sábado, 31 de dezembro de 2011


59,4 x 84,1 (desenho de Francisco Luís Fontinha)

Lábios de amêndoa

Me encantam os teus olhos de amêndoa
Suspensos nas alegrias da manhã
Me encanto nos teus lábios de poema
Sobre os meus braços

Deitados nas sílabas da minha língua
Me encantam os teus olhos
Me encantam as tuas mãos
Sobre os meus braços

Dentro do meu corpo
Na busca de um beijo
Ou de um simples olhar…

Me encantam os teus olhos de amêndoa
Suspensos nas alegrias da manhã
Quando acordas
E escreves no meu peito
Com as tuas frases em desejo
Que crescem das tuas mãos que me encantam

Nas alegrias da manhã
Dos teus lábios de poema
Dentro do meu corpo
Na busca de um beijo
Ou de um simples olhar…
Escreves no meu peito; Amo-te.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

30 x 60 Acrílico sobre tela – Francisco Luís Fontinha

A garganta da morte

A solidão dói
A cabeça incha
O corpo mingua

Sobejam flores de saliva
Nos meus lábios de algodão
Afina-se um fio de luz na garganta da morte
Onde abelhas sem asas brincam com as nuvens de ontem
E na água silenciosa da manhã
Mergulha o rio da saudade

A solidão constrói sorrisos
Nos cortinados amarrotados do corredor sem portas
O teto desce até ao soalho

E a dor da solidão
Enrola-se à cabeça inchada
Suspensa no corpo invisível
Sem portas
Sem janelas
Ente o teto e o pavimento

O corpo minguado desfaz-se em poeira
E o vento a leva
E o mar a engole
Na garganta da morte

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

84,1 x 59,4 (desenho de Luís Fontinha)

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

Um círculo com olhos verdes

Nunca vi o mar,
A minha mãe sonâmbula nas noites de cacimbo desenhava o mar no teto da alcofa, um círculo com olhos verdes e sorrisos e cheiros que aprendi a distinguir antes de adormecer, e eu, e eu passava as tardes a olhar o mar, e eu passava as tardes a ouvir o mar que no canto esquerdo da alcofa batia contra as rochas imaginárias e quando a maré acordava e eu adormecia, o som melancólico e poético do mar entrava em mim e encharcava-me de luzes e de estrelas de papel,
- Porquê mãe,
De luzes e de estrelas de papel saltitando na areia finíssima da ilha do Mussulo, o meu filho pequeníssimo fitando o oceano invisível dentro da alcofa, o meu filho agarrado aos braços da mãe e olhar-me enquanto eu sentado numa cadeira de praia recordava as mangueiras no fim de tarde quando a Bedford amarela se imobilizava depois de caminhar de musseque em musseque, eu chegava a casa, eu chegava a casa e ele deitado a brincar com o mar,
- É tão pequenino Segredava ele para a enfermeira na primeira visita que me fez quando eu misturado com outros pequeninos e de etiqueta no pé para não me ausentar e perder nas ruas de Luanda,
E hoje pergunto-me,
- Nunca vi o mar,
E hoje pergunto-me, A minha mãe sonâmbula nas noites de cacimbo desenhava o mar no teto da alcofa, um círculo com olhos verdes e sorrisos e cheiros que aprendi a distinguir antes de adormecer, e hoje pergunto-me a razão de uma etiqueta suspensa no pé minúsculo, ele de olhos abertos e agarrado aos meus braços fingia que olhava o mar mas eu sabia que não, hoje sei que ela desenhava o mar na alcofa para que eu mais tarde, muitos anos passados, percorra as ruas de Luanda em busca do mar,
- Porquê mãe,
E nunca vi o mar, Um círculo com olhos verdes e sorrisos e cheiros que aprendi a distinguir antes de adormecer, e eu, e eu passava as tardes a olhar o mar, e eu passava as tardes a ouvir o mar que no canto esquerdo da alcofa batia contra as rochas imaginárias e quando a maré acordava e eu adormecia, o som melancólico e poético do mar entrava em mim e encharcava-me de luzes e de estrelas de papel,
- A Bedford amarela para não se perder nas ruas de Luanda, uma etiqueta suspensa no pé minúsculo, eu sentado numa cadeira de praia a ouvir a sombra das mangueiras que batia contra os domingos entre conversas e meia dúzia de Cucas,
As palmeiras murchavam e desciam até à marginal, e ele agarrado ao meu pescoço sonhava com triciclos e papagaios de papel dançando no céu, e adormeci com ele ao meu colo, e ele caiu e quando aterrou no pavimento ouvi-lhe as primeiras palavras,
- Mãe O mar é tão lindo,
Os domingos entre conversas e meia dúzia de Cucas, será que alguém vai ler esta porcaria,
- Pergunto-me Porquê mãe,
Será que alguém vai ler esta porcaria quando as mangueiras desciam até ao capim e as pombas sobre um triciclo de madeira,
- Voavam,
A Bedford amarela estacionada junto ao portão do quintal e ao longe o avô Domingos de braços abertos e me abraçava e me pegava ao colo, eu pendurado no seu pescoço com um olho a ver o mar no teto da alcofa e com o outro a contar os carros em direção ao Grafanil, Catete, Bairro Madame Berman,
Um cavalo branco saltitava e pegava em mim e me levava a ver o mar,
- Mãe O mar é tão lindo,
A minha mãe sonâmbula nas noites de cacimbo e eu tombei e quando aterrei no pavimento,
- Mãe O mar é tão lindo,
Ele sentado numa cadeira de praia a imaginar domingos e conversas entre meia dúzia de Cucas,
- Tão pequenino ele,
Um círculo com olhos verdes e sorrisos e cheiros que aprendi a distinguir antes de adormecer…

(texto de ficção)

O abraço da noite


59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

Sabes que estou aqui
Entre a janela e o mar
Sou uma rocha que não se cansa de sonhar
Sou um pássaro que não desiste de voar
Sabes que estou aqui
Entre a janela e o mar

Sempre pronto para te escutar
Sempre pronto para te abraçar
Sabes que estou aqui
Entre a janela e o mar

Porque sou a noite abraçada ao luar

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011


84,1 x 59,4 (desenho de Luís Fontinha)

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

Parede de betão

Lâminas de solidão rompem o meu peito cansado
E na minha mão as flores selvagens da montanha
Dormem profundamente ao som da manhã desalinhada
A porta virada para o mar cerra-se e uma parede de betão
Prende o meu olhar
Deixo de ver o mar
E imagino-o a correr nos meus braços
E pinto-o na parede de betão
Que me proíbe de ver o mar
Que me proíbe de brincar com o mar
As lâminas de solidão rompem o meu peito cansado
E espero pela chegada da noite

Abraçar-me com toda a força às rochas sonâmbulas
E esperar que a maré me venha buscar
E me leve
E me absorve e misture nos seus desejos

A solidão dói
Mas não existe pior dor
Que estar junto ao mar
E não o conseguir abraçar
E ser proibido de o ver
Porque uma parede de betão prende o meu olhar

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Janelas para o inferno

Estar só dentro de um cubo de vidro
E janelas para o inferno
Lá fora extinguem-se as árvores e os pássaros e o mar
E nas faces transparentes das paredes de vidro
Uma criança não se cansa de chorar
Desistindo aos poucos de sonhar

Uma criança a ser engolida pela garganta do mar
Que se extingue juntamente com as árvores e os pássaros
E o cubo de vidro
Sorri quando lhe tocam e o acariciam

Que faz um louco dentro de um cubo de vidro?
E eu? O que sou eu comparado com um cubo de vidro
Ou com a criança que não se cansa de chorar…
Ou com a criança que desistiu de sonhar?
E o que sou eu comparado com aqueles que acariciam e tocam
No cubo de vidro?

E ele sorri quando lhe tocam
E ele sorri quando o acariciam

Serei eu então o louco sentado dentro do cubo de vidro?
Ou foi o cubo que enlouqueceu?
Ou é a criança que está louca e chora junto às faces transparentes
Das paredes de vidro?

E se eu for o cubo de vidro
E dentro de mim um louco sentado
A olhar a criança que chora junto às faces transparentes
Das paredes de vidro
Com janelas para o inferno
Lá fora extinguem-se as árvores e os pássaros e o mar

Estar só dentro de um cubo de vidro
E janelas para o inferno
E ele sorri quando lhe tocam
E ele sorri quando o acariciam

E ele enlouqueceu no fundo do mar

84,1 x 59,4 (desenho de Luís Fontinha)

Retrato

(Aos meus amigos:
Aqueles que o são;
Os que o fingem ser;
Aqueles que têm medo de o ser;)

Há um espelho suspenso nos dias
Que deforma o meu rosto
Há um espelho transparente que só existe na noite
E me engole
E me transporta pra o silêncio das estrelas
Há um espelho que me ama

Porque é um espelho invisível
Porque ninguém o vê
Porque não tem medo de escrever na geada da noite
Eu amo-te

Porque o escreve em silêncio
Para não ser recriminado por outros espelhos
Há um espelho que deforma o meu rosto
E quando me olho nele vejo os riscos que crescem sobre a copa das árvores
Junto ao rio
Numa rua sonâmbula e em lágrimas

Eis o meu retrato
Fabricado num espelho invisível
Sem medo de mim
Sem medo de me abraçar
E escrever na geada da noite
- Eu amo-te

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

A fogueira da vida

Tudo arde na fogueira da vida
E os sonhos cessam como as andorinhas
Após a primavera
Tudo arde
Exceto na fogueira da vida
O sofrimento

Tudo arde na fogueira da vida
E tudo morre lentamente
No silêncio da noite
Evapora-se o mar nas manhãs de inverno
E à volta do pescoço do amanhecer
Crescem suspiros de solidão

Tudo arde na fogueira da vida
Como uma árvore que tomba no chão
Ou uma simples lágrima que se desprende do rosto
Magoado e triste da neblina
Tudo arde
E tudo se renova na fogueira da vida

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

A janela da solidão

A terra me engole
E mastiga-me nos alicerces da noite
A terra que se alimenta do meu cansaço
E me enrola na solidão da tarde

A terra me engole
E o mar mistura-se nas minhas mãos
E a maré dorme no meu peito
A terra desfaz o meu corpo em pedacinhos

E o vento
O vento os semeia na ardósia da manhã

Como se eu fosse o musgo abandonado no pavimento
Embebido em sombras
Quando na montanha a tempestade agreste
Entra pela janela da solidão

A terra me engole
A terra me prende ao cais onde barcos de papel
Poisam no sorriso de meninos de calções
E sandálias de couro

E das mangueiras
Desprendem-se papagaios de muitas cores
Recheados de sonhos
Abraçados a um mar invisível

A terra me engole
E de mim nascerão sorrisos
Palavras desconexas
Penduradas nas nuvens do fim de tarde

A terra me engole
A terra alimentar-se-á dos meus sonhos impossíveis
E de mim
E de mim ficará a saudade

domingo, 25 de dezembro de 2011


59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

Silêncio das palavras

Silêncio
O vazio prisioneiro numa mão encharcada de amanhecer
Depois de uma noite de insónia
No cais transparente onde poisam barcos envergonhados
E gaivotas marrecas
Silêncio
Nas palavras
Silêncio
Das palavras
Um corpo de homem evapora-se dentro de um cubo de vidro
Na meia-noite de um relógio caquético
Construído de sucata
Silêncio
Nas palavras
Silêncio
Das palavras
E envelhece o dia
Na algibeira da noite
E o cubo de vidro desfaz-se em grãos de tristeza
O vendaval entra pela janela
E todas as palavras em silêncio
E todas as palavras de silêncio
Adormecem no cais transparente
Onde poisam barcos envergonhados
E gaivotas marrecas
Cessam todas as luzes e cessam todas as palavras

Silêncio
Das palavras
Silêncio
Nas palavras

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

sábado, 24 de dezembro de 2011


59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

Aos poucos

Aos poucos
Fogem de mim as palavras
E morrem todos os sonhos
Aos poucos cessam em mim os rios e as montanhas
As árvores e os pássaros
Aos poucos
Escondem-se no mar as cinzas do meu corpo
E dos meus olhos os ramos da madrugada
Onde suspendo a minha cabeça

Aos poucos
Morro em cada pedacinho de silêncio
Nas linhas cruzadas de uma amarrotada folha de papel
Onde embrulho as lágrimas da noite sem estrelas

Aos poucos
Fogem de mim as palavras
E as cores dos meus sonhos travestem-se de negro
Nos muros clandestinos da saudade

E aos poucos
Sinto que desapareço no interior do fumo da tarde
Antes de adormecer
Depois de me olhar ao espelho

E no meu rosto pequeninos grãos de areia
E nas minhas mãos
E nas minhas mãos fatias de xisto
E migalhas de tristeza

Sobre a mesa de um jantar inventado

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011


59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

Ilhargas do infinito

No fim da rua sem saída
Uma mesa e quatro cadeiras esperam por mim
Um rio amarrotado nas ilhargas do infinito me alcança
Como se eu fosse um pássaro doente
Ou uma criança
Como se eu fosse a sombra do jardim
Quando me olha e mente
E ao espelho da noite vejo a minha vida

Sem vida
No fim da rua sem saída
Três vultos invisíveis deitados na calçada
Antes de adormecerem
Fingindo viver
Viver sem madrugada

Fingindo sentados nas três cadeiras
À roda de uma mesa ensonada
Sem vida no fim da rua
Sem saída
Sem nada

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

As insónias do senhor Frutuoso



Dogma House
Leeuwarden, Netherlands


Um dia perceberás que esta casa não me faz feliz, que o dinheiro também não me faz feliz, um dia, um dia perceberás,
- Porquê Frutuoso?,
E tenho Insónias no casebre na montanha junto à ribeira como as terei certamente nesta casa, e um dia, um dia perceberás que cresci assim,
- Assim Miserável?,
Miserável dizes-me tu quando vem a noite e o silêncio ausenta-se de mim e não há dinheiro que chegue nem esta casa para trazerem-me de volta o barulho das palavras contra a mesa-de-cabeceira, ou quando abro a janela do casebre e ao longe vejo as nuvens docemente e sem pressa na minha direção, e ao longe o acenar de um petroleiro que desce o tejo até às profundezas da noite, a minha garganta abre-se e sinto o cheiro do inverno a degolar-me antes de adormecer, Percebes?
- Não Frutuoso Não percebo,
Um dia perceberás que esta casa não me faz feliz, que o dinheiro também não me faz feliz, um dia, um dia perceberás,
Que cresci habituado a meia dúzia de moedas na algibeira e com a cabeça recheada de sonhos, e com a cabeça sempre suspensa nas árvores quando caminho,
- Sim Frutuoso Quando caminhas…,
Quando caminho desesperadamente só e sobre o meu peito escrevem-se as lágrimas da solidão, e o sorriso das mangueiras não me deixam adormecer, e o meu triciclo às voltas e às voltas e às voltas na sombra das mangueiras,
- Porquê Frutuoso?,
E o meu quintal começa a inchar e ergue-se em direção ao sol, e chove, descem piedosamente finíssimas gotas de suor de um corpo mergulhado em desejo, o algodão doce que um cigano tenta impingir a miúdos distraídos evapora-se entre as sandálias do vagabundo e os anéis de um miserável,
- Um daqueles peneirentos que acredita que ter dinheiro é ter tudo?,
Acreditar não, É a verdade e tu sabes isso Um dia perceberás que esta casa não me faz feliz, que o dinheiro também não me faz feliz, um dia, um dia perceberás,
- E o que te faz feliz?,
Só o saberei depois de me explicarem o que é a felicidade, quando caminho desesperadamente só, às voltas na sombra das mangueiras e o cigano às apalpadelas nas sandálias do vagabundo quando percebe que o peneirento lambe o algodão que sobejou junto aos anéis,
- Não Frutuoso Não percebo,
O miúdo distraído choraminga ao imaginar o petroleiro que desce o tejo até às profundezas da noite, a garganta do miserável abre-se e o cheiro do inverno a degolar insónias antes de adormecer, Percebes?
- Não Frutuoso Não percebo,
Nem eu.

(texto de ficção)

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

Barco fantasma

Há um barco estacionado no infinito
Pacientemente à minha espera
Há um barco com asas
E sorriso nos lábios para me levar

Há um barco zarolho
E com os braços a sangrar
Desejos nas paredes de vidro
Impaciente para me levar

Há um barco estacionado no infinito
Com âncoras de madeira
E pedras preciosas nos dentes
Um barco pacientemente à minha espera

Há um barco mendigo
Sentado à porta da igreja
Um barco para me levar
Até aos confins do invisível

Há um barco com asas
E sorriso nos lábios para me levar

Um barco fantasma
Doido nos corredores da enfermaria
Que passeia e passeia e passeia
Num cubículo de miséria

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

THE SEA



Tudo começou quando me ofereceram este livro THE SEA – Project manager and edotorial director “Valeria Manferto de Fabianis” WHITER STAR PUBLISHERS, em Lisboa a 9 de maio de 2004,

O mar,

Adosinda vestida de caravela alisava o vento com os lábios e ao fundo do corredor a janela com vista para o tejo depois de inúmeros arbustos e árvores e crianças e flores e o fim do cais,
O jardim de Belém emagrecia e chorava num sábado mergulhado em despedidas e promessas de regresso e promessas de ausência,
O mar enrodilhava-se nas mãos finas de Adosinda vestida de caravela e o mar começava a desaparecer pelas sombras das árvores que pacientemente esperavam o almoço e enquanto o almoço não acordava, as árvores Desenhavam caravelas iguais a Adosinda sobre as folhas de papel que vagueavam na planície inventada, Adosinda sorria e acenava com a mãozinha, nos olhos viviam estrelas de marfim e silícios de espuma, e o mar,
- Confesso que fiquei sem palavras ao ler esta estória Oiço a minha voz nas frestas da parede depois de poisar a caneta sobre a secretária, e pergunto-me porquê?, Adosinda só conheci a minha tia rabugenta e que de vez em quando me dava cinco escudos, e o mar há muito deixei de o ver e sentir e cheirar, agora folheio The Sea e o mar entra-me dentro do corpo, e nunca vi caravelas e de Belém apenas recordo uma noite de setembro quando eu criança regressava de Luanda e junto ao padrão dos descobrimentos um magala fumava cigarros e sorria como um louco para as gaivotas suspensas no teto da casa de banho,
E nos olhos o mar, e nos olhos os cinco escudos que um miúdo pegava religiosamente e descendo a rua em passo acelerado os cambiava por cromos na papelaria grifo,
- Que estória tão parva para um sábado em Belém, e é como lhe digo De Belém apenas quando regressei de Luanda e lembro-me como se fosse hoje eu pendurado na grade e ver Belém a adormecer e o magala a fumar cigarros,
Adosinda vestida de caravela alisava o vento com os lábios e ao fundo do corredor a janela com vista para o tejo depois de inúmeros arbustos e árvores e crianças e flores e o fim do cais,
- O velho grifo pegava-me na mão e embebia-me de rimas, o João comeu arroz com feijão e mais o mão, agora Adosinda só conheci a minha tia e que de quando a quando me dava cinco escudos, Acredite em mim nunca estive em Belém em 1988 nem em 2004 e o mar, e o mar depois de regressar de Luanda só quando folheio o The sea,
Em despedidas e promessas de regresso e promessas de ausência que entre os fios de cinza de um cigarro desapareceu para sempre,
- E é verdade é o que eu lhe digo Nunca estive num sábado em Belém dia 9 de Maio de 2004, Claro que não esteve porque dia 9 de maio foi um domingo, Vê? Vê como eu tinha razão,
- Que estória tão parva para um domingo em Belém, e é como lhe digo De Belém apenas quando regressei de Luanda e lembro-me como se fosse hoje eu pendurado na grade e ver Belém a adormecer e o magala a fumar cigarros,
O mar enrodilhava-se nas mãos finas de Adosinda vestida de caravela e o mar começava a desaparecer pelas sombras das árvores que pacientemente esperavam o almoço e enquanto o almoço não acordava Adosinda com olhos de marfim ou de estrelas ou de noite,
- Chorava,
E que não, e que nunca estive em Belém nesse dia.

(Texto de ficção)

Rio vadio

As nuvens adoram-me
Desejam-me
As nuvens que poisam na minha cabeça
E me cobrem
E me escondem debaixo dos candeeiros da manhã
Desejam-me
E cobrem-me
As nuvens pintadas de negro
Junto a um rio descolorido
Sem estrelas
Sem dezembro para sonhar
As nuvens que poisam na minha cabeça

E me escutam
E me olham
E desejam

Sem dezembro para sonhar
Tenho as nuvens negras
Junto a um rio descolorido
Vadio
Sonâmbulo amarrotado nos canaviais
Me cobrem e olham e desejam e se fundem nas minhas mãos

As nuvens que poisam na minha cabeça.

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

Jardim dos beijos

Oiço as tuas lágrimas antes de adormecer
Poisadas silenciosamente sobre o meu peito
Oiço a noite a crescer
Quando o mar sem jeito

Quando o mar me entra pela janela
E se deita no teu corpo de poema
Oiço a noite a crescer nos lábios de um barco à vela
No vento da minha cama

Oiço a noite nos teus olhos em palavras de sofrer
Rasgando-te em desejos
Oiço a noite a crescer

Quando o mar sem jeito galga a minha mão
E no jardim dos beijos
O teu amor acorda o meu coração.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011


59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

Flores parvas

Todas as flores são parvas
E parvas são as minhas palavras
Quando comidas por abelhas gananciosas
Depois do almoço

Das flores parvas
Nascem as minhas palavras parvas
Que um parvalhão
Semeia na ardósia junto à ribeira

E eu
E eu sou tão parvo como as flores parvas
Porque semeio as minhas palavras
Porque sou eu o parvalhão
Sentado numa pedra
A olhar as flores parvas e as abelhas gananciosas

A comerem as minhas palavras
Que substituíram por pão
Depois do almoço

Malditas flores parvas
Que comem as minhas palavras
Parvas
Que eu semeei na ardósia junto à ribeira

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

Prisão

Roubaram-me o sorriso
E acorrentaram-me à solidão
Fizeram das ruas um corredor sem juízo
E das janelas um sonho sem coração

Roubaram-me o mar
E as palavras que tinha para escrever
Fizeram das ruas um cemitério sem luar

Fizeram das ruas uma noite para esquecer
Roubaram-me o amanhecer
E a vontade de amar

Roubaram-me o sorriso
E acorrentaram-me à solidão
Fizeram das ruas um corredor sem juízo
E das janelas uma prisão

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

A janela do meu olhar

Estou triste
Muito triste
E ninguém para me ouvir
Ninguém e ninguém para me abraçar
Estou triste
Muito triste
Sinto-me um pedacinho de merda
Que toda a gente passa sem pisar
E toda a gente e toda a gente tem medo de tocar
Estou triste
Muito triste
E nem o vento e nem o mar entram pela janela do meu olhar…

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

E o que são pássaros?

Entretenho-me sentado numa pedra a escrevinhar pontos de luz na paisagem adormecida e triste e cansada que desce a montanha e sobe o meu corpo até desaparecer no teto da saudade,
Entretenho-me a chamar os pássaros poisados nas árvores doentes no outono cortinado que suspende os sorrisos da manhã, e eu deixe de saber, quando os pássaros fingem voar e todos eles mortos junto ao rio, e eu entretenho-me sentado numa pedra, a escrevinhar pontos de luz e a desenhar marés no pôr-do-sol, e quando descem montanha abaixo as nuvens emagrecidas pela tempestade, eu, eu fico sem saber o que fazer, e não faço nada, entretenho-me a contar os pássaros,
- Hoje não pássaros para contar, queixa-se o meu corpo no ranger de ondulações e pontos de luz e lâmpadas abandonadas no contentor da despensa, na parede da cozinha o calendário despido com uma mulher despida, e sempre me recordo de ver a mesma mulher e sempre me recordo de ver os dias iguais abraçados a semanas iguais, e as horas,
E as horas engasgadas na penumbra chaminé da garganta do tejo, entretenho-me sentado numa pedra a escrevinhar pontos de luz na paisagem e a contar os pássaros.
- Pergunto, Pássaros? E o que são pássaros?
Pontos de luz que voam e se escondem nas coxas das palmeiras, pensava eu,
E pássaros não pontos de luz, e pássaros não rabiscos que brincam nas costas da maré até desaparecerem nos lábios das gaivotas apaneleiradas e que se passeiam junto ao Jerónimos,
- Pássaros, pensava eu, pontos de luz, e uma sombra desce vagarosamente as pálpebras do automóvel de luxo e em sorrisos e com sôfregos acenos nos candeeiros Filho vai uma voltinha?, Entretenho-me sentado numa pedra a escrevinhar pontos de luz na paisagem adormecida e triste e cansada que desce a montanha, e finjo que não oiço as vozes que acordam dos automóveis de luxo, e tropeço na pedra onde me sento e entretenho-me a contar os pássaros,
Confesso que não sei o que são pássaros,
- Pássaros, pensava eu, Vai uma voltinha filho?, e corria em direção ao tejo e deixava de sentir o chão debaixo dos pés, e imobilizava-me e fazia esforços desgovernados para perceber porque os pássaros me queriam comer, se eu,
Se eu tão pouco sabia o que eram pássaros, perguntava-me, O que são pássaros?,
- Pontos de luz embriagados no desejo de corpos que vagueavam nos jardins de Belém, e eu corria e eu corria até que percebia que o chão se tinha evaporado e eu sossegado dentro do tejo a contar pontos de luz e rabiscos no céu-da-boca de um paquete que regressava de Luanda,
Deixei de me entreter e sentar-me numa pedra a contar pontos de luz e a imaginar pássaros dentro de automóveis de luxo com voz de centeio ao cair da noite, e deixei de fumar cigarros e deixei de viver,
- Vai uma voltinha filho?, Filho da puta respondia-lhe eu enquanto assustava os pássaros poisados nos arbustos dos jardins de Belém, o rio começava a encolher sobre a toalha do jantar, a mesa abria os braços, eu abria os braços, e os pássaros, e os pássaros que ainda hoje não sei o que são,
- Os pássaros em coro de igreja a gatafunhar nas paredes do fim de tarde que me amavam,
E hoje, e hoje sem saber o que são pássaros, e hoje odeio os pássaros que Pássaros?, pensava eu, pontos de luz, e uma sombra desce vagarosamente as pálpebras do automóvel de luxo e em sorrisos e com sôfregos acenos nos candeeiros Filho vai uma voltinha?,
- Filho da puta respondia-lhe eu enquanto assustava os pássaros poisados nos arbustos dos jardins de Belém, Entretenho-me a chamar os pássaros poisados nas árvores doentes no outono cortinado que suspende os sorrisos da manhã, e eu deixe de saber, quando os pássaros fingem voar e todos eles mortos junto ao rio,
E sentado numa pedra entretenho-me a olhar os carros de luxo a evaporarem-se no nevoeiro quando os pássaros fingem voar e todos eles mortos junto ao rio…

(texto de ficção)

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

A minha vida

A minha vida
São linhas cruzadas suspensas na tela da solidão
Cores magoadas nas noites de tristeza
Quando abro a janela e nenhum sorriso à minha espera
A minha vida
A sombra complexa dos plátanos do outro lado da rua

A minha vida
Sem vida
Sem janelas
Nem telas
Nem cores…
A minha vida são linhas cruzadas suspensas na tela da solidão

Dois carris junto ao tejo
E um livro na mão

A minha vida
Sem vida
Sem janelas

A minha vida quando se transforma em maré
E engole os barcos da saudade
E mastiga os papagaios de papel das tardes de Luanda…
A minha vida
Maldita vida de linhas cruzadas
Numa tela vazia sem janelas sem portas com cores magoadas

A minha vida acorrentada às sombras do tejo
Numa esplanada amarrotada em copos de cerveja
E miúdas de minissaia que apressadamente galgam o vinte e oito
Desaparecem entre as nuvens da madrugada
Acordam na claraboia do sótão da primavera
E é assim a minha vida

Uma merda complexa disfarçada de plátanos
Do outro lado da rua
E uma esplanada amarrotada em copos de cerveja
Evapora-se no púbis do tejo

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

domingo, 18 de dezembro de 2011


59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

As tuas mãos transparentes

Sinto as tuas mãos transparentes
Quando poisam no meu rosto invisível
Sinto a tua voz
Amarrotada nos gemidos da noite
E se fixam aos meus lábios
Quando uma pétala de rosa
Voa sobre o silêncio engasgado da madrugada
E um rio solitário acorda em mim

E sinto as tuas mãos transparentes
Que chapinham no rio
As tuas mãos transparentes
Quando ancoram no meu peito de rocha cansada

Da tua voz
Os gemidos amarrotados da noite

Quando ancoram no meu peito de rocha cansada
As tuas mãos transparentes
E sinto
A tua voz
E sinto
As tuas mãos transparentes
Na vidraça do pôr-do-sol
Quando em mim se erguem os plátanos que leem poemas junto ao mar

O rio solitário esconde-se nas tuas mãos transparentes
E no meu rosto invisível
Sinto a tua voz
E no meu peito de rocha cansada
A vidraça do pôr-do-sol
Tomba na sombra dos plátanos

Que leem poemas junto ao mar

sábado, 17 de dezembro de 2011


59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

As arcadas da cidade

Despejo os dias no contentor de aço
Junto à porta de entrada do meu cansaço
Cozinho os dias na panela sobre o silêncio do mar
E o meu corpo que mergulha na algibeira da tarde
Entranha-se no vapor da solidão
Despejo os dias no contentor de aço
E mesmo lá no fundo sinto os olhos do abraço
Nas lágrimas do jantar agrafado às arcadas da cidade…
E numa rua sem saída
Os lábios dos dias despejados
E numa rua sem saída
Os dias cozinhados.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011


59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

Insónia da noite

Metade de mim uma árvore despida na saudade
E a outra metade
Um rio que deixou de correr para o mar
E se perdeu nas curvas da montanha

Metade de mim uma nuvem engasgada na manhã
Quando acorda a cidade
E a outra metade
Os silêncios da maré nos sorrisos da lua

Metade de mim um poema amordaçado
Escrito na insónia da noite
Quando sinto que na outra minha metade
Os teus lábios se abraçam e cintilam junto ao mar

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011


59,4 x 84,1 (desenhos de Luís Fontinha)

Árvores sombrias de maio

E corria como um pássaro nos corredores da loucura, abria a janela virada para o jardim imaginário e pintava o rio entre as árvores sombrias de maio, sentava-me e chapinhava nos sorrisos da água até me cansar, cansar-se o rio da minha mão, e corria como um pássaro nos corredores da loucura,
E abria a janela,
E pegava na minha mão,
Abria a janela e pegava na minha mão quando percebia que os lábios do rio fingiam beijos e as árvores fingiam sombras,
É noite,
E da janela, do outro lado do corredor da loucura, vinha até mim o prato de sopa vazio lançado por um louco mais louco do que eu, enormeee, e o louco sorria-me e abraçava-me nos aciprestes da memória,
E corria,
Os pássaros brincavam no corredor da loucura e penduravam-se nos olhos do louco, eu, eu cruzava os braços, eu descruzava os braços, e um parvalhão de cinco em cinco minutos a perguntar-me as horas,
- Que horas são?
Pensava eu horas de comprares um relógio na feira da ladra ou do relógio ou da puta que te pariu,
- Que horas são?
O doutor também ele louco agrafado à ombreira da porta a olhar-nos, e nós, nós a cambalear cabeças e braços nos pratos engraçados e poisados sobre a mesa,
O louco mais louco do que eu atira uma frase ao doutor também ele louco,
- Oh doutor… o senhor é mais maluco do que nós,
E o parvalhão a perguntar-me,
- Que horas são?
E que sim respondia o doutor agrafado à ombreira da porta quando pratos e talhares experimentavam voos curvilíneos sobre as árvores sombrias de maio, E corria como um pássaro nos corredores da loucura, abria a janela virada para o jardim imaginário e pintava o rio,
E o jardim imaginário estava-se borrifando para mim e para o louco mais louco do que eu e para o doutor também ele louco,
- Que horas são?
E igualmente para este parvalhão.

(texto de ficção)

59,4 x 84,1 (desenho Luís Fontinha)

Desenhos de um poema – Luís Fontinha

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011


59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

Jardim da saudade

Converso com as vozes
Que conversam comigo
E escrevo-lhes na calçada da noite
Sobre os lençóis de malmequer
No jardim da saudade
Converso com as vozes e oiço as árvores

Quando me sento no jardim da saudade
E desenho gaivotas nas folhas cansadas dos plátanos
E desenho as conversas das vozes
No sorriso do silêncio
Antes de adormecer
Sobre mim o ténue cortinado disfarçado de abraço

Que as vozes
Semeiam palavras na terra árida da minha mão
E se deitam na charrua de aço
Que corre que corre que corre para o mar
E dos rochedos perplexos e nos rochedos agoniados
Pelo cansaço da manhã

As vozes
Esqueletos travestidos de areia
Atravessam o limite da lua
E desaparecem entre os pingos sedosos da chuva
As vozes calam-se e alguém as censura
Dentro de um caderninho amordaçado no jardim da saudade

terça-feira, 13 de dezembro de 2011


59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

Fios de luz

Já desci
Até onde tinha de descer
Daqui sei que não passo…
Aqui
Aqui onde estou sentado
O olhar dos fios de luz rompe a escuridão
E vagarosamente poisa em mim
E já desci
Até onde tinha de descer
Que mais me pode preocupar?
Que já desci tudo o que tinha para descer
E não tenho a quem me abraçar…

84,1 x 59,4 (desenho de Luís Fontinha)

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011


59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

84,1 x 59,4 (desenho de Luís Fontinha)

Sonhos – Luís Fontinha

Retas paralelas

Sonhos…
Retas paralelas que se abraçam no infinito
Pedacinhos de cor
Que voam em direção ao pôr-do-sol
E caiem sobre a dor do oceano
Sonhos…

Retas paralelas
Suspensas nos lábios da noite
Retas
E sonhos
À conquista do infinito
E caiem

E caiem sobre o mar.

Jardim fantasma

Deixei de ter tudo
Na gaguez das palavras
No sofrimento de um poema

Deixei de ter tudo
E hoje sou apenas uma sombra
Prisioneira na janela

E cessaram as manhãs
Que me visitavam
E traziam-me as palavras e as cores do oceano
Depois de a noite mergulhar no jardim fantasma
Na cidade imaginária
Deixei de ter tudo

E percebo que nunca tive nada.

59,4 x 84,1 (desenho de Luís Fontinha)

domingo, 11 de dezembro de 2011

Compartimento dos sonhos

Vagueio miseravelmente no compartimento dos sonhos
E das teias de aranha da infância
Em Luanda
Pego no mar
E pinto-o na minha mão
Antes de acordar

Vejo-me sentado na marginal
Agachado na sombra de um coqueiro
À espera que o mar me venha buscar
Que o mar pintado na minha mão
Sorria para mim
Sorria sem me acordar

Vagueio miseravelmente no compartimento dos sonhos
E das teias de aranha da infância
Em Luanda
Pego no mar…
E um papagaio de papel
Poisa sobre mim e sorri

Sorri sem me acordar.

84,1 x 59,4 (desenho de Luís Fontinha)
Aos poucos corri com os amigos da minha vida,
Hoje, hoje limito-me a ouvir os pássaros e a olhar as árvores e a recordar uma calçada frente ao rio,
Aos poucos fiquei pendurado entre o silêncio e a noite, aos poucos, aos poucos desapareceram os sonhos… e sentado na solidão pinto o mar de Luanda nas minhas mãos.