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quinta-feira, 30 de maio de 2013

Noite em reflexo do velho crucifixo

foto: A&M ART and Photos

Atravessávamos o lótus húmido da manhã
como eram as escadas que deslizavam ruela acima
sentávamos-nos sobre uma sombra gargantilha
e dos pinheiros mansos de Carvalhais
ouvíamos as eiras graníticas correrem em direcção à ribeira dos aflitos,

Éramos novos e crianças
mal sabíamos ler e escrever
e falávamos entre sons desconexos como pedras a invadirem a montra de uma ourivesaria
tínhamos livros
e apenas víamos as imagens deslizantes como serpentes sem cabeça,

Gostava de ti ainda
como às paisagens de África circunflexas no interior do osciloscópio
e mágicos invadiam as janelas com cinco vidros pintados de encarnado anoitecer
vinha a noite
e via-te encostada a uma jangada invisível na esperança de voares,

Nunca o fizeste como comigo depois de eu ter caído no poço da angústia
tínhamos na boca o sabor a ervas ou a bolhas castanhas com asas verdes
deslizavam sobre uma lâmina de alumínio como correm todas as bolhas
quando chovem diamante e lábios de areia
entre canoas e pedaços de osso argamassado contra os eléctricos da Baixa,

O rio da saudade ornamentava-se e entrava em nós como silêncios gemidos
sobre uma cama de pensão com paredes rendadas e crucifixos suspensos sobre a cabeceira
olhávamos-nos no espelho
e os nossos corpos nus misturavam-se com o reflexo do velho crucifixo
… e assim deixávamos em suspenso o amor canino com dentes de marfim...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha