Mostrar mensagens com a etiqueta tristeza. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta tristeza. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Jardim sem estátuas

 Chego a casa

A casa está fria

A casa não tem gente

Chego a casa e apenas fotografias

Pequenos insectos

Velharias e livros,

Nada mais dentro desta casa.

 

Chego a casa

A casa está fria

A casa não tem gente

Chego a casa e apenas sombras

Memórias de outros tempos

Esqueletos invisíveis

Ossos,

Nada mais dentro desta casa.

 

Chego a casa

A casa está fria

A casa não tem gente

Como chocolate

E conto o número de pulsações por minuto

Dos ramos desta árvore a bater na janela

Supostamente superior às cento e vinte pulsações por minuto do meu coração

Esquecido neste jardim sem estátuas,

Nada mais dentro desta casa.

 

 

02/11/2023

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

Poema

 Faz das tuas lágrimas

Um presépio de luz,

Um jardim florido,

O meu jardim.

Faz das tuas lágrimas

Um poema,

O meu poema,

Um pedaço de mim.

Faz das tuas lágrimas

Uma equação,

Que eu consiga resolver,

Que eu com a minha mão…

Afugente o teu sofrer.

 

 

12/10/2023

domingo, 8 de outubro de 2023

Castelo

 

Sentamo-nos.

Suicidamo-nos com o fumo deste cigarro

Quando dispara sobre a manhã

A bala de prata.

Suicidamo-nos com as lágrimas do mar

E sentamo-nos nesta pedra cinzenta,

Velha,

Ferrugenta,

Sentamo-nos e suicidamo-nos pelo entardecer,

Junto ao rio,

Quando o teu corpo não se cansa de arder

E chorar,

O veneno que nos vai matar,

 

No verbo de escrever.

Sentamo-nos no chão com o odor do teu corpo,

Suicidamo-nos com as flores da Primavera…

Voamos para o castelo do silêncio,

Quando os teus lábios se transformam em pigmentos de luz…

Em pedacinhos de amanhecer,

E suicidamo-nos quando acordar o dia,

Quando o sol nascer,

E nos oferecer,

Ao pequeno-almoço…

Poesia.

 

Sentamo-nos.

Suicidamo-nos com o fumo deste cigarro,

Nutriente do meu corpo viver,

Sentamo-nos sobre esta pedra, esta pequenina pedra de veludo…

E suicidamo-nos com as primeiras lágrimas da manhã,

Nós

Sentados…

À espera de que o mar nos leve.

 

 

08/10/2023

quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Esconderijo do ódio

 Odeio-te no crepúsculo solar do dia

Odeio a tua voz

Os teus olhos

Odeio a tua boca

E as tuas mãos…

Odeio-te como sombra

Na palavra em sombra…

Odeio-te enquanto o dia

Não me traz a árvore do silêncio

Onde se esconde todo o ódio que te tenho…

 

 

28/09/2023

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

O tojo flor nas mãos de Deus

 Éramos o tojo

Nas mãos de Deus

Calejadas pelo silêncio de uma qualquer madrugada

Quando o poema desenha o seu orgasmo

Numa pequenina folha em papel

Fez-se luz

Acorda o dia

Abre a janela

Puxa de um cigarro

E pensa,

 

Fuma um dos pedacinhos do pensamento.

Éramos o tojo

A silva agreste nas mãos do agricultor

A fome e o frio

As vidraças todas partidas

Todas

E eles

Eram felizes

Com Deus o é.

 

Éramos o tojo nas mãos de Deus

Criador do Céu e da Terra

Da mulher e do homem

Das árvores e dos pássaros

Que voam

Sobre ti

Numa noite de Inverno

Junto ao rio

Debaixo do rio

O segredo imensurável da ausência.

 

Perdidos.

Eles.

Naquela triste escuridão

Dentro daquele malcheiroso quarto

Horrível

A janela para um jardim pobrezinho

Que nem pássaros tinha,

 

Perdidos

Perdidos de algibeira na mão

Perdidos no pão

E perdidos

Mesmo de louco-perdidos

Ou perdidos de louco

Sem saberem que a loucura é a saliva de Deus

E Deus…

Não o sei!

 

 

20/09/2023

Cidade perdida

 Não sei se me perdoarás de todas as merdas que te fiz

Mas era difícil ser diferente

Sempre fui diferente

Para ti

Não

(a merda de um filho nunca cheira mal…, disseste-me tantas vezes…)

Não e talvez sim

Quem sabe

Um dia

Eu voarei,

Sobre o teu cabelo ausente

No esplendor branco invisível

Que quando nascia o sol

Brilhava como uma rocha de mármore cinzento…

 

Depois…

Depois contávamos estórias de mentira

Eu, prometia-te

Tu, que estavas muito bem

Eu, mentia-te e que estava tudo bem

Tu, mentias-me que estava tudo bem

Quando

Nada

Nada estava bem.

 

Ausente sempre o fui

De mim

De ti

De todos

De toas as coisas visíveis e invisíveis…

Aí está

DEUS…

O teu deus

Pequenino

Mesquinho

Arrogante

Sim

Sim

Quando chovia… corríamos em direcção ao capim.

 

E éramos felizes

Felizes

(e falta-te aquele toque feminino da beleza)

O capim

Morreu com o estilhaço de uma granada

Tu

Estás no teu altar-mor e que não passas de uma foto

Nada mais do que isso

E eu

Procuro aquela cidade

A cidade do encanto

Do cheiro

Da terra quando cheirava a terra…

 

Queimada.

Não sei se me perdoarás

E tão pouco estou preocupado

Se perdoaste ou não perdoaste

De toda as merdas que te fiz

Quero lá saber de Santa Apolónia

Do Cais do Sodré

(e agora marchava)

Em direcção ao nada

À cidade perdida

No espaço

Na algibeira de um transeunte

Ausente

Sem ninguém…

E no entanto

Tudo perdoaste.

 

Tudo.

Coitado do magala

Escreve lágrimas em cartas sem remetente

Fotografa com o olhar todos os barcos que entram e saem da barra

E fuma compulsivamente qualquer coisa esquisita

E sabes?

Não interessa

Tu sabes tudo,

 

Um dia

Eu voarei,

Sobre o teu cabelo ausente

No esplendor branco invisível

Que quando nascia o sol

Brilhava como uma rocha de mármore cinzento…

 

 

 

20/09/2023

Luís

terça-feira, 19 de setembro de 2023

Sábado

 De todos os dias

Aquele dia

Daquele sábado

Daquela triste noite

 

Sem lua

 

De todos os dias

Aquele triste dia

Sem noite

Sem dia

Sem estrelas

Sem poesia

 

Tão triste

Aquele dia

Do outro qualquer dia

 

De todos os dias

O teu dia

Triste dia

Triste noite

Sem o dia

Sem a noite

 

De todos os dias

Um outro qualquer dia

Tanto faz

Todos os dias

São dias

Uns com dias

Outros

Perdidos nos dias

 

 

 

19/09/2023

sexta-feira, 15 de setembro de 2023

O Corvo

 Olho-te.

Poiso a minha mão no teu corpo

Como se fosse o dia a chamar a noite,

Lhe desse um beijo…

E partisse para o outro lado do rio.

 

Olho-te

Dentro deste infinito labirinto de saudade,

Dentro deste círculo de tristeza,

Olho-te sabendo que não me ouves,

E que estás longe,

E que voas…

Sobre o pinhal de Carvalhais.

 

Olho-te.

Poiso a minha mão no teu olhar,

Ao de leve,

Como se eu fosse um pedacinho de luz,

Olho-te

E perco-me na tua sombra estonteante,

Debaixo dos teus gemidos

Que se erguiam na madrugada…

E não terminavam nunca.

 

Olho-te

E sei que me olhas,

E sei que vês e sentes o meu rosto…

Impregnado nesta tela sem nome,

Dentro deste pincelado desejo…

De voltar a ver-te,

Tocar-te,

Sem que percebesses que te via,

Sem que percebesses que te tocava…

E olhava-te,

 

No eterno pigmento lunar

Das mandíbulas entre quatro parêntesis rectos,

Uma equação

E um punhado de nada,

 

(Olho-te.

Poiso a minha mão no teu corpo

Como se fosse o dia a chamar a noite,

Lhe desse um beijo…

E partisse para o outro lado do rio)

 

Olho-te

Fingindo que estou parente a mais bela lâmina de medo,

Quando percebo que lá fora, distante de mim,

Voas como um corvo esfomeado,

À procura do meu último poema.

 

 

 

Luís

15/09/2023

Partida

 Esqueci o teu nome

Esqueci o teu rosto

Nas lágrimas do meu rosto,

Esqueci o teu cabelo

Quando a tempestade do silêncio

O levou…

E ficaste sem cabelo,

Esqueci a cor dos teus papagaios de papel,

Esqueci as tuas mãos que poisavam nas minhas mãos…

Apenas recordo o meu último beijo,

E com os meus braços abraçados aos meus braços…

vi-te lentamente partir!

 

 

Alijó, 15/09/2023

Francisco

quarta-feira, 9 de agosto de 2023

Esconderijo do silêncio

 Podíamo-nos esconder dentro deste cubo de silêncio

Que alimenta a noite

E que da noite,

Levanta voo dos teus olhos de mar.

 

Morres-me quando as gaivotas fogem do teu olhar

E constroem sobre o prado verdejante

As primeiras lágrimas que a manhã vomita.

Embriagado seja

O sono

Quando me morres

Depois das pequenas coisas

Despertarem pela madrugada.

 

Morres-me quando dentro deste cubo de silêncio

Que se abraça à noite

Zarpar deste porto sem nacionalidade

Destas mãos que se cansam de viver

Nesta vida de enganos,

O meu teu corpo moribundo,

 

Esperando a morte,

Às vezes,

Desejando a morte,

Quando se esconde nos teus lábios de mel.

 

Morres-me quando deixo sobre este papel

As madrugadas das estrelas de cartolina,

Morres-me quando me alicerço à manhã…

E procuro na manhã,

O que nunca vou encontrar;

Um pedaço de chocolate com sabor a saudade.

 

 

 

09/08/2023

domingo, 6 de agosto de 2023

Cidade portuária

 

Nesta cidade portuária

Perco-me abraçado aos barcos

Sucata

Barata sucata

Amontoado de aço

Abraçadeiras de sombra

Parafusos de saudade

Desta cidade

Portuária apenas no nome

Que não come

Que tem fome

Que fode

Todos os nomes,

 

Alvorada.

O barco masturba-se nos silicatos invisíveis do prazer

E uma árvore morre

É porque lhe roubaram o tesão

A saudade

As palavras com que escrevia

Não escreve

Agora voa

Agora,

 

O que seria

Se ele fosse aquilo que sentia

Que muitas vezes

Às vezes

Sofria

Chorava pequenas lâminas de aço

Aparas

Simples aparas

Esquecidas na plaina,

 

Nesta cidade portuária

Perco-me abraçado aos barcos

Sucata

Barata sucata

Amontoado de aço

Abraçadeiras de sombra

Parafusos de saudade

Desta cidade,

 

Estes meus barcos

Sucata

Aço disfarçado de sono

E se o senhor te perguntar quantos anos tens…

Tenho cinco,

Quantos anos tens, menino?

Seis…

E com as duas mãos

Desenhava o número seis num qualquer quintal da saudade,

 

Morriam, aos poucos, os barcos,

De sucata em sucata

Via aqui o fígado do meu barco (A)

Um pouco à frente

Junto a uma curva

Lá estava ele

O estômago do meu barco (X)

E assim vou

E assim ando

Em contagem

Dos órgãos e ossos

De todos os meus barcos perdidos,

 

Nesta cidade portuária

Perco-me abraçado aos barcos

Sucata

Barata sucata

Amontoado de aço

Abraçadeiras de sombra

Parafusos de saudade

Desta cidade.

 

(e todos os dias, me morrem barcos).

 

 

 

Alijó, 06/08/2023

Francisco Luís Fontinha

Monstro

 Acorda o monstro

Acorda o monstro insensível

Sem atitudes

Às vezes

Tantas vezes

O Tolo,

 

Dorme o Tolo

Enquanto um outro Tolo

Acorda

Veste-se de monstro

Sem atitudes

Sem nada

Às vezes

Tantas vezes

Sem madrugada,

 

Acorda o monstro

O Tolo monstro

Insensível

Desarrumado

Suspenso numa árvore

Também ela

Invisível

Como o Tolo

Do monstro,

 

Acorda o monstro

Adormece o Tolo

Depois o monstro

Pede ao Tolo

O silêncio e a solidão

Ergue-se então

O Tolo monstro

Quando o monstro

É o Tolo

E o Tolo

Nada mais de que um insensível

Desarrumado

Que voa sob os telhados de vidro.

 

 

 

06/08/2023

sábado, 5 de agosto de 2023

Equação

 Preso, neste edifício de cátedras,

Liberto, desta equação de insónia,

Morto, neste silêncio de luz,

Preso, nas tuas mãos,

Acordado, depois de cair a noite,

Depois…

Ergo-me,

E mato-me nos teus olhos.

 

Preso, às negras sombras do teu cabelo,

Medronho, pequena flor em papel,

Morto, dentro desta invisível caixa de sono,

Que me liberta,

Liberto, das pedras cinzentas onde me sentava,

Quando preso,

Preso, e sem asas,

Afundo-me,

E morro.

 

 

05/08/2023