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quarta-feira, 24 de maio de 2017

Os dias falhados


Os dias passados

Esqueleticamente abraçados aos dias sofridos

Quando bem lá no alto das montanhas cansadas

Os dias argamassados aos dias coloridos…

 

Safados.

 

Os dias perdidos na esplanada do adeus

Quando sobre uma pobre mesa de sombra, um livro, voa nos dias premeditados

Por uma lâmina finíssima de luz…

Os dias entre dias,

Os dias encalhados nos petroleiros da fortuna…

Os dias revoltados

Com a forma circunflexa do sangue perfumado,

O dia apaixonado,

Ou coisa nenhuma…

Os dias as mãos e as mãos dos dias,

A forca dos dias desesperados

Numa árvore dispersa na alvorada,

Há dias assim,

Como hoje,

Dias de alecrim,

Dias de clarinete…

E assim,

Os dias dos relógios moribundos,

Meu Deus! Meu Deus, tantos mundos…

Com dias,

Sem dias,

Cem dias dispersados pelas tristes avenidas dos dias desalmados,

E eu, minha querida, por aqui… brincando com os teus dias…

Os dias sem melodia.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 24 de Maio de 2017

domingo, 1 de dezembro de 2013

sem-nome

foto de: A&M ART and Photos

não tínhamos nome
perdemos-nos na idade enquanto poisava no tecto do desejo a saudade
inventávamos estórias com pequenos paus de fósforo
aqueles...
que sobejavam dos cigarros perdidos na madrugada
não dormíamos
e não tínhamos nada...
cama
roupa
ou comida
lavada
não tínhamos nome
(morada
idade
sexo
não éramos nada comparados com os tristes cortinados das alvoradas sem tempestade)
percebíamos nada de poesia
tínhamos medo da literatura
e durante a noite...
dormíamos embrulhados às personagens que tínhamos lido quando ainda existia em nós a tarde junto ao candeeiro cinzento do jardim nocturno dos abismos rochedos de néon
os sexos mergulhavam na ponte metálica das treliças mãos que o desejo deixava em nós...
calculávamos o momento fletor das nádegas tuas quando lá fora uma equação de tédio
sem nome como nós
também
perdia-se nas sanzalas dos olhos verdes
o medo absorvia-nos
e a morte aos poucos
comia-nos como come os marinheiros de ombros sombreados nos petroleiros do fantasma envidraçado...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 1 de Dezembro de 2013

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Menina de porcelana

Sábado, e uma casa abandonada, escura, fria, sábia e doce, sábado, ela vem buscar-me, pegar-me-ás sem que ele perceba o que é o amor, sem que tu percebas
A fina escória neblina que o soalho de vidro provoca em nós, mulheres, esposas sem marido e filhas de um Deus esquisito, às vezes, Ateu, outras vezes, malfadado, hirto, sujo, eu, quando te encontro em frente à rua onde vive a tua mãe, e tu
E eu sem que tu percebas as fotografias a preto e branco que dormem no álbum do teu pai, fotografias antigas, dos tempos de
E tu
Luanda, as gaivotas atravessavam a Baía e deitavam-se nas mãos dos mabecos enfurecidos pela escuridão das palavras mortas, murmuradas por cadáveres estonteantes, embriagados, às vezes, outras vezes
E tu
Desgovernada sem saber o que fazer, corrias pela cidade, batias às portas, e ninguém, ninguém dobre o zinco da noite a abraçar-te, ninguém para ti
Deita-te sobre mim, meu amor, e deitavam-se as nuvens sobre as mangueiras que os pássaros deixavam ficar nos quintais abandonados, deita-te sobre mim
Meu amor...
Ninguém para ti, ninguém para mim, de candeeiro em candeeiro, uma corda de aço prendia um petroleiro, homens maus com um chicote
Não me bata por favor, gritavas quando ele acendias os cigarros nas janelas da lareira, e que a morte nos trazia todas as noites nos finos cobertores que o inverno construía, e nós
Não sabíamos o que era o Inverno,
Imaginavas a neve como sendo areia dentro de uma caixa de sapatos, pesadíssimas botas mordiam-te os pés lilases de pétala amordaçada, e não sorrias, escondias-te no sótão, e choravas, e gritavas
Não gosto desta terra maldita, maldita extinta imunda, e
Adormecias agarrada a uma boneca de trapos que nasceu e cresceu no primeiro andar com janelas e vidros envelhecidos, alguns deles em perfeita decomposição, o cheiro imundo a vidro putrefacto, em pedaços, suspensos nos peitoris de madeira apodrecida, e suja
Repetição
Não gosto desta terra maldita, maldita extinta imunda, e
E suja
Minha amordaçada menina de porcelana,
Sábado,
E tu
Luanda, as gaivotas atravessavam a Baía e deitavam-se nas mãos dos mabecos enfurecidos pela escuridão das palavras mortas, murmuradas por cadáveres estonteantes, embriagados, às vezes, outras vezes, vezes a mais, aparecias em casa numa lástima, perdias as calças, perdias as mãos, perdias os braços, regressavas, entravas, não falavas, e deitavam-se elas sobre os muitos lençóis que o cacimbo deixava ficar pelas ruas, outras vezes, às vezes, um carro zumbia, rosnava entre cães e mabecos e cavalos que tinham fugido de um carrossel estacionado junto aos Coqueiros, mostravas-me os treinos de hóquei em patins, inserias a moeda na ranhura
E os barcos começam em círculos longos voos sobre os telhados poeirentos que pertenciam às nádegas húmidas do ciume, e as fotografias do teu pai
A Preto e branco, mortas, esquecidas no fundo de um caixote de madeira, em viés um seta pintada apressadamente e letras que mal se percebia
CUIDADO PARA CIMA,
E um tipo com os dentes virados para o céu, e esperava, CUIDADO PARA CIMA
A Preto e branco, mortas, esquecidas no fundo de um caixote de madeira, em viés um seta pintada apressadamente e letras que mal se percebia que sábado, e uma casa abandonada, escura, fria, sábia e doce, sábado, ela vem buscar-me, pegar-me-ás sem que ele perceba o que é o amor, sem que tu percebas, a fina escória neblina que o soalho de vidro provoca em nós, mulheres, esposas sem marido e filhas de um Deus esquisito, às vezes, Ateu, outras vezes, malfadado, hirto, sujo, eu, quando te encontro em frente à rua onde vive a tua mãe, e tu, e eu sem que tu percebas as fotografias a preto e branco que dormem no álbum do teu pai, fotografias antigas, dos tempos de
CUIDADO PARA CIMA,
Repetição
Não gosto desta terra maldita, maldita extinta imunda, e
E suja
Minha amordaçada menina de porcelana,
Sábado,
E tu
Luanda,
E eu
Não Luanda.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó