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domingo, 27 de janeiro de 2013

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Inocência dos sonhos, a cidade plantada na copa de uma árvore, debaixo dela brincam crianças de cabelo castanho, meninos, meninas, homens, mulheres, silêncios de oiro, rios cansados de regressarem ao mar das oliveiras, entre a montanha dos pilares de areia e a táctil mão de desejo que ela, a minha única irmã, transportava para as cavernas do ciúme, havia a noite, triste, e tínhamos acabado de perder todas as estrelas do céu, penhoradas as nuvens, pergunto-me
Que faço eu aqui? Não sei, mas tenho a certeza que os meus irmãos são loucos, e que as acácias salgadas do meu primo Augusto são processos revolucionários em curso, doutorados pelos bares e caves da cidade, ouviam-se gemidos de luz quando atravessava de eléctrico cidade, a mesma cidade a que todos chamávamos
Cidade da inocência dos sonhos,
Alguns azuis, outros, outros encarnados, confesso, gosto do vermelho, mas prefiro o negro, a noite é negra, os buracos negros, evidentemente, são negros, gosto, adoro, amo, as palavras pretas e pretos que voam dentro dos meus poemas, amo as cidades negras vestidas de branco e inventadas pelas mãos de uma criança negra, preta, húmida
A cidade
Toda nua,
E
Às vezes,
E às vezes ouviam-se orgasmos de mel nas colmeias dos sótãos perdidos dos edifícios perdidamente apaixonados pelos carros em miniatura que o menino António trazia nos bolsos do bibe, chegava à escola, e de bata branca, senta-se numa carteira carunchosa, velha, a mesma onde se tinha sentado o pai, o avô, e o tio Francisco, que diziam ser louco e que depois de ter vivido dez anos na Coreia do Norte, nunca
A cidade
Toda nua,
Às vezes, e dizem que nunca mais apareceu, evaporou-se, como as lâminas de barbear que o aldrabão do meu vizinho me vende, riscadas, velhas, com as janelas extintas em fios de aço, ouviam-se todas nuas
As árvores onde vivia a cidade da inocência dos sonhos, quinto andar – esquerdo, ao terminar o dia, esperava-a à porta da galeria falida onde ela teimava trabalhar, sabendo que as paredes
Nuas, todas nuas
Como os pássaros que viviam no meu pobre sótão, coitado, com um cadastro infernal de doenças, diabetes, colesterol, próstata e nunca esquecer o reumático, e ainda eu não tinha chegado ao primeiro andar já ele em queixumes e aos gritos que às vezes eu não sabia se ele estava mesmo doente, se ele se fingia de doente ou pior, se ele estava grávido e a dar à luz
Eu suava, subia dois a dois, os degraus envelhecidos da madeira ranhosa que o velho Fernando deixou quando partiu para a aventura dos montes de areia, sabia-o e sabia-a, ouvíamos docemente o choro de um recém-nascido, e eu, acreditava
Sim, vou ser pai
E ouviam-se do quinto andar – esquerdo, ao terminar o dia, esperava-a à porta da galeria falida onde ela teimava trabalhar, sabendo que as paredes
Nuas, todas nuas
São gémeos,
E juro que ainda hoje não acredito que de um sótão envelhecido, doente, perdido numa cidade que vive sobre a copa das árvores
Tenham saído os meus queridos irmãos,
Loucos,
Pareciam-se como os outros sótãos da cidade, o mesmo rosto, o mesmo tamanho, a mesma cor, e loucos
E que nunca mais apareceu o tio Francisco.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha