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quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

A vida não é um livro

Era um tumultuoso vulcão com restos de cigarro no canto da boca, sabíamos que para lá do risco amarelo, nada, não existiam mais crateras onde podíamos pegar no ínfimo magma e transformá-lo em palavras, depois de solidificado
E às vezes, com o vento, o risco sofria pequenas oscilações, milímetros que podiam ser fatais para um texto de ficção, não escrito, preguiçoso, mentiam-nos quando nos diziam que não haviam mais
Depois de solidifico,
Palavras para escrever
E nós sabíamos que existiam milhares de buracos recheados de letras, algumas azuis, outras verdes, ortografia tricolor, e pontuações monstruosas, ensanguentadas, quando ouvíamos o choro incessante dos meninos encurralados junto às árvores de chocolate, pensávamos que
A vida é um conto de fadas, um poema, um lindo texto de amor,
Não, não é, e nunca o será
Um livro,
Um pequenino livro, lágrimas de prata, húmidas as mãos do poeta quando acaricia o corpo da amada secreta, impossível, imaginária, o mar entra nos corpos em combustão, e eles
Nós sabíamos que os cabelos eram falsificados, mercadoria isenta de IVA, cultura, o desejo taxado à taxa mínima, deserta, cambaleando os chinelos do velho Fernando pelo corredor da morte, inventavam-se lilases olhos com vermelhos perfumes de rosas de papel, taxada maximamente a velha sopa de feijão que sobejou da semana estragada, peço desculpa e emendo, da semana passada, felizes aqueles como nós, os cabelos falsificados de aço, quando saboreiam os pedacinhos de drageia que o doutor receitou apara tomarmos ao deitar
Um livro
Antes de adormecer,
E nós éramos felizes
É ou não é verdade?
Um livro, substituído por uma drageia, dispenso a sopa e fico com as coxas da Amélia, e em termos de IVA fico a ganhar, porque em tempos de crise é preciso poupar, e entre uma sopa taxada a vinte e três por cento e saborear as coxas da Amélia, taxadas a seis por cento...
Preferimos as coxas
Antes de adormecer,
Um livro, um pequeno livro disfarçado de cianeto,
Azul, os joelhos da amada invisível, nua, isenta de IVA, só minha, como os papeis de andorinha que voavam dias e dias no quintal de Luanda, e hoje, hoje
Preferimos as coxas
Antes de adormecer,
E nós sabíamos que os corpos mergulhados em mãos envoltas em poesia são como as ondas do mar, flutuam, e em ziguezague-zanga lá íamos a caminho de Viseu, parávamos em Castro Daire, um desvio em Carvalhais, S. do do Sul, para visitarmos o velhinho avô que ainda carregava às costas a mochila da primeira grande guerra, e conservava na algibeira do colete as mortalhas e a onça, depois, regressávamos à velhinha estrada até
Preferimos as coxas
Antes de adormecer,
Até que uns vultos nos visitavam, não sabíamos que Eram os tumultuosos vulcões com restos de cigarro no canto da boca, sabíamos que para lá do risco amarelo, nada, não existiam mais crateras onde podíamos pegar no ínfimo magma e transformá-lo em palavras, depois de solidificado
As gajas nuas com sabor a literatura,
Nós não sabíamos, minto, sabíamos que as laranjas são doces quando das mãos de uma deusa inspiração, nua, nossa, isenta de IVA, inventa palavras tricolores que dormem silenciosamente nas crateras dos vulcões apaixonados, o avô velhinho
Um livro
Antes de adormecer,
E nós éramos felizes
É ou não é verdade? Milhares de buracos recheados de letras, algumas azuis, outras verdes, ortografia tricolor, e pontuações monstruosas, ensanguentadas, quando ouvíamos o choro incessante dos meninos encurralados junto às árvores de chocolate, pensávamos que
A vida não é um livro.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó