Caíam sobre nós as navalhas de vidro
Que da noite traziam
todos os silêncios visíveis e invisíveis,
Naquele tempo
Acreditava ser um pequeno
espantalho
Algures esquecido num
qualquer campo de milho
À espera de que regressassem
as amuradas da insónia,
Nunca regressaram e nunca
me importei por tal:
Às vezes a noite
escondia-se dentro de um pequeno cubo de vidro
Como sempre se esconderam
as nuvens
E a chuva e a geada,
As abelhas picavam os
braços emagrecidos dos espantalhos
(que só a mãe consegue
perceber)
E mesmo assim
Habitava numa redoma de vícios
E muitas vezes empenhei o
meu esqueleto…
Que ainda hoje
São duzentos e seis ossos
de dor.
E erguiam-se sobre nós
As tempestades cinzentas
das marés
Quando descia sobre o
corpo a ressaca
E voávamos sobre uma planície
pincelada de negro horror.
Hoje não me escondo
E tão pouco sou um
espantalho…
Alijó, 27/12/2022
Francisco Luís Fontinha