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sábado, 28 de outubro de 2023

Do silêncio voz que te oiço

 Oiço a voz do silêncio

Que me traz a madrugada

Disfarçada de noite

Em noite ensonada

De nada

Amanhã um beijo nos teus lábios

Depois

Oiço a voz do meu relógio

Que me diz

Que me grita;

Amanhã são horas de sonhar.

 

Oiço a voz do silêncio

Dos teus lábios em palavras que recebo

Permitindo-me afoitar esta lareira

Nos intervalos de minha infame-glória

Viver acorrentado às primeiras lágrimas da manhã…

 

E dormir nos teus braços.

Azáfama das tuas mãos no meu rosto dorido

Às vezes triste

Às vezes sofrido

Quando oiço pela manhã

Quando recebo a noite…

A voz do silêncio,

 

Oiço a voz do silêncio

Que me traz a madrugada

Disfarçada de noite

Em noite ensonada

De nada,

Esta velha jangada

Em pedra lapidada

Durante a noite

Quando os nossos corpos se fundem

E formam a mais ínfima partícula do desejo

Da voz do silêncio

No silêncio de viver.

 

 

28/10/2023

terça-feira, 17 de outubro de 2023

Um outro amanhã



Chove,

São as lágrimas do teu sorrir,

São as pétalas do Outono em Inferno partir,

São o silêncio da manhã,

 

Chove,

São as sílabas das tuas mãos em meu ser,

São nuvens de açúcar letrado,

Chove,

São as palavras do meu escrever,

São o cardo,

São o sono…

De um outro amanhã,

De um outro viver.

 

 

17/10/2023

sábado, 14 de outubro de 2023

Vida


Talvez a vida tenha começado no espaço

Frio e escuro

Dizem eles

Os cientistas

Talvez a vida tenha vindo do espaço…

Mas eles dizem tanta coisa…

Que eu não sobrevivia aos primeiros meses de vida

E cá estou eu

Sentado numa cadeira

Em frente ao mar…

À espera

À espera de que o mar me leve

E a escrever parvoíces.

 

Talvez a vida seja apenas uma imagem

Reflectida no espelho da insónia

Talvez a vida tenha começado fora

Fora da Terra

E eu

Aqui

A queixar-me da vida.

 

Talvez a vida tenha começado na tua mão

Também ela

Reflectida no espelho da insónia

Também ela

Perdida em frente ao mar

À espera

À espera da minha vida

Da minha mão.

 

Talvez a vida tenha começado na minha rua

Em frente à minha casa

No número quinze

Terceiro esquerdo

Talvez a vida

Talvez a vida tenha começado no teu silêncio

Quando me olhas…

E nem bom dia me dizes

Talvez a vida…

Eles dizem tanta coisa…

 

Talvez a vida tenha vindo dos teus olhos

Também eles reflectidos no espelho da insónia

Que existem para me acordar

Que existem para eu contemplar…

Quando acorda a manhã

Quando se deita a noite nos teus braços

E dos teus lábios

Emerge-se a vida

A vida que começou no espaço

Frio e escuro…

 

 

14/10/2023

domingo, 1 de outubro de 2023

Ementa

 Pedra cinzenta

Isenta

Que lamenta

Ser cinzenta

Onde me sento e leio uma pequena ementa

Senta

Nesta pedra

Meu amor de água-benta

 

01/10/2023

O eu sofrido

 Sirvo-me e pergunto-me de que me sirvo

Se não há nada para me ser servido

Penso

E nada há para pensar

A não ser

Servir-me

Do que não me serve

 

Sirvo-me do quarto com serventia

Com acesso à casa de banho

Um par de sapatos

Que já não me servem

E servir-me daquilo que deixou de me servir

 

Sentado

Não me serve

Nem me serve o devido ser-me servido

No entanto

Penso

Que já nada me serve

 

Nem este pobre lenço

Que só servia para esconder baba e ranho

Não

Não me serve ficar sentado

Servindo-me disto e daquilo

Coisas que às vezes

Servem

Que outras vezes

Deixam de servir

 

E sirvo-me quando me pergunto

De que me serve tudo

Não me servindo nada

Não me servindo o pouco

Penso

Que não me serve pensar

Porque me cansa

Porque me faz chorar

Pensar

Que me sirvo

Não me servindo

Tão pouco sei se me posso servir

Desse pedaço de bolo

Que não me serve para nada

Apenas para saciar a minha fome

Que tem nome;

Serve-me por favor algo que ainda não tenha sido servido.

