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terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Espantalhos

 Caíam sobre nós as navalhas de vidro

Que da noite traziam todos os silêncios visíveis e invisíveis,

 

Naquele tempo

Acreditava ser um pequeno espantalho

Algures esquecido num qualquer campo de milho

À espera de que regressassem as amuradas da insónia,

 

Nunca regressaram e nunca me importei por tal:

Às vezes a noite escondia-se dentro de um pequeno cubo de vidro

Como sempre se esconderam as nuvens

E a chuva e a geada,

 

As abelhas picavam os braços emagrecidos dos espantalhos

(que só a mãe consegue perceber)

E mesmo assim

Habitava numa redoma de vícios

E muitas vezes empenhei o meu esqueleto…

Que ainda hoje

São duzentos e seis ossos de dor.

 

E erguiam-se sobre nós

As tempestades cinzentas das marés

Quando descia sobre o corpo a ressaca

E voávamos sobre uma planície pincelada de negro horror.

 

Hoje não me escondo

E tão pouco sou um espantalho…

 

 

 

 

Alijó, 27/12/2022

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 19 de maio de 2014

A manhã antes de acordar


Tínhamos dentro de nós
uma finíssima película de espuma
éramos dois espantalhos semeados no centro do trigo
sentados
olhávamos o espigueiro da preguiça
cansado
ao sol
deitado entre as ripas da solidão,

Tínhamos um punhado de desejo
e sentíamos as faces do vento nas nossas mãos de esmeralda
os diamantes iluminavam os teus olhos de sereia madrugada,

Tão louca
a noite
quando adormece no teu ventre,

Colocava os meus dedos nos teus cabelos
voavam como um colorido papagaio em papel doirado
ouvíamos as lágrimas do rio
que depois do luar... acorrentava barcos e marinheiros famintos
e tínhamos
e sentíamos...
o quê?
beijos transversais nas vidraças do poema,

Tínhamos...
… e era tão louca
a manhã antes de acordar.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 19 de Maio de 2014