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quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

O assassino de telas

 

Conheci o Alfredo numa noite de copos e charros, conversávamos de literatura e poesia, e logo que o olhei percebi que além de estar todo vestido de negro com uma estrela branca no peito, era tímido.

No final da noite levei-o para casa, acomodei-o e dei-lhe comida, e quando o questionava sobre este ou aquele assunto, o Alfredo apenas me respondia que sim ou que não, e confesso que me é muito difícil conversar com alguém que quando questionado apenas responde, sim ou não.

Às vezes, acordava maldisposto, muito triste, mas sempre pensei que se devia ao facto de ele estar ausente da família e daqueles que amava.

Nunca percebi a tristeza do Alfredo.

Hoje, enquanto assassino telas em branco com os riscos de merda que lá coloco, o Alfredo olha-me como se me estivesse a dizer…

Oh meu rapaz, deixa-te de pincelares e assassinares telas porque não tens jeito nenhum para isso,

E quando olho as telas assassinadas por mim, percebo que o Alfredo tem toda a razão.

O Alfredo é um gatinho, é invisível e todas as noites me visita enquanto eu assassino telas e folhas de desenho.

Coitado do Alfredo; ter que conviver e coabitar com um assassino de telas e de folhas de desenho.

 

 

Alijó, 12/01/2023

Francisco Luís Fontinha

(ficção)

terça-feira, 4 de outubro de 2022

Quando tudo arde

 

Enquanto tudo arde,

As minhas palavras são assassinadas,

Enquanto tudo arde,

As minhas telas… também elas, ardem,

 

Enquanto tudo arde,

O sono transforma-se em insónia,

A paixão…

A paixão também arde,

 

E pego nas cinzas,

Semeio-as nas encostas do Douro,

Sento-me sobre este rio…

E também eu, sinto-me em chamas,

 

E espero que a noite me leve.

Enquanto tudo arde,

As minhas palavras,

As minhas telas… morrem.

 

 

Alijó, 04/10/2022

Francisco Luís Fontinha

sábado, 5 de fevereiro de 2022

Pedaço de mundo submerso

 

Quando o corpo se deita na tela, uma voz em pequenos murmúrios e gemidos abraça-se às pinceladas manhãs de Primavera. A tinta, as tintas, o pincel, todos são o coração ensonado da imagem sombreada das lâminas do desejo. A fotografia ergue-se como se erguem todas as crianças quando ouvem a voz da mãe; o filho perfeito, esse espaço entre a noite e o dia, não existe. As cores são a saudade, quando a mão do artista acaricia esse corpo de luz e sombra, quando o artista os olha

E nada como um pequeno beijo junto ao mar.

Todos os barcos, todas as cores, dançam agora sobre a tela inanimada, quase a desfalecer; a morte ocorre quando o artista dá por concluída a sua obra; mas será que a obra fica assim, tão simplesmente, concluída? A obra é como um filho, só fica concluído quando morrer e, transforma-se em pó.

As mãos, alicerçam-se aos lábios da tela, o cavalete espreita pela janela e percebe que a tempestade se aproxima, que os barcos estão a regressar rapidamente a terra, neste caso, à tela. O artista, chora. O corpo, suspenso na tela, vacila e, percebe-se que existem pequeníssimas gotículas de suor; a pele absorve as cores primárias, cerras os olhos e liberta um uivo de silêncio.

Assim, a tela entre pequenos gemidos e outros tantos sons inaudíveis, encosta-se às mãos do artista, rodopia em sentido anti-horário e, desce até às profundezas do abraço. Alguém me sabe dizer o que fazem as mãos do artista quando a obra termina? Nada. São os olhos da arte.

Sentem-se as fugazes candeias, quando dentro do atelier uma parcela de luar ilumina o corpo terminado, pronto a ser vendido. O artista constrói corpos para venda e, quem comprar os corpos construídos pelo artista, através das mãos, olha-os. O submundo das profundezas mais esguias, carrega no peito o cansaço do dia, carrega nas mãos, os olhos do amanhecer, quando ainda todos dormem, mesmo os corpos mais preguiçosos deitados na tela.

A tela é um monstro que se alimenta do corpo, pequenas cores misturadas numa tarde de Inverno e, sabendo que todos os corpos são desprovidos de lábios, aqui podemos dizer que o beijo é proibido. O sagrado desejo, quando a mão, um dos olhos da tela, desliza até encontrar as coxas envenenadas numa tarde de silêncio, assim, percebe-se que os dias, que as noites, que tudo, que nada, fazem sentido nesta tela imaginária que é a vida.

Se a vida são cores em movimento numa tela nua, branca, suspensa num cavalete, o exercito de pinceis e espátulas são o criador Deus quando acordou ao terceiro dia. Os mandarins da insónia poisam sobre a minha sombra desejada por uma sombra de medo, ao fundo, lá longe, um pequeno cardume de peixes em papel colorido, aproximam-se e, todos, devoram-me, restando depois, uma tela nua e vazia.

Como sempre, existe dentro de nós uma tela nua, vazia, recheada de medo. E este pedaço de mundo submerso, alimenta-se das palavras que o poeta vomita sobre os corpos deitados na tela; ninguém percebe o desejo do artista, quando com um punhado de pinceis e algumas espátulas, transforma o branco em corpos, com asas, que voam em direcção ao mar, e o mar nunca será um filho de Deus.

As mais belas canções de uma infância entre lápis de cor e bolas de plasticina, e depois do lanche, um papagaio colorido mergulhava no cacimbo solidão de mais uma tarde junto às mangueiras.

E este pedaço de mundo submerso, ergue-se entre os rochedos e os corpos pincelados na tela.

 

 

 

Alijó, 05/02/2022

Francisco Luís Fontinha

domingo, 5 de abril de 2015

O triste silêncio das âncoras de prata…


Não sei a quem pertencem os teus olhos

Esboçando sombreadas canções nos meus braços

A luz incendeia a noite em despedida

Não sei a quem pertencem

Os olhos

As cidades

E os distantes lugares

Dos teus lábios

Lábios

Em chamas

Sinto as nuvens nos meus ombros

E tenho nas pálpebras

As húmidas manhãs de Primavera

Os olhos

Não sei

Como às palavras roubadas

Enquanto os pigmentos da paixão

Alicerçavam as cordas da prisão

O cais

O teu corpo fundeado em mim

Respirando as sílabas do primeiro encontro

O cruzamento

A estrada da vida congestionada

E os olhos

E as palavras

Lábios

Em chamas

Esboçando…

Clarabóias de medo

Nas frestas do silêncio

O amor

A solidão vestida de amor

Lá fora

Os olhos

Numa fotografia de família

Os pais

Os irmãos

E

E os olhos

Lá fora

Nas palavras

Sempre as palavras dos teus seios

Nas rodas dentadas do desejo

A claridade das tuas coxas

Os olhos

A boca

O sémen estampado numa tela

Branca

Negra

A noite

Vens

Desces os socalcos do prazer

Despes-te e danças para o espelho da melancolia

E o amor

Vens

Despes-te

Nos olhos

Dos olhos

O poema brincando na tua pele de madrugada

Acabada de nascer

Apagam-se as personagens dos versos

Ficam na tua roupa

Como cadáveres de espuma

Fingindo orgasmos

E Domingos num parque infantil

Brincando

Nos olhos

Os olhos

Nas palavras

E nos destinos mais escondidos da tua mão…

As cidades respiram

Meu amor?

As cidades sentem no corpo

As melódicas canções do poema

Meu amor?

O papel inanimado sobre a secretária do pensamento

Os fósforos pontapeando pedaços de lágrimas

Contra o copo de uísque

Sem nome

O corpo da cidade

Dói-lhe

Menina?

Os livros acorrentados ao teu cabelo

E as serpentes do luar

Dentro de quatro paredes

As janelas onde poisas o queixo

No meu colo

A tua cabeça de diamante

Não lapidado

O sorriso

O sorriso apaixonado de uma vogal

E da cidade

As tristes âncoras da morte

És

Meu amor…

O triste silêncio das âncoras de prata…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 5 de Abril de 2015

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Falsa memória nos braços da paixão

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


A mentira dos homens
mergulhada na falsa memória,
a solidão das palavras,
escritas e semeadas,
nos longínquos corredores da insónia,
o imperfeito corpo do espelho que alimenta a paixão...
em pedaços,
tão pequeninos... como grãos de areia em pleno voo matinal,
as telas amordaçadas que habitam a minha casa, ardem,
sinto o fumo de néon quando pego numa caneta,
tenho uma carta para escrever...
mas,

mas mergulho na falsa memória,
sem destinatário,
sem remetente...
tão sós...
o subscrito,
e a folha de papel oferecida por um pindérico pássaro de cigarro nos lábios...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 15 de Janeiro de 2015