O sofrido servido do triste sofrido

O eu, o eu fodido.

 

 

01/10/2023

Instante

 Instantes que nos separam

Dos instantes constantes

Da vida em pequenos instantes

 

Do nada ao tudo

Até ao pequeno instante

Lua que acorda num instante

Morre no outro meio instante

E a alma que chora

No outro instante

 

Instantes que nos separam

Dos instantes constantes

Que a vida no dá

Que a vida nos tira

Num pequeno instante

 

Instantes que nos separam

Dos instantes constantes

Da vida em pequenos instantes

Nesta vida de instantes

 

 

01/10/2023

quarta-feira, 27 de setembro de 2023

Purpurinas

 Escondes no olhar

As purpurinas palavras de escrever

Do silêncio da manhã sem poesia

Escondes na mão o mar

Que não se cansa de viver

Viver a cada dia,

 

Escondes no olhar

A alegria que acorda no amanhecer

Enquanto no teu cabelo de vento

Um pedaço de luar

Está desesperado e com medo de morrer…

Quando a morte é apenas um verbo sem tempo

 

E sem tempo de acontecer,

Escondes no olhar

A tristeza que avassala a sanzala com lábios de amar

Escondes no olhar o medo de viver

Junto ao rio que pincela o luar

Junto ao rio de amar…

Com o medo de tudo perder.

 

 

27/09/2023

segunda-feira, 14 de agosto de 2023

Carta aos pássaros

 Podia desistir de tudo

Podia desistir de desenhar os teus olhos de mar

E os teus lábios de mel

Podia morrer

Podia não ser

Podia pensar não pensando em nada

E podia fugir

Como um pedaço de sucata

Em direcção ao mar

 

Podia desistir de tudo

Podia desistir de escrever na tua mão

Podia deixar de voar

Podia vestir-me de gaivota

Sentar-me sobre a ponte

E depois… pular…

Pular em direcção ao abismo

 

Podia ser pai

Podia ser árvore

E morrer na tempestade

E arder na fogueira

Podia ser

Podia não ser

Podia voar no teu cabelo

Podia desistir de voar no teu cabelo

 

Tanta coisa que eu podia…

(não desistindo)

 

Podia desistir de tudo

(não desisto)

Podia desistir de desenhar os teus olhos de mar

E os teus lábios de mel

(não desisto)

Podia morrer

Podia não ser

Podia pensar não pensando em nada

E podia fugir

Como um pedaço de sucata

Em direcção ao mar

(não desisto e não vou fugir).

 

 

 

14/08/2023

segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Prisão de feras

 

Esta prisão de esferas

De esperas

De encontros

E desencontros

Esta prisão de feras

Acorrentadas ao gradeamento

Da solidão

Esta prisão

De meras

Nuvens de espuma,

 

Na bruma

Cidade que o Diabo abençoou

Desta pobre cidade

Sem cabeça para pensar

Sem pensar enquanto a cabeça

Anda

Gira à volta do sol,

 

O dó

O pequeno dó

Da dor

Em dor

Ele

Completamente

Doente

E ausente,

 

Doí-lhe o dente

Que já não sente

A paixão

Que era ardente

E ardeu

Na fogueira

Junto ao rio “um dia será”

E antes de adormecer

Toma drageias em forma de cigarros,

 

Dorme docemente

O menino

Nos braços de sua amada,

Dorme

Docemente dorme docemente

O clitóris do desejo

Quando de um beijo

O menino e sua ausente

Amada que sente,

A porta

Abre-se

A janela encerra-se para sempre

Um gaiato vende mortalhas e afins…

E o cacilheiro que eu tinha de apanhar

Engasgou-se

Cento e doze em acção

E morreu

Enfarte

Enfarte de coração,

 

Estaria apaixonado

Pergunto eu

Pois segundo o meu professor de TH

O coração é a bomba mais perfeita que existe…

… e não foi construída pelo homem,

 

Dá que pensar, professor.

 

Então

O que é a paixão?

Se o coração é uma bomba,

Será a paixão um fluido?

E o amor?

Uma válvula

Qualquer coisa como um pequeno vedante

Uma porca

Um parafuso

Um fio eléctrico

E o raio do homem sem fuso

E sei lá eu… o meu nome,

 

O eléctrico

Avança

Rio acima

Agacha-se quando passa debaixo da ponte

Olha-a

(que linda estrutura)

Como se contemplasse o último sorriso do paraíso

E sem juízo

É agora maquinista da CP,

 

Um apito

Acorda do teu peito

Uma voz rouca com uma placa de identificação na lapela…

Grita-me

Olho-a

E odeio-a

Depois

Sempre aquele maldito rio

Que umas vezes o apelido de paixão

E outras

Muitas outras

De ranhoso

Incrédulo às mãos de Deus

Criador do parafuso

E da porca

E da broca

Que fura

A porta

E da outra porta,

 

Perco-me nesta prisão de esferas

De esperas

De espermas

De encontros

E desencontros

Esta prisão de feras

Acorrentadas ao gradeamento

Da solidão

Esta prisão

De meras

Nuvens de espuma,

 

Umas

Com cor e coração

E outras

Sem cor

Com comichão

 

Ergue-se

O morto desta cidade de enganos

Deste paraíso invisível

Onde se escondem as segundas-feiras da semana anterior,

E uma equipa de engenheiros…

Projecta as terças-feiras das próximas semanas,

 

Partindo do principio

Eles

Que a Terra não deixa de rodar

Que pare repentinamente

Travões ABS

Caso contrário

Adeus terças-feiras das próximas semanas,

 

Esta prisão de esferas

De esperas

De encontros

Espermas

E desencontros

Esta prisão de feras

 

E se eu pudesse escolher…

(se me pedissem para eu escolher “algo em que eu me pudesse transformar”, certamente, sem dúvida, queria ser um electrão)

 

Sou então

Um electrão

Prisioneiro de esferas

De encontros

E desencontros

Esta prisão de feras

Eu

O electrão

Com velocidade de aproximadamente trezentos mil quilómetros por segundo

Contra a parede

Fodeu-se o poeta,

O artista,

E todo o resto da cidade dos enganos,

 

Deita-se,

Dorme,

Deixa de saber quem é.

 

À meia-noite

Levanta-se

Grita

De pé;

(esta prisão de feras

Acorrentadas ao gradeamento

Da solidão

Esta prisão

De meras

Nuvens de espuma).

 

 

 

07/08/2023

Francisco

domingo, 6 de agosto de 2023

Estátua

 

Desce do pedestal

A estátua nua que o silêncio esculpiu na insónia

Desce nua

A estátua do pedestal

Sem braços

Sem cabeça para pensar

Sobe às árvores

Este livro

E estas palavras sem denominação social

Em baixo de

Sob ela

Este desenho

Esta tela,

 

Desce e sobe

Montanha abaixo

E rio acima

Daquele pedestal

Deste inferno de estátua

Sem braços

Sem cabeça para pensar

Pensar em quê

De quê

O pedestal rio acima

Abaixo de

Sob ela

Esta carta

Sem morada

Sem navegador,

 

Abaixo eles

Acima elas

Todas as estátuas de sono

Do pedestal granítico

Somítico o homem sem morada

Sem gestionário

Desta estátua

Deste pedestal

O correio-espelho

Da tua mão incendiada

Rua abaixo

Rua sem madrugada,

 

Desta montanha que as pariu

Nas estátuas que afoguentam as estrelas

De papel

Em cartão

Do pedestal colorido

Magníficos riscos sobre o chão

Curvas de sono

Sopros no coração

Desta estátua que desce

Do pedestal construído de suor

Ao decimo quinto dia da morte

Abre a mão

E escreve nos lábios;

Esta estátua não tem sorte.

 

 

 

06/08/2023