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quinta-feira, 26 de outubro de 2023

Nos teus lábios

 Aos poucos, a mesa ficou vazia,

Aos poucos, a casa ficou vazia,

Tal como eu, só…

Aos poucos, davas-me a mão,

E aos poucos,

A mesa voltou à azafama de outros tempos,

E a casa,

Novamente em alegria.

 

Aos poucos, pensava que enlouquecia,

Aos poucos, acreditava que era impossível voltar a voar…

Aos poucos, com a tua mão,

Aos poucos me fui erguendo,

Aos poucos tropeçando…

E hoje és o meu poema e a minha canção…

Aos poucos vou desenhando sorrisos na manhã,

E escrevendo beijos nos teus lábios.

 

 

26/10/2023

domingo, 15 de outubro de 2023

Sem tempo o vento



Desiste do tempo

Enquanto tens tempo

Insiste no tempo

Do tempo sem tempo

Desiste do vento

E do tempo

Sem vento

 

Desiste do tempo

Desiste do vento

Desiste da tempestade que traz o vento

E leva o tempo

 

Desiste do tempo

Quando o tempo se esconde na madrugada

Sem tempo

Coitada

Coitado é do vento

Que corre

Corre

E nunca tem tempo

Para nada.

 

 

15/10/2023

terça-feira, 19 de setembro de 2023

Sábado

 De todos os dias

Aquele dia

Daquele sábado

Daquela triste noite

 

Sem lua

 

De todos os dias

Aquele triste dia

Sem noite

Sem dia

Sem estrelas

Sem poesia

 

Tão triste

Aquele dia

Do outro qualquer dia

 

De todos os dias

O teu dia

Triste dia

Triste noite

Sem o dia

Sem a noite

 

De todos os dias

Um outro qualquer dia

Tanto faz

Todos os dias

São dias

Uns com dias

Outros

Perdidos nos dias

 

 

 

19/09/2023

segunda-feira, 18 de setembro de 2023

A esta hora

 A esta hora milhões de coisas acontecem

Milhões de corpos se saciam na sombra do desejo

Milhões de pássaros

Voam sobre o mar

A esta hora

Milhões de coisas acontecem

Milhões de estrelas morrem

Milhões de estrelas nascem

Milhões de coisas

Ou coisas de milhões alguns

Milhões de luas

Milhões de planetas

De cores em milhões

 

A esta hora

Milhões de beijos acordam

Milhões de bocas comem

Milhões de olhos choram

A esta hora

Milhões de tostões

Que roubam a hora do milhões

A esta hora

Milhões de mãos se entrelaçam

Milhões de casas dormem

Milhões de casas acordam

A esta hora

 

Milhões de crianças sofrem.

 

 

18/09/2023

Francisco

sábado, 8 de julho de 2023

Coisas



Há quanto tempo

Há quanto tempo tantas coisas

Que já nem sei…

Há quanto tempo

As coisas

São coisas,

 

Há quanto tempo

O Sol não acorda de manhã

Há quanto tempo

O desenho de um abraço

Não cresce na minha tela,

 

Há quanto tempo

Há quanto tempo a Lua se veste de tristeza

E a tristeza

Se pigmenta de Lua,

 

Há quanto tempo

Há quanto tempo não desenho um sorriso no mar

Há quanto tempo

Há quanto tempo não consigo sonhar.

 

 

 

08/07/2023

Francisco

sábado, 8 de abril de 2023

Tempo de te amar

 Não tenho tempo

Nem pressa que regresse o tempo

Não tenho pressa do tempo

Tão pouco que as palavras do tempo

Morram nas mãos do vento

Sem tempo.

 

Não tenho pressa

Nem tempo antes da pressa

Que no poema nasça e cresça

O delírio da loucura

Que entre tempos

O de ontem

E o de amanhã

Me venham dizer

Olhe… desculpe…

Não tivemos tempo

Não tenha o senhor pressa!

 

E se o tempo me convidar

Se eu tiver tempo

E não tiver pressa…

Talvez

Talvez amanhã consiga respirar

Talvez amanhã eu tenha tempo

Todo o tempo

O tempo de te amar.

 

 

Francisco

08/04/2023

quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

O relógio de parede

 

Em minha casa

Suspenso na parede da sala de jantar

Também existiu um relógio de parede

Em muitas casas

Existe um relógio suspenso na parede

 

Habituei-me a ouvi-lo

Noite e dia

Dia e noite

A cada quinze minutos

A lenga-lenga (hino de nossa senhora de Fátima)

 

Morreu o meu pai

Ficou o relógio

E aos poucos

Sem percebermos

O dito foi parando

 

Dava horas não uniformes

Conforme lhe dava corda para caminhar pela noite e parede

(ficou rabugento, sonolento e muito parvo)

Depois

A minha mãe foi embora

Deixei de dar corda ao relógio

 

Hoje

Continua suspenso na parede

Como se fosse uma tela recheada de rabiscos

E agora dá-me sempre o mesmo horário

Não tenho a certeza de nada – mas sei que duas vezes por dia ele mostra-me as horas correctas.

 

 

 

Alijó, 07/12/2022

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

A voz da razão

 

Com o tempo, tudo passa,

A saudade,

A saudade não passa,

Passa a morte,

E passa a sorte,

 

Com o tempo, tudo passa…

Passa a solidão,

Passa,

Tudo passa,

Passa a voz da razão,

 

Com o tempo, tudo passa,

Passa o Inverno,

E passa o Verão,

Tudo passa,

Com tempo, o tempo da paixão.

 

 

Alijó, 24/11/2022

(Francisco)

domingo, 20 de novembro de 2022

O poço da morte

 Pegavas na minha mão, com o olhar, desenhávamos pequenos círculos de sono no quintal, à nossa volta, não, ainda não tínhamos inventado a paixão, apenas um qualquer retracto que ainda hoje anda lá por casa, e para te identificar, necessito de viajar até ao mais profundo silêncio marinho, e aí sim, andas por aqui com o mesmo vestido branco, com um pequeno laço na parte traseira e calças as mesmas sandálias; e cinquenta anos depois, ainda guardo as nuvens soltas ao vento que o teu cabelo descrevia sobre mim.

Brincávamos como se não houve mais amanhã, como se o tempo tivesse parado debaixo das mangueiras, e hoje, as mangueiras já não são mangueiras, e tu, tu já não és tu, e eu, e eu já sou eu,

Dormíamos a sesta,

Ouvíamos os sons melódicos de um pequeno rádio a pilhas, e depois lançávamos sobre as sombras dos coqueiros as cordas invisíveis que nos prendiam à terra de onde brotamos e hoje, eu e tu, desconhecemos porque partimos; e ouvia-te silenciar no escuro da tarde – um dia casamos.

Brincávamos enquanto a noite se entranhava na primeira sanzala das tristes madrugadas, e hoje dou-me conta que o velho que transportava o tempo, e diga-se que por tempo entenda-se por dias, horas, segundos, minutos, um dia, outro dia, amanhã, ontem, Sábado, Domingo, e o velho Domingos, numa tarde de insónia, tropeçou junto ao Mussulo e a caixa do tempo caiu sobre a areia e o tempo num pequeno sorriso de vaidade, morreu. Hoje, a noite é o dia, o dia é a noite, a tarde passou para a manhã e esta para a tarde, e quanto a um dia

Um dia casamos,

Perdeu-se enquanto uma gaivota faminta poisou sobre o loiro cabelo de nuvem adormecida que debaixo das mangueiras brincava às mães e aos pais, e sabíamos que brevemente um barco no levaria até às trevas das flores de papel.

Pegavas na minha mão, com o olhar, desenhávamos pequenos círculos de sono no quintal, à nossa volta, e anos mais tarde, sentado junto ao Tejo, enquanto conversava com um velho cigarro em desejo, contava os barcos que entravam e saiam; num deles um miúdo acenava-me, e hoje sei que o velho que fumava cigarros junto ao Tejo e me acenava, era eu.

Um dia serás mãe, avó, a celulite entrará em ti, e dos fios com que eu puxava o mar e que tu sabias tão bem arrumar no bolsinho do bibe, poisam hoje sobre o meu peito. E despedimo-nos numa tarde junto ao mar,

E procuro-te neste velho retracto, e percebo que o avô Domingos mesmo depois de morrer ainda se faz passear pelas ruas de Luanda, puxando o velho machimbombo e às costas transporta a caixa do tempo. Hoje, não tenho tempo para recordar a tua mão que poisavas nos meus olhos e fazias-me acreditar que os papagaios em papel, um dia, um dia voavam…

Sempre um dia. Sempre um dia.

O meu pai, não muitas vezes, levava-nos a ver o poço da morte, diga-se que nunca tive nem tenho paciência para qualquer tipo de desportos, mas fascinavam-me os círculos de luz que que um rapazote em cima de uma motorizada deixava ficar na minha boca; e ela timidamente dizia-me que um dia…

Um dia, virá a morte, um dia, virão as roupas e os caixotes em madeira que deixamos ficar junto ao mar, e um dia, não sei qual, um dia voarei nos teus olhos, que dormem neste velho retracto e que já não recordo o teu nome.

Hoje, mais de cinquenta anos, sentado numa cadeira de vime e de cigarro ao canto dos lábios, conto os velhos cacilheiros que levam amontoados de corpos para a margem Sul; perdi-me numa noite de neblina.

Deixei de contar os barcos.

Deixaste de pegar na minha mão.

E o capim revoltado sorria-nos em silenciados sorrisos que hoje apenas existem neste retracto, e não percebendo porque a noite é sempre triste, procuro a tua mão enquanto à tua volta, bonecos, carrinhos, brincam de mãos entrelaçadas até que a tarde se extinga junto ao mar.

 

 

 

 

 

Alijó, 20/11/2022

Francisco Luís Fontinha

sábado, 25 de junho de 2022

Sono transverso

 

Não tínhamos dentro de nós

O sono transverso do silêncio,

Não tínhamos o pão,

Não tínhamos as palavras que hoje semeio…

Não tínhamos nada,

Não tínhamos medo.

 

Não tínhamos as lágrimas que hoje crescem

Sob a sombra infinita da solidão,

Não tínhamos as nuvens,

Não tínhamos este rio que nos abraça,

Que nos beija,

Não tínhamos estes velhos

 

E cansados socalcos.

Não tínhamos o desejo

Que habita nesta insignificante pedra,

Não tínhamos o vento

Que nos embala…

Não tínhamos uma espingarda

 

Que disparasse o prometido pão.

Não tínhamos a fome,

Não tínhamos a lareira que o corpo consome,

Não tínhamos nada…

Não tínhamos tempo

Que hoje nos enforca,

 

Que hoje nos levanta

Deste chão envenenado.

Não tínhamos o poema,

Não tínhamos os livros que hoje temos…

Não tínhamos a espingarda,

Não tínhamos o texto embriagado

 

Pelo cansaço da manhã.

Não tínhamos as lágrimas,

Não tínhamos o silêncio

Das eiras em construção;

Não tínhamos nada,

Nada que hoje temos.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 25/06/2022

terça-feira, 8 de setembro de 2020

A velha cidade da saudade

 

Sento-me.

Nesta pedra cansada, o tempo voa,

Bate, hoje, a saudade.

Sento-me. Sei que o fumo do meu cigarro

Vai em direcção ao mar, onde brincas,

Nas cinzas da saudade.

O regresso.

A viagem sem destino, partida-chegada,

Embarque de transeuntes envenenados pela saudade,

Como tu,

Como eu; ausentes.

O teu nome escrito na pedra,

Onde me sento,

Me deito,

Nas pálpebras da janela do quarto.

Horário morto,

Cadáver saqueado pelo tempo,

Cintilações de prata,

Na algibeira,

O sem-abrigo,

Na madrugada,

Suspenso pelo pescoço,

E, sem cabeça.

Deus. Vem em tua ausência,

Da boca a flor madrugada,

Sem palavra,

Sem nada.

A grava. Torta.

O casaco roto, magoado pelo silêncio adormecer,

Quando as nuvens se recolhem na tua mão,

Quando todos os alicerces da cidade,

Ardem; e o tempo nunca esquece a saudade.

A vaidade. Palavras escritas sobre a lápide de mármore,

Dizeres que só eu percebo,

Os escrevi, desenhei no teu peito

O cabelo desorganizado, triste, cansado.

No amor, a saudade.

Vive-se assim, aqui…

No ontem,

Hoje.

Amanhã. Dia triste para recordar mortos,

Cabeças,

Trapos.

Vive-se, assim, aos poucos, nesta velha cidade.

 

 

Francisco Luís Fontinha, 08-09-2020

domingo, 12 de agosto de 2018

Ausências


O tempo não passa.

O tempo é uma ameaça, um rio sem nome,

Escondido na minha infância.

 

Mãe, tenho fome,

Sinto o vento na tua lápide imaginária…

No fundeado Oceano,

De pano…

 

Mãe, me aquece antes que adormeça,

E esqueça,

O telefone,

Que não me larga,

Durante a noite,

A desgraça,

 

Os ossos envenenados pelo tédio da esplanada mal iluminada,

O empregado,

Coitado,

Cansado…

Já não me atura,

Foge,

Mistura,

O tabaco com outras substâncias, folhas mortas, ausências…

 

O tempo não passa, mãe.

 

E sinto constantemente, em mim, esta miséria,

Que me alimenta,

Mente,

Como um Planeta adormecido,

Senta,

Senta em mim as sombras das tuas lágrimas.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 12/08/18

terça-feira, 15 de agosto de 2017

Palavras em lágrimas


Porque choram as palavras, meu amor!

 

Neste silêncio cubículo guardo o meu corpo embalsamado pelo tempo,

Sinto o abraço das palavras tristes quando as lágrimas da paixão brotam do sorriso sol,

Sento-me no teu colo, beijos incandescentes nos teus lábios em flor…

Me resigno enquanto me é permitido,

Fujo de ti, escondo-me numa esquina de luz em ciúme,

E tenho na mão direita o fogo do teu peito,

A morte vem, oiço-a na montanha branca onde habitam os teus braços cansados,

E sei que as palavras choram, por ti, por mim, meu amor…

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 15 de Agosto de 2017

sexta-feira, 23 de junho de 2017

Nascer no tempo… no tempo de sofrer

Não vou ter tempo para desenhar o tempo no silêncio da noite teu corpo,
Não vou ter tempo para semear nas tuas cochas o mais belo poema de amor…
Porque não sou poeta,
Porque não sou desenhador,

Não vou ter tempo para ver o nosso filho escrever no pavimento térreo do quintal,
Porque nem sequer temos um filho,
Porque nem sequer temos um quintal,

Não vou ter tempo para acariciar a chuva miudinha que se entranha no teu cabelo,
Não vou ter tempo para ir à lua e trazer-te um beijo…
Porque sendo astronauta não tenho esse desejo,

Não, não vou ter tempo!

Não vou ter tempo para te desejar,
Não vou ter tempo para no teu corpo brincar…
E juntos, sem tempo, olharmos o mar,

Não vou ter tempo para muito viver,
Já muito vi sem querer…

Não, não vou ter tempo!

Não vou ter tempo para escrever,
Tempo para amar,
Tempo para ver nascer…
Nascer no tempo… no tempo de sofrer.


Francisco Luís Fontinha
Alijó, 23 de Junho de 2017