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sábado, 17 de dezembro de 2022

Um pouco mais de azul

 Nunca percebi a razão de o meu pai, um dia, em meados dos anos oitenta, oferecer-me um livro de Hubert Reeves, “Um pouco mais de azul”.

Pela capa fiquei fascinado, com uma fotografia do Universo.

Ora “Um pouco mais de azul” é uma viagem sobre Universo e a sua história.

E tantos anos depois, não entendo porque o meu pai, na altura, queria que eu aprendesse um pouco mais sobre a história do Universo e pelas mãos “do poeta do espaço”.

O Universo para mim é infinito, frio e muito escuro. Portanto será difícil ou quase impossível alguém ou algo, que apelidam de Deus, ser o responsável de tamanha beleza.

O Universo e a poesia complementam-se, são infinitos, belos e habita em ambos o fascínio pelo desconhecido.

Depois de o ler, não sei se fiquei com mais dúvidas ou certezas; certamente com mais dúvidas.

De onde viemos. Para onde vamos. Quem somos.

Faz sentido tudo o que nos rodeia?

E não será apenas a função dos seres vivos, nascerem, crescerem e morrerem?

Então para que nascemos?

Nascemos para sofrer?

E se eu pudesse conversar com o primeiro ser vivo que habitou a Terra, será que ele satisfazia todas as minhas dúvidas ou pelo contrário, ainda ficava com mais dúvidas…

Mas o meu pai queria que eu estudasse um pouco mais sobre o Universo, e “Um pouco mais de azul” não me satisfez todas as minhas dúvidas, pelo contrário, aumentou-as.

E hoje percebo que brevemente serei apenas pó.

Um pequeno grão de areia.

 

 

 

 

Alijó, 17/12/2022

Francisco Luís Fontinha

domingo, 4 de dezembro de 2022

Feitiço

 Um pouco mais de azul

Teus lábios em fino pergaminho

Que na minha boca é feitiço

Um pouco

De azul

Quando os teus olhos acordam da tempestade,

 

E transportas a tristeza nos ombros da madrugada,

 

Choras porque o Sol está triste,

 

Um pouco mais de azul

Teus lábios em minha mão

Quando o cansaço das flores

São o cansaço teu,

 

E de um pouco mais de azul

A flor que cresce no teu peito,

 

E ouve-se um grito,

Também ele azul,

Também ele… triste.

 

 

 

 

Alijó, 04/12/2022

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 30 de abril de 2020

Um pouco mais de azul


Naquela tarde, a saudade alicerçava-se ao sorriso e, este, convalescente do medo, dava a mão à solidão, os pássaros brincavam nas janelas do silêncio, saltitavam como pedras envenenadas por uma laranja de mau-gosto, o amor,

- amas-me?

Como sempre, poisada nas escadas do sótão, a caneta de tinta permanente, às vezes cansada dos versos sem nome, sublinhava na escuridão as sílabas que apodreciam no jardim lá de casa,

- Tenho medo,

Dizia-me ela ao acordar,

E, no entanto, as almofadas continuavam suspensas na janela do sótão com fotografia para a noite, descia os cortinados, sentava-se no colchão envergonhado pelo sémen e, nada, apenas o cheiro intenso do alecrim, um pequeno ramo que o afilhado tinha deixado pela Páscoa,

- O folar, apelidavam-no de poema inverso, desplante manhã de Primavera, entre a agonia de um dia e a tristeza da noite, velhinha, folgaz, teimosa nas camadas finas de poeira que assombravam os móveis,

Mesmo assim, ao deitar, preparava um beijo, flores amargas, sonolentas, que a faca da cozinha laminava como drageias no imenso clarão da cidade,

- O Padre,

Bom dia, bom dia,

Que horas são?

Incêndios entre corpos carnívoros pelo cansaço do sexo, é tarde, dizia ela, e o amar entrava sempre sótão adentro,

- Estou longe,

O ausente, camuflado homem das tristes sobrancelhas, rabugento, feliz pelas palavras das abelhas e, todas as marés anoiteciam no falso ouro das grandes avenidas que circundavam o sótão da saúde, tenho medo,

- Amanhã o Inverno será tardio, o feriado, um pouco mais de azul, na poeira que adocica todas as palavras do dicionário, como sempre, a saudade, o amor, a paixão,

- A paixão come-se?

Às vezes, meu amor, às vezes come-se; outras, bebe-se.





Francisco Luís Fontinha

30/04/2020