo dos plátanos a escrever poemas no areal do Mussulo, e deixei que te matassem e deixei que me roubassem os sonhos, e hoje
E hoje,
E hoje sou o quê?
- E hoje o parvalhão olha-o e chama-lhe filho mas o filho não é dele E hoje E hoje sou o teu pai Que deixaste que me matassem Não deixei,
Cruzei os braços e fiquei a olhar o mar Como sempre pai como sempre Cruzas os braços e ficas a olhar o mar, e quando perguntei por ti responderam-me Foi às ortigas E pronto,
Como sempre filho Como sempre Cruzo os braços e finjo ver o mar debaixo dos plátanos a escrever poemas no areal do Mussulo, E era o que me faltava ter um filho daquele miserável Nem morata,
- E hoje sou o quê?
E hoje sou um menino que cruza os braços e olha o mar e sonha com papagaios de papel e com as mangueiras do quintal de Luanda Porque me mataste pai?,
- E claro que não porque as orelhas não pontiagudas como eu e como o meu pai E não te matei filho Não te matei Simplesmente cruzei os braços e fiquei a olhar o mar,
Como sempre pai como sempre Cruzas os braços e ficas a olhar o mar,
- E quando perguntei por ti responderam-me Foi às ortigas E pronto
O que são acácias Pai?
- Cruzo os braços e fico a olhar o mar
E ponto.

(texto de ficção)

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Solidão


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Obsessão


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Construção

(À Sarinha Maria)

Construo silêncios nos teus olhos
E pinto desejos na tua boca
E escrevo poemas nos teus lábios
Construo abraços nos teus braços
E desenho no teu corpo a manhã cinzenta
Engasgada na neblina

Construo nos teus olhos o mar
Quando poisa na areia e incendeia
Palavras que substituo por beijos
Palavras que ardem na fogueira

Construo silêncios nos teus olhos
E finjo adormecer sobre o teu peito
E não consigo dormir
E não consigo sonhar

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012


118,9 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Acreditar

Porque desistem os pássaros de voar
E o rio de correr para o mar
Porque desistem as árvores de sonhar
E a lua do luar

Porque desiste a noite de me abraçar
E a estrela de me iluminar
Porque caminho sem caminhar
E deus se recusa a me olhar

Porque peço ajuda e ninguém me quer ajudar…

E os pássaros
E o rio
E as árvores
E a lua
E a anoite
E a estrela
E o caminho
E deus

Em mim deixaram de acredita

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Desistir

Desistir quando as nuvens da manhã
Se alicerçam à montanha em solidão
Desistir de olhar o mar
E brincar no rio
Desistir de lutar
Baixar os braços na terra semeada de sofrimento

Desistir das palavras
E das árvores que tombam no chão
Desistir
Cerrar os olhos no cansaço do vento

Desistir de pintar
Desistir de escrever
Desistir de sonhar
Desistir de viver

Se alicerçam à montanha em solidão
Desistir de olhar o mar

Desistir de caminhar
Sobre as sombras da noite
Desistir da lua e do luar
E adormecer eternamente sem acordar

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012


84,1 x 59,4 – Francisco Luís Fontinha

Ser feliz

E se eu me deitasse homem
E acordasse pássaro
E se eu me deitasse miserável
E acordasse com algum dinheiro na algibeira…

Mas nem consigo acordar pássaro
Nem tão pouco cresce dinheiro na minha algibeira

E vão dizer
- Dinheiro não é felicidade
Ai que não é
Claro que o dinheiro é felicidade
Experimentem pedir fiado um café
Um maço de cigarros
Ou na mercearia…
E vão perceber a humilhação

E vão perceber a alegria
Daqueles que escutam e olham
Um feliz sem dinheiro
O que interessa eu ser feliz
Se sou um miserável
Se sou humilhado

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

O centro da eira

Não sei se está vento
No meu corpo encalhado
Se estou gordo
Ou magro

Não sei se deva continuar a escrever
Ou simplesmente me sentar
Ver a manhã a morrer
Nos braços do mar

Não sei o que são gaivotas
Ou poemas de amar
Sei o que eram almas mortas
Na Rússia do Czar

E tal como Gogol
Pego na minha escrita
E faço uma fogueira
E tudo desaparece no centro da eira

domingo, 8 de janeiro de 2012

As palavras

De que me servem as palavras
Se eu não como palavras
Não bebo palavras
Nem fumo palavras

De que me servem as malditas palavras
Que crescem na minha cabeça

Se eu não como palavras
Não bebo palavras
Nem fumo palavras

Malditas palavras que enlouquecem
A minha pobre cabeça
Se eu não como palavras
Não bebo palavras
Nem fumo palavras
De que me servem as palavras?

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha