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domingo, 15 de outubro de 2023

O senhor estrangeiro

 Sinto-me um estrangeiro

Nesta cidade estrangeira

Sinto-me um estranho

Dentro desta cidade estranha

Nesta cidade sem ribeira

Desta cidade de montanha

 

Sinto-me só

Nesta cidade estrageira

Desta cidade sem nome

À beira

Da fome

Sinto-me um estrangeiro

Nesta cidade amuada

Com tudo encerrado

Desde a madrugada

 

Sinto-me um estrageiro

Nesta cidade amaldiçoada

Com tudo encerrado

Desde a madrugada

Sinto-me um estrageiro apupado

Pelo povo e pelo vento

Pelos relógios

Sou um estrageiro

Dentro desta cidade

Estrageira

À beira

De um ataque de nervos

 

Sinto-me só

Só um estrageiro

Sem nome

Sem dono

Um estrageiro redondo

Circular e uniforme

Que marcha

Que come

As palavras

E todos os estrageiros

Desta cidade estrageira

 

(Sinto-me um estrangeiro

Nesta cidade estrangeira

Sinto-me um estranho

Dentro desta cidade estranha

Nesta cidade sem ribeira

Desta cidade de montanha)

 

À beira

Da loucura

 

Sinto-me um estrangeiro

Dentro desta cidade de fantasmas

De marés envenenadas

Um estrageiro diplomado

Com asas

Com cornos

E cabelo encaracolado

Junto ao mar

O poeta enforcado

 

Sinto-me um estrangeiro

Dentro desta cidade estrangeira

Com tudo encerrado

Desde a madrugada

À beira-rio

O estrageiro enforcado

Poeta e vadio.

 

 

15/10/2023

terça-feira, 6 de março de 2012

Porquê as acácias?

(dedicado ao visitante anónimo que algures em Moutain View, Califórnia, tem paciência para ler as porcarias que escrevo)

Fantasmas,
Pedaços de tecido em busca de um corpo, sombras que caminham durante a noite até ao rio e esperam pelo abraço de um relógio de pulso prisioneiro da maré, é assim a minha vida, fantasmas que entram ao cair da noite e desaparecem pela manhã, antes de acordar,
Antes de eu acordar e olhar-me no espelho, muito antes de eu ter tempo de colocar a minha mão sobre a mesa-de-cabeceira em busca de um livro perdido, e dou-me conta que até as personagens fugiram, escondem-se, gritam-me enquanto mergulho no sonho, uma bicicleta enferrujada corre e desce a calçada, um homem sem braços e sem pernas espera pacientemente a mão da solidão,
- Os dias são tristes porque as acácias deixaram de sorrir E nunca mais lhe ouvi a voz melódica que descia pelas teias de aranha da infância, E nunca mais
Fantasmas
- Percebi porque choravam as acácias, E nunca mais percebeu porque a melhor amiga o visita durante a noite, constrói um sonho e chora e tem fome e à sua volta todos os prédios da cidade enterram-se terra adentro, e nunca mais,
Pedaços de tecido em busca de um corpo, sombras que caminham durante a noite até ao rio e esperam pelo abraço de um relógio de pulso prisioneiro da maré, e os dias já não são dias, e as noites são gotinhas de dor em círculos concêntricos entre os seios e o púbis
- Porquê as acácias?
E quando uma janela se abre
- O desejo
As gotinhas de dor em cima da bicicleta e as gotinhas saltam para o rio e a bicicleta senta-se sobre o xisto onde uma tela em tons de azul espera que o homem sem pernas e sem braços fume o cigarro esquecido nas mão da solidão,
O desejo,
- Pedaços de tecido em busca de um corpo,
Os fantasmas disfarçados de sorriso
- O mar descansa nas mãos do pôr-do-sol e a janela do meu corpo cerra-se eternamente como se fosse um caixão de madeira que arde numa fogueira de livros e telas e palavras e fantasmas…
Os fantasmas disfarçados de sorriso em pedaços de tecido,
- Os meus amigos Fantasmas,
Quando os dias são tristes porque as acácias deixaram de sorrir…

(texto de ficção)