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sábado, 23 de setembro de 2023

Fotografia

 Tenho saudades do mar

Meu amor

Tenho saudades do mar

E dos teus braços que me seguram

Para eu não ir com o mar

 

Tenho saudades do mar

Meu amor

Tenho saudades do mar

E das palavras do mar

Meu amor

E saudades

Dos segredos do mar

 

Tenho saudades do mar

Meu amor

Tenho saudades dos teus beijos

Roubados ao mar

Tenho saudades das tuas mãos

Poisadas no meu rosto… de mar

 

 

23/09/2023

domingo, 27 de fevereiro de 2022

Silêncio no teu olhar

 

Silêncio no teu olhar

Menina das flores desenhadas,

Saudades do mar

E das palavras abraçadas.

 

Menina do meu luar,

Descendo a calçada,

Menina dos beijos de beijar,

Enquanto dorme a madrugada.

 

Silêncio no teu olhar

No poema adormecido,

Silêncio de amar,

 

Amar o verso encantado.

Menina do poema perdido,

Perdido no meu corpo envenenado.

 

 

Alijó, 27/02/2022

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

De ti, sem ti.

 

Sem ti, das saudades de Luanda.

O menino que tropeça na sombra das mangueiras,

E, em cada fim de tarde,

O abraço imaginário do “chapelhudo”.

Caía a noite sobre ti,

E, dentro da sonolenta dor, os papagaios em papel colorido,

Que voavam em direcção ao infinito.

Guardo de ti, todas as fotografias,

Todas as palavras, escritas, não escritas,

Sobre um corpo moribundo.

O mar,

Lá longe, os braços do mar,

Corrupiando sobre a maré dilacerante do nada,

Tinha medo, da “lhá”,

Ouviam-se os gritos melancólicos dos mabecos,

Esfomeados pelo sono do desassossego,

E, no entanto, eram tão queridos, como o são todos os animais…

Sem ti, das saudades de uma Luanda assassinada por um dia de Verão,

Na algibeira, as pequeníssimas côdeas de saudade,

Descendo a calçada,

Sentava-me no chão, pedia à sombra das mangueiras, protecção para terminar mais uma aventura, descia do teu colo e, sabia que tinha regressado do ontem.

Hoje, recordo uma Luanda apodrecida numa pequena folha em papel,

Um vagabundo poema,

Que não deixa saudades.

Sem ti, de ti,

Este dia sem nome.

 

 

Francisco Luís Fontinha, Alijó – 24/12/2020

domingo, 19 de março de 2017

Cidade em pó


Imagino os teus olhos lacrimejantes nas paisagens do Congo,

Transportavas no corpo as serigrafias do sono…

Que apenas um rio te separava da inocência,

Tinhas na algibeira os cigarros e a fotografia da tua mãe…

Inventavas poemas com palavras esquecidas no capim,

Que o cacimbo apergaminhava na aventura da escuridão,

Lá longe ficava a barcaça imaginária de um dançarino obsoleto,

Sentavas-te nas montanhas da tristeza e rezavas,

Rezavas pela melancolia dos destinos transparentes do olhar de uma serpente,

E nunca percebeste que eu um dia eu te recordaria como um sonâmbulo obscuro,

Que transporta os alicerces de uma cidade em pó…

E em pó te transformaste.

 

 

Francisco Luís Fontinha

19/03/17

domingo, 8 de maio de 2016

Confissões de um louco apito


Os comboios só apitam durante a noite para assustarem as estrelas,

As rectas paralelas em aço estendem-se até ao infinito, chegando lá, o comboio desaparece, entranha-se na noite e morre.

Encurvado nos socalcos levo comigo as curvas do Douro, lanço-me à água… estou farto das palavras que escrevo, estou fartos dos meus desenhos, como a vida que gira e não se cansa de cessar, parar sobre a ponte e suicidar-se sobre os rochedos da insónia.

Oiço o grito da aranha no cansaço da madrugada,

Sei que habita um rosto no espelho do meu quarto e certamente que não é o meu, porque nunca o vi, apenas em pequenos tragos de saliva ao pôr-do-sol,

Quero expulsá-lo de lá…, mas não tenho força para tal; parto o espelho?

Quebro-o até que o rosto se transforme em mim? Ou este será o meu rosto depois da minha morte?

Os comboios só apitam durante a noite, fiz muitas viagens, muitas noites sem dormir, entre apitos e soluços, entre estações e apeadeiros desconhecidos, entre gritos e gemidos, até desaguar em Santa Apolónia pelas sete horas da manhã, as ruas acabavam de acordar, os sem-abrigo levantavam-se para o invisível pequeno-almoço, e eu, e eu fumando cigarros para não adormecer,

Mas acabava sempre por cerrar os olhos e passar o dia entre os cortinados da escuridão e os sons melódicos do trânsito, a loucura, cruzava os braços e punha-me a contar os automóveis que passavam por mim, depois separava os que eram homens e os que eram mulheres, as crianças à parte… e assim passava o dia.

Regressava a noite e eu tinha vendido o sono ao Diabo, saía na companhia de desconhecidos, entrava em todos os bares até adormecer sobre qualquer banco de jardim, e enquanto dormia, sentia, sentia os apitos do comboio…

Tudo isto está escrito e sepultado em três caixotes de cartão,

Confesso que nunca mais os abri, não tenho coragem para os abrir…

Papeis, fotografias, poemas, e fantasias…, mas para quê remexer o passado e este está morto, e enterrado no meu peito.

Os perfumes intactos, uma velha rosa dentro de um livro, intacta, e a minha vida pedaços de farrapos em construção, hoje uma pequena vitória, amanhã uma grande derrota…

 

Amanhã faz vinte e dois anos que deixei a heroína…

Uma grande vitória.

 

Francisco Luís Fontinha

domingo, 8 de Maio de 2016

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Marinheiro


Marinheiro
cansado das palavras sem título
que se acomoda com as tempestades
marinheiro... invisível
come saudades
e... e alguns versos
não dorme
não consegue sonhar
e não acredita no futuro...
marinheiro infernal
que veste um esqueleto de algas
e cobre o cabelo com o jornal
marinheiro ensanguentado
que finge olhar as estrelas
e o luar
marinheiro
cansado das palavras...
dos barcos de papel
e dos Oceanos de prata
marinheiro embalsamado que se esconde na praia
imagina corpos enlatados
e pássaros em silêncio...
ouve os sons melódicos da noite
como se a noite fosse música
ou... ou um poema em ascensão
ou... ou um poema com odor a morte
marinheiro
marinheiro das palavras
marinheiro sem sorte
e ele não sabe que junto ao Tejo
habitam as lágrimas do espelho da solidão...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 25 de Novembro de 2014

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Invenção do sono

foto de: A&M ART and Photos

Tínhamos inventado o sono,
a tristeza,
desenhávamos o sofrimento nas pedras cansadas da calçada,
tínhamos nas mãos a madrugada,
o vento que nos empurrava,
um livro teu... um livro que nos amava,
tínhamos estrelas vadias nas pálpebras do céu,
palavras, palavras significando tempestades, palavras começadas por saudades,
tínhamos inventado o sono,
a alegre maré parecendo o ensanguentado milagre da beleza...
tínhamos o mar e os corpos dos marinheiros sem farda,
e mesmo assim... sonhava, e mesmo assim... amava-te como se amam os xistos muros dos nocturnos eléctricos da cidade do nada.


@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 16 de Fevereiro de 2014

sábado, 11 de janeiro de 2014

… rochedos da saudade

foto de: A&M ART and Photos

Diluímos-nos com os velhos vapores que a solidão alicerça nos rochedos da saudade
habitávamos num fino e escuro cubículo de paixão com telhado de vidro
tínhamos na mão a varanda do suicídio construída com as raízes do medo
e voávamos como serpentes de papel nos cortinados das lareiras sem nome...
éramos o ébano lençol de seda com desenhos bordados a fogo
descíamos das nuvens embebidas em frestas de gesso e pedaços de madeira envelhecida...
fugíamos... fugíamos como loucas pedras em granito esquecidas na espuma do Pôr-do-Sol
inventávamos o mar dentro das nossas veias onde corriam insectos e outros objectos da noite
luzes
néons como venenos que iluminavam a madrugada das livrarias empoeiradas
diluímos-nos com os velhos vapores...
… rochedos da saudade,

Há uma saudade invisível nos socalcos da cidade das marés lunares
um barco de sémen navega sobre a tua pele doirada quando pintada com pincéis de aço
o teu corpo se transforma em fome
os teus braços desassossegam todos os transeuntes mendigos da dita cidade das marés lunares...
uma criança procura chocolates de areia nas algibeiras do segredo
corre como uma lebre talude abaixo
e do sol chegam até nós os prometidos apitos dos vapores que a solidão... alicerça... a saudade...
submerges nos êmbolos loucos dos relógios de parede
saberás abraçar-me?
desejo-te em cachimbos de madeira voando como gaivotas em silêncios de tabaco
o perfume entranha-se nas grades do soalho das pequenas sílabas que dormem no quarto do grito
e uma outra criança chega a ti e pergunta-te... porquê pai?


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 11 de Janeiro de 2014

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

não dormem mas... também não sonham

foto de: A&M ART and Photos

Tristemente invadido pelas análises clínicas dos perfumados jardins das jangadas embebidas em cianeto e outras
Escadas?
Palavras, não o sei, não o consigo perceber, talvez este verso alimentado pela inveja encontre dos triângulos dos dias tristes as algas masturbadas dos rios envenenados pelo doce odor da paixão, do cinismo...
As escadas...
Nunca tive Sábados, e à Sexta-feira tínhamos Açorda de Marisco, pão, vinho e sobremesa,
A sério?
Tristemente invadido pelos machimbombos da insónia, escondia-me de ti, debaixo da mesa no quintal das bananeiras, mangueiras e outras … eiras
Carvalhais,
Sexta-feira,
Eles não sabiam que tínhamos almoçado, traziam-nos coisas estranhas, comíamos tardíssimo porque acreditávamos que havia fantasmas que roubavam a comida dos pobre, e as tuas mãos abraçavam-se à minha cintura rechuxuda, hirta... fria como a geada de hoje à noite, e dizias-me que todas as árvores são como os pássaros quando são velhos...
Não voam, não voam mas também não andam, não bebem... e também não pagam, e também,
As escadas?
Sexta-feira,
Tristemente...
Aquele beijo que ficou esquecido sobre a mesa-de-cabeceira, aquele sorriso impregnado na vidraça estilhaçada da janela com fotografia para o quelho, aquele abraço perdido dentro dos cobertores da inocência, aquele beijo, aqueles teus lábios em pétalas que o desejo sobejou das tardes perdidas, aqueles livros poeirentos abandonados na estante do corredor, aquele teu alicerçado seio sobre a minha solidão, claro... imortal na cama em tardes de neblina, imortal no jardim dos clandestinos Domingos...
Sábados à tarde,
Sexta-feira à noite,
Aquele beijo, aquela melodia adormecida sobre os abajures da melancolia, aquele dia com palavras de luar, aquela madrugada com talheres em prata, e corpos, corpos de nata...
E ouvíamos o beijo esquecido das gaivotas em cio, e ouvíamos os tristes carris da liberdade mergulharem nas montanhas de papel como lagartas e outros bichos, coitados
Procurando,
Coitados...
Caminhando..., o beijo esquecido das gaivotas em cio, procurando as cinzas do casebre abandonado depois de partirem todas as árvores do destino que acompanhavam as alegres palavras comedidas pelas mãos de giz... aquele divã onde te deitavas, e eu, eu sobre ti entranhava-me nos teus gemidos invisíveis dos xistos borboletas em voos de andorinha, coitados...
De nós...
Deles...
O beijo esquecido das gaivotas em cio, o barco apodrecido no cais que alguém pintou nas paredes do velho bar de marujo embriagado, dizes-me que não, e eu, eu sinto-me dentro de ti como se eu fosse o teu feto indesejado, aquele que não queres, nunca quiseste... a gaivota dilacerada nas velhas nuvens de oiro... imortal no jardim dos clandestinos
Domingos...
Sábados à tarde,
Sexta-feira à noite,
E não bebem, e não pagam, não dormem mas... também não sonham,
As escadas?
Tristemente tristes, tristemente... sós, sós, talvez só às vezes tristemente sós...
O beijo dilacerava-se, o beijo derretia-se como chocolate, a Açorda de Marisco, uma simples sopa de hortaliça, pão e o vinho, tudo pela módica quantia de
Os beijos pareciam migalhas de pão abandonadas sobre a mesa de ébano, cheirava a naftalina, a toalha pertencia aos objectos escondidos como as pratas que deixaram de existir desde eu criança, como as porcelanas e todo o marfim, tínhamos falido, e vivíamos como Príncipes imperfeitos vestidos de carrancudos criados sem ofensa para vossemecê meu grande amigo
As escadas?
E pela módica quantia de dois beijos e uma sexta-feira...
Açorda de Marisco, uma simples sopa de hortaliça, pão e o vinho, tudo a estrear, excepto o vinho, que esse, esse já era em quarta ou quinta mão,
Sexta-feira, amanhã, a estrear, o beijo esquecido das gaivotas em cio, o barco apodrecido no cais que alguém pintou nas paredes do velho bar de marujo embriagado, dizes-me que não, e eu, eu sinto-me dentro de ti como se eu fosse o teu feto indesejado, aquele que não queres, nunca quiseste... a gaivota dilacerada nas velhas nuvens de oiro, e eu, eu inventado Açordas de Marisco, sopa, pão... e o vinho, e o vinho parecendo água depois das tempestades de...
Sexta-feira, Sábado, e Sexta-feira temos
Açorda de Marisco... e vinho, e vinho, tristemente... só. Só.
(onde está a sobremesa, raios?)


(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 5 de Dezembro de 2013

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Os caixotes magoados

foto de: A&M ART and Photos

Dir-me-ás que a vida é um número de magia, conheci um ilusionista (confesso que não é ficção, conheci e conheço e tenho amizade por ele – Didier Ferreira – e quanto mais olhava os seus números de magia, confesso, confesso que mais dúvidas ficavam em mim, e menos percebia do que se passava à minha volta), e a vida não é mais do que um lindo e belo número de ilusionismo, um espelho gigante, olho-a e percebo que é tudo uma mentira, a imagens é ma mentira, os olhos, os olhos... são uma pegada mentira vestida com tecidos verdes, e os braços, e os braços também eles, eles
Mentiras,
Caixotes vindo de lá, trazíamos o muito que tínhamos, que era nada,
Mentiras,
(muitas das vezes servi de cobaia dele na preparação de alguns dos seus números, e parecendo aos olhos que quem nos via, eu, eu um parvalhão nas mãos de um verdadeiro artista, confesso que nunca me senti como tal, mas que me irritava o facto de eu não perceber como aconteciam as coisas... lá isso era verdade)
Os caixotes magoados, desdentados, meio adoentados, e vertendo um líquido esquisito, que mais tarde fomos informados que era o líquido da saudade
E coisa eu nunca tinha ouvido na minha curta vida,
“Líquido da saudade?”
És parvalhão, ouvia-o. E hoje percebo que ele tinha razão,
Eu era mesmo um verdadeiro parvalhão aos olhos do meu pai, porque como era possível existir um líquido chamado... “Líquido da Saudade”...
Eu, negro, nasci e cresci negro, eu uma árvore a que chamavam de mangueira, que às vezes sentia-a chorar, que às vezes... também eu chorava, quando da sua sombra renasciam os palhaços do circo, o ilusionista fazia com que as cartas de um baralho aparecessem na
“Líquido da saudade?”
Os palhaços do circo, o ilusionista fazia com que as cartas de um baralho aparecessem na minha algibeira, ela sempre, ou quase sempre, vazia, e lá estava ela, assinada por mim
Pode lá isso ser possível, menino?
Verdade verdadinha... Senhor Anacleto, verdade....
Acredito mesmo, menino Francisco, “Líquido da Saudade”..., e ainda por cima aparecer na sua algibeira e assinada por si, consegue prová-lo?
Claro que sim, claro que sim Senhor Anacleto... ainda a guardo na prateleira juntamente com os meus livros, os caixotes babavam-se como se fossem caracóis acabados de confeccionar, e afinal não eram caracóis, e afinal
Quitetas,
E o molho, Senhor Anacleto, Ai nem me fale no molho... menino Francisco, que saudades..., e um líquido estranho pingava dos três tristes caixotes que trouxemos, pouca coisa, coisa nenhuma, e afinal, afinal era mesmo o “Líquido da Saudade”,
Em finas fatias sobre o pão quente de Favaios, e que coisa, que coisa... Senhor Anacleto, um Líquido verde com sabor a manga..., talvez pedaços de sombra, talvez... as chuvas quando adormeciam a terra queimada e ressequida pelo abrasador Sol... e sabe, sabe Senhor Anacleto?
Não, não o sei menino Francisco, não o sei,
As cartas, as cartas voavam durante a noite e de manhã apareciam na minha algibeira, vazia, ou... quase vazia, como sempre, ou com quase nada,
Quitetas.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Terça-feira, 20 de Agosto de 2013

sábado, 3 de agosto de 2013

Fervíamos como líquidos amargos...

foto de: A&M ART and Photos

Fervíamos como líquidos amargos na imensidão dos botões de rosa, alguns bravios, outros, outros mórbidos, outras..., outros, outros caminhando sobre as gaivotas floridas das noites embriagadas, havíamos combinado não falarmos mais nesta horrível despedida, levantarmos âncoras, recolhendo corrente, motores a diesel a trabalhar, e aos poucos, outros, o rebocador deslizava suavemente sobre a tua pele de seda, começávamos a perder de vista os edifícios alicerçados às tuas coxas rochosas, e aos poucos, os teus mamilos começavam a entrar no esconderijo junto à sanzala da saudade, entrávamos, e no pavimento térreo uma colcha de palha onde nos deitávamos, onde dormíamos, comecei a deixar de ver-te, comecei a escrever no zinco teus cabelos, porque o vento tinha zarpado, outras, outros
Fervíamos,
Outros espiavam-nos juntos às bananeiras com quatro cadeiras e um círculo de sombra, fervíamos um no outro, e outros, e outras, aos poucos apenas o silêncio do teu corpo fervilhando entre os meus dedos, outros, e outras, aos poucos o teu púbis vulcânico descia a montanha do Adeus, e cada vez mais longe
Fervilhando,
Fervíamos,
Deixávamos os meninos em volta de pequenas poças de água, tinha chovido, a terra cheirava a fogo, e o céu começava a clarear como acontecia com as janelas da velha barcaça que nos levava até ao paradisíaco Mussulo, eu, eu amava-o, e tu, tu apenas encolhias as pernas, e sobre ti um lenço de desejo te absorvia, flutuavas como uma abelha dentro da cubata, rodavas em pequenos círculos trigonométricos, e dos teus lábios um líquido amargo com sorriso de cosseno desenhava-te na face esquerda uma parábola, a equação descia-te até enrolar-se nos teus tornozelos de areia branca, palmeiras e outros, e outras
Fervilhando,
Fervíamos,
E outras melodias esperavam no cais pelo desejado embarque, deixei-te para nunca mais poisar-me sobre ti, voando, eu, eu ainda tentei..., mas caí sobre o Oceano, mergulhei acreditando encontrar-te lá muito no fundo, mas
Fervilhando,
Pedras e nada mais,
O pôr-do-sol era triste, fervilhavas nos meus longos dedos, e os teus gemidos alimentavam todo o espaço vazio da cubata, não tínhamos sequer onde poisar uma gotícula de sémen, não tínhamos sequer onde deixar suspenso na madeira misturada com zinco o crucifixo que tínhamos trazido do outro lado da cidade, antes de partirmos, antes de te deixar sobre o cais..., e quando percebi
Fervilhando,
Pedras e nada mais,
Percebi que tinhas desaparecido entre o cacimbo e a saudade, percebi que tinhas zarpado como a nossa velha barcaça, procurei por ti, inventei desculpas, cheguei a descer às profundezas do Tejo, entrei em Cais do Sodré, bebi, embriaguei-me, dancei sobre mesas e cadeiras, cambaleei até Belém, atravessei os carris e sentei-me junto ao rio..., fervíamos como líquidos amargos na imensidão dos botões de rosa, alguns bravios, outros, outros mórbidos, outras..., outros sem vida, e nada, e ninguém, nem sequer um simples peixe... para me informar do teu paradeiro, percebi que a nossa cubata tinha ardido, anos mais tarde, percebi que o teu corpo tinha crescido, mudado de forma, percebi que estávamos velhos, como o espelho da casa de banho, quando hoje me olha e diz-me
Fervilhando,
Fervíamos,
E eu, eu... no cais pelo desejado embarque...

(Ficção – Não Revisto)
@Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 23 de julho de 2013

Rebuçados de açúcar doirado

desenho de: Francisco Luís Fontinha

Tinhas na boca o perfeito cubo de gelo, era noite e estava vestida com um pano negro com finas lâminas de seda, havia entre nós um muro de ardósia com desenhos desconexos, três, de cima para baixo, três frases suspensas numa madrugada inventada, desleal, dislexia, complexa talvez, como voláteis vapores de enxofre sobrevoando as janelas do pedestal granítico da escada que existia nas traseiras dos cais... e entre nós e o muro, uma canção, o orgulho em beijos fatias recheadas com doce de abóbora, as sandálias tuas perdidamente perdidas na camuflada relva clandestina dos amanheceres sem ordem, dos amanheceres vagabundos, e sujos,
Tinhas,
O perfeito cubo de gelo, era noite e estava vestida com um pano negro com finas lâminas de seda, as tristes árvores dos teus cabelos em pequenas labaredas que a lareira dos sonhos forjava consoante os minutos suicidados na ponte Romana que servia simplesmente para atravessarmos a ribeira sem nome, passado, esquecíamos-nos dos relógios de pulso que as cavernas de areia engoliam como simples, complexos, dislexia... rebuçados de açúcar doirado,
Fumo,
Havia em ti âncoras de silêncio e porcelanas manhãs de chuva ensanguentada como ontem, depois dos parafusos que ajudavam a suster o muro, o tal que estava entre nós... simplesmente, complexo, dislexia... desapareceram, ruíram como castelo de xisto descendo socalcos embriagados...
Tinhas na boca...
E perdia a paciência para mordiscar os teus lábios, hoje, rochas, ontem, ontem chovia, e trazias todas as lágrimas embebidas no teu vestido de chita, com rosas encarnadas, havia em ti... círculos, cubos de gelo na tua boca, e não sinto saudades da Primavera, e não sinto saudades das tardes debaixo das mangueiras...
Tinhas na boca,
Tinhas,
As âncoras de silêncio dos finais de tarde dentro de mim.

@Francisco Luís Fontinha
(não revisto)

terça-feira, 28 de maio de 2013

Estranhamente só como as lâmpadas de algumas cidades

foto: A&M ART and Photos

Sentia-me sem asas enquanto olhava os pedaços de vento que a manhã fazia acordar, ouviam-se-lhes em gargantas ocas, palavras de afecto, carinho, e desejo, havia árvores que balançavam, e não havia veleiros em passos curtos, sobressaltados, como os anjos quando sobem aos postes de iluminação pública e aclamam o nome, o meu, mas em vão,
A escada de acesso ao cais, em poucos segundos, ruiu, evaporou-se como se tinham evaporado todos os barcos com partida marcada para as nove horas da manhã, e já nas oito, desapareceram como abelhas depois da tempestade aportar nas flores em pólen adormecido, ninguém gostava de mim, porque diziam que eu era estranho, estranhamente só como as lâmpadas de algumas cidades, quando são despejadas as ruas dos velhos mapas, suspensos nas paredes caquécticas do desassossego e morte, havíamos de construir um rapaz robusto e cheio de vitalidade, diziam
Tal e qual o pai, perguntava-me, qual deles?
Queria ser bailarina, costureiro, queria ser marinheiro, navegador de barcaças entre a margem norte e a margem sul, queria ser guardião de mabecos no capim da saudade, queria ser papagaio de papel ou sombra de jornal, portão de entrada num quintal do Bairro Madame Berman, queria ser nuvem, escada, avião, barco cansado, prostituto, barco simplesmente, como as canções dos melros quando me encontro entre o acordar e o não acordado, havíamos de encontrar uma Baía com palmeiras, víamos o mar, havíamos de comprar duas cadeiras, e
Diziam que nós, e não ligávamos tão pouco ao que nos diziam,
Porque as nossas fotografias tudo dizem, é só o esforço de folhear os dois álbuns e recordar, imaginar que ainda estamos vivos, e depois de sentados nas duas cadeiras que tínhamos comprado, ouvíamos o rosnar do mar dentro dos nossos peitos, tu
Eu pegava na tua mão silenciosa, por vezes tão ausente como a tempestade nos finais de tarde, havia pombas no galinheiro que comiam juntamente com as galinhas, e sentia-me liberto das tristezas manhãs quando além de ouvir os murmúrios do mar, ouvia os ruídos da tua mão caminhando vagarosamente no meu ventre, e descia vento, e levantavam-se-lhes os cocos até que das vozes sem corpo, renasciam solidões de azoto, e paixões de insónia, eu, na tua mão, no teu ventre, tu, caminhavas-me mar adentro, e as cadeiras de vime voavam em direcção à ilha dos desejos, hoje não, confesso-te, ainda te amo, como te amava quando brincávamos entre bananeiras e corridas de cavalos, jipes saltimbancos correndo de musseque em musseque, davas-me a mão, remexias-me o ventre como se eu fosse a algibeira perdida dos calções de pano, e mesmo assim,
Diziam que nós, e não ligávamos tão pouco ao que nos diziam, éramos folhas de papel e que apenas servíamos para limparmos o rabo
(branco é papel que só serve para limpar o cu)
E acredito que ainda existem nuvens envergonhadas nos telhados de zinco, as pombas coabitavam alegremente com as galinhas, tu, coabitavas alegremente comigo, que diziam
É estranho, este miúdo,
E gostavas de mim como gostávamos dos silêncios navegantes das flores em despedida, encerrado o caixão, ele entrava num túnel de alegria até chegar ao rio, entrava na profundidade da tristeza, alimentava-se de beijos, bocas, lábios simplificados pela regra do quadrado, extraíamos a raiz quadrada do teu corpo, e ficava com nada, zero, bananas, latidos de mabecos envergonhados e pouco mais, e tudo porque um dia, um dia de tarde, disseste-me
Amo-te, querido João,
Confesso, não sei ainda se te reconheceria no amontoado de fotografias, antigas, éramos crianças em viagem e que acreditávamos no regresso dos pássaros depois de partires, e esperávamos, esperávamos...
Até que adormecíamos de mão dada
(branco é papel que só serve para limpar o cu)
E ainda não ouvíamos comboios a apitar dentro de nós.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Saudades como as tenho

foto: A&M ART and Photos

Saudades são gotas de água
que descem da imensidão da pele ensonada como bocas em despedida
saudades são pergaminhos enrolados nas tuas mãos de andorinha
quando acorda a Primavera
saudades das palavras pronunciadas como migalhas de sílabas
nas pálpebras das vogais adormecidas,

Saudades como as tenho
pensando acreditar nas manhãs de sábado
aquelas que ainda não acordaram
que nem sequer sabem se vão acordar
saudades de ti quando te sentavas num banco de jardim a passear livros
ou inventando a resolução de integrais numa sebenta envelhecida,

Saudades as tuas quando dos teus lábios de madrugada
sonhavam os beijos salivais com perfume a hortelã...
saudades são gotas de água
são rios
e ribeiras
são palavras e imagens a preto-e-branco numa janela sem vidros.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Às paredes e às teias de aranha porque dançavam os meus desenhos

Ouvia-o nos meus sonhos, desligava-se a noite no interruptor dos sentidos, acendia-se um cigarro que às vezes deixava solitariamente sobre a cómoda, o isqueiro, algumas moedas, poucas, sempre, e ouvia-o dançando na atmosfera helénica dos versos amarfanhados pelos vómitos das plantas cansadas de sofrer, choravam, todos, às vezes ouvia-o
Ouvia-os,
Choviam,
E eu,
E eu, eu ouvia-os dançando como pássaros anti-tempestade, tracção às duas rodas, asas de liga leve, dentes cromados com suspensórios de couro, e eu
Ouvia-o,
Ele chorava, amava-a pacientemente como quem ama uma árvore e tem a perfeita consciência que não lhe pertence, porque as árvores são livres, e ela não lhe pertencia (o coração) porque ninguém é dono de ninguém, pedia emprestado o caderno e a caneta, parvamente apaixonado, e não percebia que os bonecos de borracha são mais saudáveis que os bonecos de palha, porque não têm saudades, não sabem o que é o amor, e
Ouvia-o, ouvia-os,
Não sei,
E os bonecos de borracha dificilmente se constipam, dificilmente se revoltam contra os governos democraticamente eleitos, não sei, mas nos meus sonhos havia um desejo indesejado de voar sobre a terra queimada, aprendeu matemática e começou a escrever, e começou a desenhar, e começou a descambar
Como eles e elas,
Contra as paredes invisíveis que os outros bonecos, os de palha, construíam nas noites de lua cheia, e eu
Ouvia-os,
Dançando abraçados aos meus míseros cigarros com olhos imperfeitos e incolores e iletrados, liberdade para todos, gritava alguém com palavras acesas em tinta vermelha no muro junto à Igreja, eu tinha medo, dos sonhos, das marés com corpos embalsamados de bonecos de palha, sempre, ainda hoje
Os bonecos de palha são escuros, interinos oficiais das histórias de uma cidade desaparecida, eles são os guardiões das portas secretas dos amores proibidos, amem-se livremente
Como se amam os barcos e as flores e as gaivotas e os papagaios de muitas cores,
Mas
Amem-se, não como eu vos amei, mas amem-se como os ouvíamos sobre a cómoda em busca de um silêncio submerso nas palavras ditas em dias de quinta-feira, amem-se
Mas
Ainda hoje,
Ouvia-os,
Ouvíamos (Dançando abraçados aos meus míseros cigarros com olhos imperfeitos e incolores e iletrados, liberdade para todos, gritava alguém com palavras acesas em tinta vermelha no muro junto à Igreja, eu tinha medo, dos sonhos, das marés com corpos embalsamados de bonecos de palha, sempre, ainda hoje) os, ouvíamos os homens que queimavam os bonecos de palha que se recusavam a simplesmente a acenar com a cabeça, ora elevando-a, ora, ora baixando-a
E eu perguntava-lhes
Custava seus palermas palhaços bonecos de palha? Custava-vos alguma coisa dizerem que sim desenhando uma vénia no ar com misturas de vapor de iodo e sal marinho, Custava-vos seus palhaços cabeçudos?
E que sim, que sim, simplesmente
Sim,
E ela perguntava-lhes
(Desisto de perguntar às paredes e às teias de aranha porque dançavam os meus desenhos que deixei nas paredes de uma casa, num bairro, em Luanda),
E ela perguntava-lhes se sabiam que os sonhos
Sabiam que os sonhos são pedaços de papel com códigos indecifráveis como as matrizes complexas e indesejadas pelos saudosos bonecos de palha, porque os de borracha, esses, quase sempre eram imunes às conversas sobre o amor e a paixão e a noite das noites com sabor
A limão,
E cerejas dentadas como as rodas recheadas com mel e aço inoxidável,
Dos beijos, dos vapores camuflados que habitavam as esquinas assombradas das casas sem janelas, e ouvíamos
Dançando, gritando,
As palavras acesas em tinta vermelha no muro junto à Igreja, eu tinha medo, dos sonhos, das marés com corpos embalsamados de bonecos de palha, sempre, ainda hoje,
Os relógios sem vontade de dançarem,
Dançando, gritando,
(Ele chorava, amava-a pacientemente como quem ama uma árvore e tem a perfeita consciência que não lhe pertence, porque as árvores são livres, e ela não lhe pertencia (o coração) porque ninguém é dono de ninguém, pedia emprestado o caderno e a caneta, parvamente apaixonado, e não percebia que os bonecos de borracha são mais saudáveis que os bonecos de palha, porque não têm saudades, não sabem o que é o amor, e)
Também eu, também eu não sei o que é, o que são.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

As sombras abstractas que a morte inventa

Obviamente não foi embora, e três dias depois, quase noite, encerrou-se dentro de uma caixa de vidro, puxou o cortinado, acendeu o cigarro, e sem hesitar, entre coices e telas em acrílico que tinha acabado de destruir e deitado fora, finou-se, morreu, e só teve tempo de cruzar os braços em abraços, e

sem hesitar,

desapareceu entre as sombras abstractas que a morte inventa no tecto das casas com sótão, escadas em madeira, e janelas sobre as outras casas, também elas, em madeira, e luzes fanadas a outras casas, a água desviada silenciosamente da casa do vizinho, e com duas galinhas, e com alguns coelhos, e poucos

sem hesitar,

galos de crista encarnada, os cornos do peru, as hastes mestras das cabras, as ovelhas em gemidos, e logo temos queijo fresco e legumes, e sandálias de couro com calções de chita, e sem hesitar

obviamente não foi embora, eu

sem hesitar,

desapareci entre as sombras abstractas que a morte inventa, e poucos

porcos de crista encarnada, galos com cornos e perus com asas de papel e hélices em fibra de vidro, e poucos

sem hesitar,

eu

sem hesitar,

desapareci entre as sombras abstractas que a morte inventa, e poucos ou nenhuns pássaros sobre o meu cadáver acetinado, as unhas de gel que a menina do rés-do-chão desenhou nas minhas mãos por vinte aéreos, poucos

eu

sem hesitar,

queria ser como tu, terça-feira disseste-me que não, e agora dizes-me que sim, que há pássaros no quintal à minha espera, e que depois de se extinguirem todas as lâmpadas das mesas de vodka, tu puxas de um cigarro, acendes o cortinado, e em coices desapareces nas telas em acrílico que brincavam na torre de controle do aeroporto da Chã, a pista longínqua, o último grito da aviação comercial, o pássaro Galileu em poucas palavras faz-se à pista, e há pista senhores excelentíssimos passageiros, há pista, os carrinhos de choque

eu

sem hesitar,

aos saltos e pulos e voos pegajosos e nojentos para não acordar a vizinhança pela manhã quando era domingo, e tu, hoje, terça-feira disseste-me que não, e agora vejo-te aos círculos na cama com lençóis de mar, há pista, poisas os pezinhos sobre a almofada, abres em noite de estrelas as asas dos desejos nocturnos, rolas silenciosamente pela pista, há pista, há pista senhores excelentíssimos senhores, à pista encostas as mamas e adquires estabilidade, da torre dizem-te

sem hesitar menina, vento a dez nós, sem hesitar, endireitar o nariz e os lábios, e não esqueça o púbis cansado e aerodinâmico das canções de Natal,

vens bem, pensava eu, enquanto te observava a percorrer a cama pela manhã, vens bem, e aterravas nos meus frágeis braços de alumínio,

obrigado senhores excelentíssimos passageiros,

aos seus destinos,

sem hesitar,

caminhava pelas ruas, puxava do cortinado e acendia o cigarro, sentava-me sobre os fardos de palha que todas as manhãs acordavam à porta do tio Joaquim, há porta, janelas, há janelas nesta casa travestida de sótão?

eu

sem hesitar,

mentia-te, e dizia-te que a pocilga onde vivíamos era um sótão com escadas de madeira, e janelas sobre as outras casas, também elas, em madeira, e luzes fanadas a outras casas, a água desviada silenciosamente da casa do vizinho, e com duas galinhas, e com alguns coelhos, e poucos

sem hesitar,

porcos de crista encarnada, galos com cornos e perus com asas de papel e hélices em fibra de vidro, e poucos,

que tu acreditavas.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó