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quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Noites em luar

 Vêm aos teus lábios

As manhãs frias de Inverno,

E deste vento açaimado

Escuto os pequenos silêncios da tua mão,

Escuto-os e escrevo-os no pavimento térreo da insónia

Que um dia me cobrirá de sonhos,

Como das pedras se ouvem os gemidos

Das noites em luar,

E sento-me no teu colo,

E das lágrimas que vomitas sobre o meu peito

Encontro as sílabas das searas do loiro trigo

Que aquele rio há-de engolir,

E matar.

Vêm aos teus lábios

As manhãs frias de Inverno,

E caminho até ao infinito,

Umas vezes tropeçando nas sombras dos embondeiros,

Outras, ouvindo as gargalhadas dos mabecos

Em busca de carne…

E sento-me no teu colo, como me sentava quando menino.

 

 

 

 

Alijó, 26/10/2022

Francisco Luís Fontinha

domingo, 7 de abril de 2019

As gaivotas de Luanda


O chão semeado de sombras,

Dentro de mim, o mar,

Descalço,

A convidar-me para brincar.

O cheiro da terra húmida,

As palmeiras envenenadas pelo silêncio,

Quando as gaivotas de Luanda, dormem na Baía…

Oiço-as.

O chão semeado de sombras,

O capim molhado com cheiro a sonho,

Sobre a terra,

Os barcos de papel da infância.

O som dos transeuntes mabecos perto da sanzala,

As crianças brincando com a tarde salgada,

Que um velho sábio trouxe do mar.

Abraço-me às mangueiras, deito-me no chão semeado de sombras,

Sonho com uma Lisboa desconhecida, onde se passeiam putas e bêbados…

Pelas avenidas escurecidas.

E, no entanto, ainda hoje, desenho no teu corpo, gaivotas.

Uma Lisboa embrulhada em cheiros e sabores,

As tasquinhas, nas paredes, o peixe frito com sabor a cebola,

O vinho misturado com a água salgada,

E as pipas parecem esconderijos de marinheiros.

As gaivotas, meu amor,

As gaivotas que desenhei nos teus seios,

Dos incêndios da minha infância…

Alucinações,

Eu, eu brincando com as galinhas da minha avó,

De calções,

Sandálias…

E sonhos.

 

E hoje, sou apenas um velho esperando a morte.

 

 

Querida Lisboa,

 

Dos enfartes que as guloseimas de uma criança, deixa sobre a terra,

 

Querida Luanda; as gaivotas dos teus braços.

 

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

07/04/2019

domingo, 1 de novembro de 2015

O álbum de fotografias dos teus ossos

A morte das palavras num qualquer musseque da insónia, as cinzas dos poemas disfarçadas de sanzala sem dono, destino ou incómodo de sobreviver à pobreza, o exilado texto além-fronteiras, os gritos, os gemidos da noite entre siderais e abstractos retractos e o espelho do quarto, depois vem o amor, depois vem a paixão, e nada mais do que isso
Ou morte, de ti, às primeiras horas da madrugada,
Odeio a noite, e nada mais do que isso nos nossos corpos, a distância das palavras, mortas, numa lápide de saudade e o eterno amor, depois, ele, partiu para as incandescentes ruelas do inferno, embrulhou-se nos lábios do sofrimento, tombou no pavimento
O espelho, cansado desta imagem prateada,
Tombou no pavimento como se fosse uma abelha a ancorar à colmeia do sexo, o orgasmo poético, a ejaculação da prosa em pequeníssimas lâminas de esperma, e eu… sofrendo com a tua ausência programada, hoje, acordei acreditando que estavas vivo, entre mim e em mim, olhei-te, perguntei por ti
E o espelho fantasiado de vergonha, a alvorada não nasce, o dia promete ser uma abstracta palavra, mota,
Perguntei por ti, ouvia-te longinquamente sobre as árvores do nosso jardim, e os pássaros poisados na nossa sanzala, o álbum de fotografias dos teus ossos, e percebi que brincavas entre mabecos e gaivotas embalsamadas pela tristeza,
Palavra, morta, ninguém à nossa porta,
Pela tristeza e pelo silêncio… marchar, marchar…
Fui, desisti…
 
(ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 1 de Novembro de 2015

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Soníferos da vaidade


Vadios soníferos da vaidade
que deambulam nas clandestinas ruas da saudade,
olhares prisioneiros da escuridão,
pincelados tentáculos de gelo descendo o teu corpo pérfido...
e às minhas mãos
o teu cabelo incendiado pelo desejo,
e às minhas mãos o odor censurado do teu coração,
voando sem rumo,
voando... voando embrulhado em lápis de cera que o tempo engole,
e não sabe que em mim habitam os cinzeiros de chita,
os cigarros de papel aromático desenhando lábios de medo na alvorada,
vadios soníferos da vaidade... vadios monstros da madrugada,
vadios meninos de Luanda,
sanzalas encalhadas no cacimbo zincado,
capim em luta pelo sexo,
sem horários como os calendários nocturnos dos mabecos em cio...
o rio se abraça ao barco náufrago que transporta a felicidade,
e a ponte se alicerça aos seios do amanhecer,
vadios os meus poemas
em meninos de Luanda,
a infância lapidada numa avenida sem estória,
como uma fotografia inseminada num estúdio negro,
assombrado,
sem número de polícia... ou paragem de machimbombo.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 19 de Dezembro de 2014

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Pássaros de aço


Deixei de sonhar,
a vida entranha-se nos meus ossos tridimensionalmente aos soluços,
e eu, às vezes, percebia que havia uma parábola no meu olhar,
comecei a despedaçar imagens, comecei a desperdiçar curvas, quadrados e triângulos,
os sonhos iam desaparecendo, como a chuva, aos poucos, misturada com finíssimos raios de sol,
e em vez de sonhar,
comprava num quiosque das redondezas algumas gramas de noite,
pensava eu que era o esqueleto de verniz mais feliz da minha cidade,
não o era,
e... e nunca o fui,
depois regressaram aqueles malditos pássaros de aço,
tão esfomeados que, que comecei a trocar os poucos beijos que me sobejaram por andorinhas de papel,

(batem à porta)

É o meu vizinho a queixar-se que os meus sonhos não o deixam adormecer,
respondo-lhe que..., que eu não sonho,
que... que há muito deixei de sonhar,
escrever,
e amar,

(o tipo ateima que sim, que são os meus sonhos,
canso-me...
e mando-o foder com todas as letras...)

São tristes os candeeiros da minha rua,
não respondem às minhas questões e anseios,
ignoram-me...
e quantas vezes... nem servem para me iluminarem,
abaixo os candeeiros da minha rua,
a minha rua...
e esta estonteante cidade,
a que pertenço e que me engole a cada milímetro de solidão,

(batem à porta)

(o tipo ateima que sim, que são os meus sonhos,
canso-me...
e mando-o foder com todas as letras...)

Deixei de sonhar,
deixei de ver as sanzalas iluminadas pelo doce luar,
deixei de ouvir o melódico som dos mabecos,
e da espuma brilhante do mar do Mussulo,
dois ou três caixotes em madeira apodrecida,
e apenas uma pequena caixa de sapatos com um, com... com dois, talvez três sonhos,
um avião telecomandado,
e livros do meu pai,
um par de calções,
e... e alguns tarecos,
e os sonhos?
Deixei de sonhar e voava, e voava quando calçava as minhas sandálias de couro...

(batem à porta)

É o carteiro!


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 11 de Junho de 2014

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Cabelos de cinza poeira

foto de: A&M ART and Photos

Hoje não percebi as minguas palavras dos teus lábios,
hoje tive medo às trémulas tuas mãos, parecem grãos de areia semeadas nas planícies dos sonhos adormecidos,
e lá fora, longe de ti, beijos que se entrelaçam como réstias de silêncio provocadas pelo diurno ciume, às lâmpadas os filamentos osmóticos da solidão vaporizada, e depois... o batimento do coração de uma doente árvore, há lágrimas, há... há sofrimento nas pálpebras do abismo, e há pássaros suspensos no peitoril da tua janela sem fotografias para o mar...
hoje sofri, hoje... hoje também tive a oportunidade de sorrir, brincar contigo... e dizer-te até amanhã sem que tu percebas que para mim... para mim é-me difícil entender o amanhã, porque sinto os alicerces dos Oceanos em papel, ou... ou porque recordo os barcos das tempestades de zinco sobre o capim em overdose de saudade...
há..., há cais marítimos onde os corpos mergulham no álcool da atmosfera saturada, cansada, pedindo perdão às mesas desertas... e coitadas delas, esperando as pinceladas vãs dos pequenos cadernos de argolas,
e hoje, hoje não percebi os teus olhos, tristes, magoados, negros... negros porque tu vestiste-te de noite e como noite, que és, percorres todas as sombras da triste cidade, vês passar o metropolitano, imaginas os mabecos de quando eras ainda um rebelde adolescente, não tinhas onde atracar... e só quando havia a preia mar e baixa mar... tu, ausente de ti, dizias-nos que eras uma flor de pétala encarnada... há, há cais marítimos em cio, há gaivotas em cio... há doenças em cio,
e os corpos são de aço quando sentes as ventosas nos teus abraços,
vives, e vives acreditando na penumbra marginal de veludo,
vives e olhas-me como se eu fosse uma rocha granítica voando sobre os teus cabelos de cinza poeira,
e hoje não percebi,
e hoje... hoje tive o pressentimento que a noite é uma prostituta embrulhada nos corpos do nada, sémen, sábado à noite, o bar encerrado, e hoje... hoje não tive coragem de chorar...



@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 3 de Janeiro de 2014

sábado, 27 de julho de 2013

A cidade suicidada

foto de: A&M ART and Photos

Tínhamos Mabecos sobre os joelhos
e uma fina cortina de Cacimbo
balançava sobre o teu cabelo negro
havia espuma
brumas árvores em cio
havia um triste rio
deitado nos teus seios apaixonados pela madrugada
tínhamos pedaços de silêncio nas pálpebras nocturnas do desejo
e sabíamos que era a última nossa noite...
choravam as janelas viradas para o Tejo
e os barcos magoados brincavam na cidade suicidada
que os Mabecos iluminavam com o olhar da solidão...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Ou o pai retratava o filho

(    )
Juro, se fosse hoje, se fosse hoje inventava-me, colocava umas luzinhas na cabeça, pedia ao senhor Arsénio que me desenhasse umas asas e mandava-as construir ao tio Serafim, quando regressasse a casa com a estrelada, coitada, manca
Estrelada!
E amanhã não me fodes mais porque vais ficar na loja porque com a pedrada que te dei, e enquanto isso, o Serafim a jogar ao pino com os colegas da escola, e tenho quase a certeza que ele me constrói umas asas com vista para o Tejo, pensava o menino Pedro antes de adormecer e enquanto a família, pai, mãe e avós, todos, numa irritação
É a tua cara Alberto,
Não é não, respondia a avó Madalena, e acrescentava
É tal e qual o meu João, isso não tenho duvidas
E eu, e eu tenho a certeza que tenho algumas parecenças com um embondeiro, com um mabeco, ou na pior das hipóteses
Com um Anjo,
(mais uma breve pausa para ir à casa de banho regressamos o mais breve possível)
Sim, com um Anjo, Porque não? Deve estar louco menino Pedro, queixava-se o porteiro embriagado quando madrugada dentro ele
Eu, tu, regressávamos das longínquas sentinelas de estanho, deixávamos as mesas de granito junto aos jardins caquécticos da casa de S. Pedro do Sul
Constipação
Ou
Fígado,
Constrói-me umas asas, tio Serafim
E a coitada da estrelada só em três patas, sofreu tanto, tanto sofrimento teve esta ovelha, e o menino Pedro e a menina Margarida
Eu, tu, regressávamos das longínquas sentinelas de estanho, deixávamos as mesas de granito junto aos jardins caquécticos da casa de S. Pedro do Sul, deixara de chover, o fígado pifou uma vez mais, constipação
Ou
O pai retratava o filho com imagens a preto e branco, no tornozelo uma fitinha azul com o nome e o dos progenitores, e se fosse hoje, e se fosse hoje juro
Tinha-me inventado.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó