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terça-feira, 5 de março de 2024


 


São 14:02, a temperatura está agradável, cerca de 20ºC, o vento é fraco, muito fraco, e está uma linda tarde de praia.

A urgência de obstetrícia de Castedo do Douro reabriu, e brevemente sua excelência irá vistoriar as novas instalações do nosso blogue, vosso.

 

 

(orgasmo literário)


domingo, 6 de agosto de 2023

O Tolo

 

(Ópera em três actos)

 

Música: Francisco.

Cenários: Luís.

Guarda-roupa: Francisco & Luís, Associados.

Dança: Francisco Luís.

Personagens:

- Alzira;

- Carlos;

- O Tolo;

- Madame (X);

- Rio;

- Os socalcos e a sombra dos socalcos;

 

 

Primeiro Acto:

(o Tolo descobre que pensa)

(junto ao Tejo, um apito; AL Berto)

Tão triste

Mário…)

 

Quando me sento

Nesta pedra cinzenta

Às vezes

Lamento

Outras vezes

Invento

Que me sento

Nesta pedra cinzenta,

 

Às vezes

Acredito

Que dito

O que penso

Quando não penso

E descubro que penso

Que descubro que me fica lindamente

Este lenço em seda

Com que me enforco

E bordado pela inocência,

(Alzira aproxima-se, descreve um semicírculo de cento e oitenta graus,

Toca-me, e pergunta-me)

Porque pensas

Carneirinho

Soldado do monte

Do pasto

Das cabras amansadas

Quando ao longe

Regressam os Cacilheiros de Almada,

Não penses

Carneirinho

Não penses que as cabras

Que saltam de poiso em poiso,

(começa a orquestra: duas palmadas no rabo e um travessão, ponto paragrafo, na sua mão, Alzira, treme de frio ou de outra coisa qualquer, em pleno Agosto…)

 

Carneiro não pensa

Carneiro nasceu para sofrer

Para foder

Ser fodido

E acabar num pote em ferro

À meia-noite

Em ponto,

(o parvo do Carlos desliga o interruptor, apagam-se as estrelas, e apalpamo-nos uns aos outros como Deus nos apalpou e comeu)

 

Começa o dia

Começa o dia e o gajo descobre que pensa

Que existe

Pois claro

Mário de Sá-Carneiro

Pensava.

Um tiro nos miolos…

Florbela

Que era Espanca

Que era tão bela,

Três tentativas,

Duas falhadas,

Uma,

A correcta.

 

Abro a porta.

(Alzira corre pela seara do trigo desejo em que ela tantas tardes, adormeceu nos braços do Tolo)

 

Não corras

Alzira

Corre tu

Carlos

Não corras

Corras

O risco

De ser Tolo

E pensar.

 

Segundo Acto:

(o Tolo apaixona-se pela floresta)

(as calças que me deram hão-de ajustar-se à medida do meu corpo…, AL Berto)

 

Estavam a floresta o rio os socalcos e as sombras dos socalcos

Estavam todos á conversa

(batem à porta da biblioteca, Madame (X), abre a porta numa rotação de trinta e cinco graus anti-horário, espreita e sorri, quem será esta, penso)

Todos nós nos calamos

Calou-se o Tolo

Calou-se o rio

Calaram-se os socalcos e as sombras dos socalcos

Uma voz em gritos

Agora podemos começar

Começamos então

Uns que se sentam

Outros tantos que se levantam

Menos os que morrem

E aqueles que partiram

Ficamos nós

Aqui em conversa

Dentro desta biblioteca

(o Tolo, sim, Madame, ela que andava à procura do livro de AL Berto

“O Medo”

(perguntei-lhe se já tinha ido procurar na casa de banho, ofendeu-se, respondeu-me mal e acusou-me de assedio…)

E “O Medo” lá está

Por aí anda

Mas o que a Madame (X) queria saber

O que ela queria

Saberia

O outro

Que não eu.

(Alzira acaba de pisar uma mina num qualquer musseque em Angola)

(a orquestra suavemente, ergue-se por entre a plateia, uma jarra com flores, que tocam flauta, começam a mais linda melodia da noite; A Princesa.)

Os barcos

Os barcos atiram-se das prateleiras

Numeradas

Ficção

Poesia

Pintura

Engenharia

Tesão

E física nuclear,

(cabeças de esperma ressequido)

Do silêncio

A Madame (X)

Salta a janela

Mil e duzentos milímetros

Coisa pouca

Uma perna partida

E os ovários descaídos.

O Tolo

O Tolo beija loucamente a floresta

E descobre

Que além de pensar

Que além de…

Também ama.

 

Terceiro Acto:

(o Tolo é preso pelos leitores e pelas leitoras)

(mostram restos de esperma ressequido naquelas cabeças ocas…, AL Berto)

 

O Carlos, fugiu.

(antes de morrer, tremia de frio, e nunca mais tive notícias da Alzira)

(suavemente, ergue-se o coro de silêncios, começa a alvorada e junto à porta de entrada, A Multidão)

 

Graças a Deus

Estás vivo

Meu filho

Prefiro ver-te preso

De que ver-te morto

Não sei

Mãe

Não sei qual é a altura ideal para morrer

(o coro de silêncio cessa de desenhar sons invisíveis nos três círculos de luz, e dos olhos da Alzira, uma cortina de fogo poisa sobre a mesa)

 

Um livro toca no tolo

Ele

Excita-se

Masturba-se dentro da solidão

O livro que tem nome

Preso

Ele também

Às mãos do poeta

Sem porta

Sem janela

Sem cama

O livro vomita

Lança o esperma da madrugada sobre um campo de papoilas

Um pequeno uivo

Coisa pouca

Dança sobre a mesa

O Tolo dança

O Tolo se esquece

Aos poucos

Dos poucos que nunca esqueceu

Dos barcos

Do Céu

Das estrelas

E

(da puta que os pariu, gaguejava o nosso ausentado amigo Luiz Pacheco)

 

Uma lágrima de sangue

Abre-lhe as algemas

E a prometida liberdade

Desce

Corre

Corre para onde,

O Tolo?

 

(o Tolo descobre que pensa, o Tolo descobre que ama, o Tolo descobre que é prisioneiro dos seus leitores e das suas leitoras)

 

 

FIM

 

 

06/08/2023

Francisco

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Vinil

 

Um vinil nas mãos de uma criança

Que gira

Que dança,

Um vinil revoltado

Triste

Muito triste

E cansado.

 

Um vinil que gira

Que dá voltas á Terra,

Um vinil sem sorte

Na pouca sorte de girar,

Um vinil que grita

As canções de embalar.

 

Um vinil que traz a morte

A infância

E a espingarda desassossegada,

 

Um vinil vestido de poema

Que foge

Que se esconde na tua cama

E nunca viu a madrugada,

 

Um vinil refractário

Desobediente,

Um vinil que habita no armário

E está sempre doente.

 

 

Alijó, 13/01/2023

Francisco Luís Fontinha

sábado, 10 de dezembro de 2022

Se eu não morrer

 Se eu não morrer

Ensinar-te-ei a escrever as primeiras palavras

As tuas primeiras equações

Gostas de equações

As mais simples

Às mais complexas

Equações trigonométricas

Equações de segundo grau

Equações diferenciais

 

Se eu não morrer

Levar-te-ei a ver o primeiro clarear da manhã

O teu primeiro luar

O primeiro pôr-do-sol

Se eu não morrer

Ler-te-ei o primeiro poema

Tantos poetas que tenho para te mostrar

Herberto

AL Berto

O'neill

Cesariny

Se eu não morrer

Ler-te-ei textos de Proust

Gogol

Ou de Luiz Pacheco

 

Se eu não morrer

Ensinar-te-ei a desenhar nos lábios da madrugada

A pintar o sono na geada

Se eu não morrer

Levar-te-ei a ver o mar

E os barcos da minha infância

E as mangueiras da minha infância

 

Se eu não morrer

Ler-te-ei os meus textos

Os meus poemas

Os meus livros

E mostrar-te-ei as minhas telas

 

Se eu não morrer

Mostrar-te-ei como se constroem pontes

Edifícios muito altos

 

Se eu não morrer

Oferecer-te-ei os teus primeiros livros

As tuas primeiras tintas

As primeiras telas

Se eu não morrer

Tirar-te-ei os teus primeiros retractos

E conhecerás as tuas primeiras cidades

Vilas

E aldeias

Se eu não morrer

Levar-te-ei ao Tejo

E a todos os rios do Planeta

Onde há um rio para olhar

 

Se eu não morrer

Ouvirás todo o tipo de música

E assistirás a todo o tipo de dança

Se eu não morrer

Levar-te-ei ao circo

Ao teatro

Cinema

 

Se eu não morrer

Farei tudo isso

Enquanto sentado numa cadeira em frente à Baía de Luanda

Espero que me levem

Que me levem para as sombreadas paisagens de prata

E me deixem brincar no telhado zincado de uma nobre cubata

 

Se eu não morrer.

 

 

 

 

 

Alijó, 10/12/2022

Francisco Luís Fontinha

domingo, 16 de fevereiro de 2020

Negrito, negrito.


Negrito, negrito,
Grito,
Gato,
To,
Miau.
Negrito,
Passeia-se pelo destino,
Desenha no pavimento,
Um grito,
Ou silêncio de menino.
Negrito, negrito,
Quando o cansaço acorda,
Corda,
No pescoço do periquito.
Negrito, negrito,
Assobio,
Matinal alvoroço,
Em fastio,
O tio,
Demãos no bolso.
Negrito,
Negrito, pois então,
Calma, calma companheiro,
Que ele, o gatito,
Não é difícil de passar a mão.
Ai, negrito,
Então, pois, é negrito…
Finge-se de morto,
Morto morrido,
Gato, gato vadio,
Vadio de ter sentido,
No pulso,
Nas mãos,
A espingarda da loucura,
Dura, negrito, dura,
Sem perceber que há um grito,
Uma palavra na ternura.
Negrito, negrito,
Negrito,
Guito,
Guito.
Negrito.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
16/02/2020

sábado, 3 de janeiro de 2015

Jangada de Insónia


(Desenho de Francisco Luís Fontinha)


Oiço Oumara Moctar Bambino,
o sémen invisível do sono alicerça-se aos lençóis de porcelana,
habito um terceiro andar reumático,
romântico,
loucamente apaixonado,
brinco com os círculos do desejo,
tenho um sonho,
acordo e sinto-me um palhaço de vidro,
sem beijos,
sem... sem abrigo
Oiço Oumara Moctar Bambino,
e uma jangada de insónia poisa no meu ventre...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 3 de Janeiro de 2015

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

A pauta

foto de: A&M ART and Photos

Entre nua e as Quatro Estações de Vivaldi
O corpo balança no Dó Ré Mi
Algo de estranho de passa no Fá
Desisto quanto oiço o Sol
E ela nua
À espera do Lá…
Abre-se a janela em Si
E o corpo
Balança o corpo como um piano suspenso no tecto da alvorada
Desce sobre ela o amanhecer
Nua
Nua sem o saber…

Não percebo nada de música
Melodias
Poesia ou
Ficção vagabunda…
Mas tu nua
Não
Não enquanto brotam os sons de Vivaldi
Na tua mão
Dos teus seios
Toda nua
Tu
Uma pauta com sabor a limão.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Não Slave to love

foto de: A&M ART and Photos

Sinto-me verdadeiramente encaixotado nos aranha-céus que o teu querido pai me prometeu, entre um deles e um qualquer livro, escolho um qualquer livro, e entre um qualquer livro e um copo de vodka, escolho obviamente...
Um qualquer vodka, porque dispenso o livro, porque dispenso um qualquer poema, porque dispenso o copo, sinto-o e sinto-me encaixotado nas tuas mãos vendadas pelo sono, cerras os olhos dos ténues pulsos de areia, pertences aos corpos clandestino como os pequenos grãos e as distintas óbvias gotículas do suor tua pela, cerras os olhos que jazem nos teus pulsos, suicidadas-te como uma menina mimada, singela, como uma flor vagabunda num qualquer palco, onde se ouve, uma qualquer banda, o piano melódico, e da voz poética, ela, ele, transformam
“Demito-o obviamente”,
E demiti-me,
Deixei se ser o amantes nocturno das noites de Verão, deixei de ser o clandestino mendigo passeando-se pela Avenida ribeiro das Naus, enquanto escrevo, oiço a melódica voz de “Joana Gomes” e dos “Fingertips”, e obviamente
Recordo, as saudades, de Carvalhais, e de S. Pedro do Sul, e dizem-me que o rio ainda corre como corria, e dizem-me que a eira ainda é a eira de ontem, pouca coisa mudo, apenas que o avô Domingo deixou de passear-se de bengala e dorme debaixo da lápide granítica onde alguém escreveu
“Eterna saudade”,
E demiti-me,
Hoje, hoje não amante, hoje, hoje não escravo do amor “Slave to love”, STOP, e na primeira rotunda a segunda saída, a respectiva plana de sinalização
“Precisa-de amor”,
Penso, devo estar perto, ao que tudo indica... uns míseros oito quilómetros, estrada sinuosa, encurvada, subo a serra como um caracol mal disposto, paro, peço um café mal tirado, por dificilmente encontrarei um bom café, e fico especado a ouvir a voz melódica do piano, debaixo da mesa, uma criança traiçoeiramente apanha um chupa-chupa, lembro-me de quando ainda era eu, muito antes de me demitir, lembro-me do Baleizão, lembro-me dos palhaços e dos malabaristas, lembro da tenda do circo dançar sobre a minha cabeça de menino
Mimada, tu
Eu, eu mimado, filho único, tinha um cavalo em madeira, saltava o portão de entrada e entrava cidade adentro, a cada machimbombo que encontrava gritava
Avô Domingos?
Nada
Avô Domingos?
Nada, nada de nada
Outra vez... Avô Domingos?
E encontrava-o numa transversal em Luanda com um cordel na mão a puxar um machimbombo com olhos azuis e missangas no pulso esquerdo, no direito
Machimbombo? Outra vez... Avô Domingos?
Penso, devo estar perto, ao que tudo indica... uns míseros oito quilómetros, estrada sinuosa, encurvada, subo a serra como um caracol mal disposto, paro, peço um café mal tirado, por dificilmente encontrarei um bom café, e fico especado a ouvir a voz melódica do piano, debaixo da mesa, uma criança traiçoeiramente
Triste,
Penso, devo estar perto, ao que tudo indica... uns míseros oito quilómetros, estrada sinuosa, encurvada, subo a serra como um caracol mal disposto, paro, peço um café mal tirado, por dificilmente encontrarei um bom café, e fico especado a ouvir a voz melódica do piano, debaixo da mesa, uma criança traiçoeiramente
Infeliz,
Penso, devo estar perto, ao que tudo indica... uns míseros oito quilómetros, estrada sinuosa, encurvada, subo a serra como um caracol mal disposto, paro, peço um café mal tirado, por dificilmente encontrarei um bom café, e fico especado a ouvir a voz melódica do piano, debaixo da mesa, uma criança traiçoeiramente
Cansada de ti,
E obviamente... demito-me.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Desejava-te loucamente como versos brincando numa calçada de Lisboa

foto de: A&M ART and Photos

Embalavas o teu alegre piano como se ele fosse o teu próprio filho, abraçavas-lo e embrulhava-lo com os braços pendentes de caules verdejantes como as lâmpadas que a noite inventa nos teus olhos, ouvíamos-te longamente sentada num pequeno banco alegremente feliz, sentavas-te nele, rodavas o tronco e a cabeça, esticavas os longos dedos de porcelana... e saíam das tuas mãos os mais lindos melódicos sons,
Chamo-te A Pianista, sem o saber, sem sequer perceber se realmente sabes tocar piano, se realmente... algum dia tocaste com os teus dedos em algum, se realmente algum dia acariciaste algum, e sabes? Não o sei, talvez nunca tenhas tocado piano, talvez nunca tenhas adormecido ou acariciado algum piano, mas eu, eu imagino-te sentada num banco simples, feliz, voando dentro da sala de estar,
Ela vagueando como corpo sobre as teclas húmidas do piano em voz poética quando das manhãs ouvíamos-te saltitar entre os ramos cerâmicos dos teus abraços cúbicos nas equações complexas dos sons invisíveis do corpo teu piano..., havíamos inventado as janelas com vista para o mar, embalavas o teu alegre piano como se ele fosse o teu próprio filho, feliz, descendente do Sol, filho da nuvem cinzenta e da gotícula número mil quinhentos e vinte e três, gostava de ti, nua, sobre o teclado em tons de negro, descia sobre ti a tempestade, o ciúme, descia sobre ti o medo, e tu, rosa bravia, caminhas desordenadamente junto ao desejo, olhavas-nos, e sabíamos que nos teus olhos
Chamava-te A Pianista, sem o saber, sem sequer perceber se realmente sabes tocar piano, se realmente..., os teus olhos, vagabundos, escrevias nas pálpebras as notas musicais, deixavas adormecer nas tuas mãos os tão desejados silêncios dos beijos ainda não acordados, dormias, nua, eu, eu fumava desalmadamente cigarros que me cerravam os meus olhos, deixava-te de ver, apenas um sombreado ténue realçada o teu corpo deambulando entre o travesseiro e a cabeceira da cama, os teus cabelos soltos pelo imenso areal, a areia branca, silenciosa, e quando acordavas
Olá sisudo,
E quando acordavas, se ele fosse o teu próprio filho, feliz, descendente do Sol, filho da nuvem cinzenta e da gotícula número mil quinhentos e vinte e três, gostava de ti, nua, sobre o teclado em tons de negro, descia sobre ti a tempestade, o ciúme, descia sobre ti o medo, e tu, rosa bravia, caminhas desordenadamente junto ao desejo, tu vestida de desejo, e sentia-te nas minhas mãos antes de entrarmos mar adentro, o teu silencioso piano, o teu invisível teclado ténue...
Olá sisudo
Ténue como os teus dedos, ténue como os teus soltos cabelos escrevendo poemas sobre as rochas desassossegadas das palavras abelha que voavam debaixo dos velhos plátanos, deitada, tu, tu não propriamente, deitado o teu corpo, eu, eu fumava desalmadamente para não te ver, porque quando te via, eu, eu desejava-te loucamente como versos brincando numa calçada de Lisboa, ouvia, ouvíamos-te os sussurros sonhos,
Sisudo,
E a noite entrava nos teus mamilos cor de chocolate, uma borboleta poisava como se de uma folha de papel se tratasse, e sabíamos que não era uma folha de papel qualquer, e sabíamos que a noite não era uma noite qualquer, e sabíamos que o teu piano dançava no corredor entre o teu quarto e a casa de banho, e a borboleta que não era borboleta, mas apenas a imagem reflectida num espelho de uma folha de papel, a mesma
Sisudo,
A mesma folha de papel onde escondias as notas musicais, a mesma onde escondias o meus lábios e me proibias de te beijar, e era nessa mesma folha de papel onde guardavas as minhas mãos, para que eu, para que eu não te acariciasse o teu copo sonolento com sabor a melódicos sons e a poéticos suspiros, e os teus lábios acabavam, já de madrugada, por morderem-me o meu pescoço e o meu peito,
Sisudo eu, sisudo eu,
E fumava desalmadamente para não te morder os lábios e os teus seios poisados sobre o teclado sombreado de um piano, de um piano, que nunca ninguém viu, que ninguém sabe a idade, nome, ou a localidade onde habita, mas sinto-o, mas sinto-te na minha cama debaixo dos meus lençóis...

(não revisto – Ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó

domingo, 28 de julho de 2013

… e ardes dos livros envenenados...

foto de: A&M ART and Photos

... e ardes como pedaços de papel sobrevoando a poeira madrugada dos livros envenenados...
o putrefacto poema vagueia como infinitos gemidos suspensos na árvore do desejo
dormem como cadeiras vazias as lâmpadas húmidas do corpo teu mergulhado em sons melódicos
ardes como os beijos
que nascem nos lábios do amanhecer,

Amor mergulhado em silêncio poeira que a insónia deixa nas flores com esqueleto de pedra...
uma mão traiçoeira sobe cuidadosamente os degraus da manhã de porcelana
… e ardes
como invisíveis sílabas na lareira da fome
ou de uma janela o cansaço viver como cordas de nylon em pingos de sémen,

Oiço-te na sonolenta despedida do calendário de parede
e ardes...
como pequenas palavras em suor teus seios de ébano
percebo o teu olhar entre as cinzas da lareira nocturna...
nas flores com esqueleto de pedra encarnada,

… e ardes
dos livros envenenados...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó

segunda-feira, 3 de junho de 2013


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