Mostrar mensagens com a etiqueta corpos. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta corpos. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

O sono da lentidão


Esqueci-me de amar-te

No esconderijo da noite

Dormias nos meus braços

Como dormiam os vampiros das searas envenenadas

Pegava na tua mão

Alicerçava-me a ela como se fosse uma âncora invisível

Para me aprisionar

Sempre

Eternamente sempre

E esqueci-me

Do esconderijo

Que habitava a noite

Amava-te sem o saber

Sabendo que te amava

E dormias

E pegavas na minha mão…

E sempre

Amanhã

Depois de amanhã…

O amor encastrado na montanha da solidão

Tinhas as pálpebras em combustão

Tinhas o silêncio suspenso nos teus lábios

E um beijo acordava na claridade do desejo

Sou um pedinte diplomado

Que não se cansa de encontrar o amor na madrugada

Quando há madrugada

Quando há o amor

O amor da madrugada

Sentias, acredito que sentias os meus olhos nos teus olhos,

Cegos

Esperando o regresso do alpendre abandonado

O mar

O mar, meu amor, dançando nas tuas coxas,

Saltando os muros de xisto da paixão

Que divide o prazer da ilusão

Amanhã

Depois de amanhã…

O amor ancorado aos insignificantes corpos de desilusão

O mar

E o amar

No sono da lentidão.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quarta-feira, 28 de Outubro de 2015

sábado, 18 de julho de 2015

Impostor


Não me conheço neste espelho desventrado pela dor,

Não mereço o teu sorriso,

Misturado nos orgasmos em delírio com a minha ausência,

Com a minha dor,

Pertences ao silêncio das rochas apaixonadas,

Suspendo-me nos teus lábios,

Galgo as montanhas dos marinheiros sonolentos,

Sem rumo,

No espelho…

Impostor

Amor

Sem pertencer aos Oceanos de medusas desenhadas nos teus seios,

 

É tarde,

Não te pertenço,

Não me pertenço,

Sou um palhaço sem dono,

Um circo arruinado,

A arte…

Arde no meu peito de cerâmica envenenada,

E sem rumo,

 

Sou um falhado.

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 18 de Julho de 2015

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

As pálpebras do poema


Não sabia que o teu nome
era apenas um nome
uma solitária palavra
sem alma
sem coração
sem... sem barcos ao anoitecer,

não sabia que o teu nome
era apenas um nome
sem corpo
sem sombra...

não sabia que o teu nome
era apenas um silêncio
sem imagens
sons
ou... ou fotografias
em constante mutação,

não sabia
não sabia que o teu nome
era apenas uma assombração
uma cidade esquelética voando no pôr-do-sol,

(Não sabia que o teu nome
era apenas um nome
uma solitária palavra)

como as pálpebras do poema antes de ser o poema,

não sabia que o teu nome
era apenas um nome
um soluço mastigado nas sílabas do Diabo...
não sabia
que... que o teu nome
é como a areia húmida
e o mar apaga todos os seus desenhos
como a morte... apaga todos os seus corpos...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 8 de Dezembro de 2014

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Terra prometida


A terra que te prometi, existirá?
o chão lapidado onde rolavam dois corpos de arame, como era o seu nome...
esqueci o significado de noite,
esqueci o horário nocturno das avenidas em flor,
a terra, a terra que te prometi... não, nunca, nunca mais a observei,
antes brincávamos como duas crianças em frente ao mar,
e hoje,
e hoje o chão lapidado onde habitavam os nossos corpos deixou de existir,
havia uma cama fictícia com duas lanternas de silêncio...
havia um apito que assinalava a nossa partida,
partir,
não regressar, nunca, e nunca mais a observei.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 16 de Julho de 2014

domingo, 15 de dezembro de 2013

Rua dos Prazeres

Foto de: A&M ART and Photos

Desprendem-se das nuvens os pregos negros da cidade dos cães, tinham-me dito que na rua dos Prazeres habitava uma janela com cortinados de areia, havia uma menina de cabelo doirado e no pulso..., sentíamos o vento dançar sobre a neblina madrugada,
No pulso as pulseiras das feridas cansadas,
A madrugada entretinha-se com um baralho de cartas, meia dúzia de azeitonas e algumas rodelas de linguiça..., havia chouriço assado e pão de centeio, música desgovernada que a menina com pulseiras das feridas cansadas deliciava-se a ouvir, encerrava os olhos e
Voava...
Sobre os plátanos maternos dos dias nublados o mar da saudade entrava-nos dentro da cabana com telhado de colmo, nunca vi a chuva dentro do corpo dela quando a roupa desaparecia do estendal e um emagrecido esqueleto de desejo deambulava em cima do cobertor de lã que alguém nos tinha oferecido, ainda muito antes de ela ser ela, ainda mesmo quando não tínhamos, ainda mesmo quando não usávamos...
Beijos, e margaridas nas jarras em porcelana,
E
Voava o cretino calendário com a fotografia do espantalho de palha, junto à eira uma pequena fogueira alimentava a canção dos grilos aflitos dentro da cratera terra onde brincavam espigas de milho, feijão e aqui e além...
O centeio vivia sufocado com as auroras boreais das latidas palavras caninas, o burro culminava a exuberante letra do poema abandonado, fotografias infinitas zurravam nas labaredas da fogueira que a eira gritava
São minhas, são minhas... são minhas as tontas palavras,
Ninguém se mexia, ninguém acreditava em fogueiras, círios e desenhos inscritos na docas árvores com espelhos de prata
Eu + Tu,
Dois parvos,
Amor de...
Outra parvoíce... amo-te... nunca mais...
(desprendem-se das nuvens os pregos negros da cidade dos cães, tinham-me dito que na rua dos Prazeres habitava uma janela com cortinados de areia, havia uma menina de cabelo doirado e no pulso)
Eu + Ele,
E
voava, e são minhas, são minhas... são minhas as tontas palavras, aquelas que escrevia no corpo dele enquanto o tempo morno
Morno?
Não, não morno...
Morto, matávamos o tempo escrevendo versos no corpo um do outro, ela dizia que as árvores estavam agoniadas com tantas
Tontas?
Não, não tontas, com tantas velhas inscrições...
Eu + Tu,
Será, não será, e uma seta aproveitava a esplanada da paixão e alojava-se no coração desenhado do velho tronco, a navalha entrava corpo adentro, a navalha recheava os telhados amaldiçoados das ruas com janelas...
E
Os cortinados
Da cidade
Da cidade dos cães, latidos, uivos, suspiros...
A paixão?
O amor morto depois de assassinado pela canção da menina com pulseiras... no pulso as pulseiras das feridas cansadas, e cansadas elas percebiam que éramos sombras à espera do desarrumado relógio de pulso, o mesmo que esteve presente na noite de núpcias, o mesmo que presenciou o primeiro “charro”, aquele que assistiu à primeira “chinesa”... aquele que acreditava na menina com pulseiras
Parvas,
Monas,
Tolices em palavras depois de mortas.


(não revisto - ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 15 de Dezembro de 2013

sábado, 16 de novembro de 2013

as incendiadas sanzalas do prazer

foto de: A&M ART and Photos

porque me procuram nas incendiadas sanzalas do prazer
não sendo eu um homem como os homens das bandeiras embriagadas
porque me procuram nas entranhas manhãs de cacimbo
eu escondido no zinco telhado do musseque alvorado
porque sou assim
um casebre sem esqueleto e ignorado
um imbecil que em tudo acredita
e que procuram como se fosse um objecto para reciclagem
usa-se
deita-se fora
e nasce em ti o dia ensanguentado das tristezas noites junto ao Mussulo
porque sou um um monstro vestido de negro

(como o dizem quando me chamam
e acordam
em todos os silêncios do medo...)

porque finjo que sou amado
porque acredito eu no amor
quando o amor é uma caravela à deriva no triste Oceano
porque me procuram nas incendiadas sanzalas do prazer
porque sou um canino disfarçado de desenho animado
porque me dizem que sou um poema odiado
palavras da merda escritas por um gajo de merda
porque acredito
se nunca deveria acreditar nas manhãs sem nuvens
porque são falsas
e logo em seguida
ejaculam as gotinhas amargas da chuvinha colorida...

(como o dizem quando me chamam
e acordam
em todos os silêncios do medo...)

sou um gajo porreiro como o são todos os cadáveres da morgue do púbis amanhecer
porque sou um imbecil sentado num banco de jardim
espero as ripas madres em madeira apodrecida
finjo que sou amado
e todos o sabemos que não o sou
porque apenas pertenço aos corpos dilacerados
dos musseques adormecidos
doridos
mórbidos entre as espadas dos livros em poesia
e as palavras semeadas nas tuas coxas de terra fértil...
esperam as sementes da alegria
como se fossemos apenas vozes entrelaçadas como dedos em vaginas acorrentadas às sílabas inanimadas...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 16 de Novembro de 2013

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

equações de prata

foto de: A&M ART and Photos

prometidas equações de prata nos olhos da cidade agoniada
da boca os sinceros mergulhos de solidão
como simples quadrados traçados no térreo pavimento do desejo
há nela uma janela com vidros de sémen
que caminham
e vivem no Mosteiro da insónia
prometidas coisas
sem sentido sem sentido...
simples
simples anexos de chita
sobre o nu travesti que as coxas do silêncio absorvem antes de terminar o dia
e prometidas linhas de fino ouro que atravessam as ruelas dos sonhos
e infestam de palavras as mãos ensanguentadas das mulheres-sombra
alimentam-se de pedaços papel e singelas migalhas de areia da algibeira da agonia
sentíamos os velozes corpos transatlânticos vestidos de aço como líquido esquelético dos alicerces de vidro
e amávamos-nos quando nos embrulhávamos nas montanhas das gaivotas em cio
prometidas equações que o teu corpo seduz como a Professora quando do aluno fantasma
ossos e pregos e madeira ressequida saltitam no recreio da escola
há árvores sobre os diques do prazer quando ejaculam as searas os palhaços de trapos de cetim
e amávamos-nos sobre quatro rodas em movimento curvilíneo
um pêndulo e um cordel
e tudo o que nos restou da tempestade de zinco aos telhados engrenados no teu ventre
chovia enquanto desenhávamos sexo nas frestas do gesso
às paredes argamassadas das esquinas iluminadas pelo teu olhar de manteiga...



(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 14 de Novembro de 2013

terça-feira, 27 de agosto de 2013

ténue nua luz

foto de: A&M ART and Photos

dois pontos de ténue nua luz
esperando pela abertura da triste janela
dois corpos vestidos de onda
caminhando nas tuas costas de porcelana
voando sobre a doce cama
onde se escondem os homens de palha com palavras inaudíveis
fracas
terríveis

dois pontos teus hoje na roda da fortuna
rodando como milagres indefinidos no altar das Marias adormecidas
vaiadas
cansadas
correndo ruas despidas
descendo e subindo calçadas
como tu
como eu

à sombra
dois pontos de ténue nua luz
comendo sílabas enlatadas
e bebendo
chá de ervas enraivecidas
sumarentas
na caverna da Dona Joaninha...
e uma ferradura pendurada à porta

e um velho letreiro recordando
barbas e cabelo
barbeiro
oficina de beleza
pintor de jóias roubadas...
barbeiro feiticeiro
barbeiro literário... poeta
dois... dois pontos de ténue nua luz


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 27 de Agosto de2013

segunda-feira, 8 de julho de 2013

O Castelo da Solidão

foto: A&M ART and Photos

Inventava cavernas na tua garganta
percorria as entranhas rochosas da tua pele de cogumelo acabado de nascer
via na tua língua as migalhas de incenso
trazidas pela insónia
inventava barcos no teu púbis como os desenhos das gaivotas sobre os teus seios de silêncio
ao cair a noite sobre o Castelo da Solidão,

Inventava um divã semi-nu em busca de corpos crucificados pelo suor da noite
e das pedras as encarnadas palavras copiando veias e artérias dentro do medo
vinha até nós a escuridão dos areais cinzentos com plumas adormecidas
vinhas-me do espelho e dizias que eu parecia uma lanterna poisada sobre um pedaço de espuma
que o teu nobre corpo degolava como sílabas num texto embriagado
pela minha triste mão,

Sabias-me a neblina quando palmilhava o teu corpo com os meus lábios
escrevia meros poemas em poucas palavras de argamassa orvalhada
sentia-me entre dedos e marés
como ventos ciclónicos depois de partir o último comboio para o Castelo da Solidão
puxava o último cigarro
e agarrando o último suspiro... cerrava os olhos até adormecer eternamente só... dentro do teu peito...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

domingo, 23 de junho de 2013

Tenho-os dentro do meu esqueleto os antigos panfletos manuscritos, rasurados, nojentos, tenho-os, mesmo antes do nascimento do amor

foto: A&M ART and Photos

Sinto-me como um panfleto manuscrito, rasurado em determinados centímetros quadrados de área, sinto-me uma pulga vagueando no interior do pêlo fiel amigo meu canino, escondo-me das luzes, escondo-me dos paralelos desconformados, defeituosos, alicerçados a um passado que nunca, nunca existiu em mim um mar verdadeiro, silencioso, com ondas coloridas, calmas, docemente cinzentas como as flores do teu olhar, sento-me e esqueço-me da tua existência como mulher, criança, menina mimada, sempre em revolta, a brincar, às vezes, dentro da minha oca cabeça, recheada, a minha oca cabeça, com papel de parede floreado, que me servirá para alimentar o medo do quarto onde me deixam adormecer, deixavam? Também o desconheço, o ignoro, penso nas mãos dele e tenho-lhes medo, medo de ser acariciado como uma rosa quando acorda no jardim em desejados corações de incenso,
Tenho-os dentro do meu esqueleto os antigos panfletos manuscritos, rasurados, nojentos, tenho-os, mesmo antes do nascimento do amor, em mim, recordo a primeira paixão, talvez fosse o mar, o meu primeiro amor, ou... as mangueiras, ou... o meu fiel amigo chapelhudo, ou o abraço do velho Domingos quando regressava a casa, abria-me os braços... e eu, entrava dentro dele, até ao dia seguinte, até ser novamente manhã,
Lembro-me das tuas carícias, recordas-me tu em apenas três imagens, três simples desenhos inventados por ti numa noite de desenhos com literatura e vodka, ouvíamos “Dire Straits” sentados numas cadeira com uma estrutura flácida, como o sexo em noites de embriaguez, deitavas a cabeça no meu ombro, e voávamos sobre um Lisboa acabada de descobri, eu imaginava-te dançando sobre uma mesa num bar em Cais do Sodré, tu, não me imaginavas mas sabias que eu era um panfleto manuscrito, rasurado, como a montanha quando nascem os pássaros e a olham pela primeira vez, sorriem e exclamam...
Amo-o,
As tintas alimentava-te,
Amo-a,
Também, vestia-se de tela, e do corpo cresciam raízes pedestais em cúbicas cidades de areia, dançávamos como se não existissem madrugadas de poesia, como se não existissem rosas no jardim do amanhecer para alimentar-te os lábios pincelados de encarnado sangue, fluidos derramavam-se-te como espelhos em pedacinhos de luz, que reflectiam nos tectos das noites ausentadas, e percebia-se figuras não geométricas nos teus lençóis de insónia,
Hoje,
Amo-o,
As tintas alimentava-te,
Amo-a, o cansaço equacionado em triplas integrais numa ardósia junto à pastelaria onde comíamos os fabulosos pasteis de nata, Belém, a nossa casa, um relvado infinito de sombras, de braços entre beijos e sonhos, as árvores despiam-se e deitavam-se connosco, éramos muitos, muitas, o quê?
Amo-o, dizias-me tu enquanto te masturbavas no espelho invisível da noite, e no entanto, reconhecia os meus desenhos no teu corpo bronzeado, escuro, como os livros acabados de arder sobre as tuas coxas de silício, e ias à janela, e desaparecias como desaparece o fumo dos cigarros que hoje não fumo...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 14 de maio de 2013

Desisto quando percebo que todos os corpos são corpos

foto: A&M ART and Photos

Escondes-te do mar, dentro do mar, existe à tua volta um túnel hiperbólico, ausente do vento de nordeste, escavam-se na rocha as palavras por dizer, proibidas, emagrecidas, escondes-te e desces e desces e desces,
dentro do meu corpo,
Sou o teu hospedeiro, o eterno viajante, sem bagagem, sem luvas, e na algibeira, poucas, as migalhas de sílabas para matar a saudade de escrever, quando a vontade há muito foi embora, agora, ficou, tu, a ausência de pessoas, de beijos, a ausência de calendários, como que existissem nas paredes em ruínas das almas que vagueiam pela cidade, corações, amor, desilusão, poucas vezes me confesso no espelho junto ao contentor de lixo, uma vezes cheio, outras, ultimamente, vazio, penumbro, escuro, e fundo,
peço um copo com água e açúcar, fico estável, não saudável, hirto, consigo caminhar sobre a espuma nocturna dos desejos masculinos, pensões de vinte e cinco euros, escadas em madeira, terceiros andares, quartos andares, pessimamente, os sótãos, difíceis para quem sofre do reumático, e quando se alcança a janela que dá para um telhado de oxigénio, existo, perco o pouco fôlego e desisto quando percebo que todos os corpos são corpos, apenas carne, ossos, e desejos, e dos tais beijos, desisto, perco-me, subo e subo e subo... até abraçar o teu corpo infinito enrolado em rectas paralelas e círculos de luz, tenho olhos verdes, e tu dizes-me que sou tímido, não sei, talvez, a primeira vez senti um frio na espinha, quando percebi que o comboio vinha na minha direcção, acordei repentinamente, interrompi o sonho, e até hoje, procuro-o... apaixonei-me por ele, e pelas loucas locomotivas com paragem em Cais do Sodré, um dia, eu, percebi que quase morrias nas minhas mãos, apenas porque tinhas esquecido de encerrar os cortinados de lona dentro do caixote de madeira, subo, subo até dizer chega, por hoje, baste de sacrifícios, de loucuras, de tesões sem palavras, nada
Entre nós,
o mundo acabou?
E sempre me respondeste que o mundo não acaba, nunca, eterno, efémero, como as gargantas dos espelhos saltitando das roseiras metáforas que a tua boca transpira,
acabou, terminaram as filmagens das últimas cenas, o eterno fim quando lá do cimo, víamos, abraçados, mão com mão, lábio com lábio, o recomeçar de um novo mundo, novas carruagens, novos viajantes, estes, sem bagagem, sem papeis de parede nos quartos, e que melhor quarto para dois, três ou... quatro, amantes, do que uma parede em gesso forrada com frestas, um crucifixo sobre a cabeceira, duas almofadas perfumadas com picos de bafio e hálito a teia de aranha, a chuinga colada sobre a mesa-de-cabeceira, e os teus gemidos travestidos de noite
Vagueando eu,
sobre os jardins inconsolado da marginal, sóbrios, eu, débil e triste, a tua partida em partida, os pedaços da tua pele sobre o meu peito cansado, recordando cigarros e imaginando, um dia, ser também como tu,
Filho da noite, sou, comíamos, bebíamos...
vagabundo tu,
O mundo acabou?
eu, débil e triste, a tua partida em partida, os pedaços da tua pele sobre o meu peito cansado, recordando cigarros e imaginando, um dia, ser também como tu, uma mala de viagem dançando de mão em mão, dormindo de quarto em quarto, não ter dono, não ser de ninguém, caminhar e subir, caminhar e subir, e subir... e caminhar sobre as tuas nádegas de areia,
O mundo acabou? Filho da noite, sou, comíamos, bebíamos...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Desenhava-te no espelho da montra do senhor Ernesto

foto: A&M ART and Photos

Percebia-se, pelas tuas nádegas de algodão, que a noite entranhava-lhes como pássaros na algibeira de um mendigo, dormiam em caixas de papelão, pobrezinhos, escreviam sobre as ombreiras do ensonado dia, “caixas simples cartão”, porque era chique, porque estava na moda, porque ao fundo da rua sentia-se o ressonar da lua, e a transpiração de saliva dos pulmões de aveia, não tínheis pequeno-almoço, preçário, cardápio ou subsídio diário, uma sandes de pouca coisa, ou quase anda, chorava no interior de duas finas fatias de pão, sem saberdes que lá fora, ao longe, de uma escada em madeira, desciam os anjos e os gemidos silêncios da verdura que cobrem os campos da aldeia, como pedras, lajes de granito, lápides em cimento, e aos poucos, de poucos, apagariam-se-lhes todas as letras da literatura pura e nua, entre desenhos e sílabas, entre candeeiros de vidro e lâmpadas de papel,
gostava muito de ti,
Desenhava-te no espelho da montra do senhor Ernesto, em traços finos, colocava-te sobre os olhos um fio doirado de cabelo, dava-te lábios com sabor a chocolate, tinha-te na boca como oxigénio essencial à minha respiração, ouviam-se coisas mortas, objectos despedidos, canas de pesca, carretos e chumbeiras, bóias, anzóis e as pesadíssimas botas de borracha, e mesmo assim, ouvia-te
gosto de ti,
Percebia-se, pela ausência de cubículos para todos, que nem nus somos iguais, uns, mais diferentes do que outros, e havia sempre um que ficava sem onde pernoitar na fria noite de Janeiro, aqui, porque lá, bastava-lhe cobrir-se com um ramo de palmeira, havia um largo, eles abraçaram-se longamente e esqueceram-se que eram uma rocha à beira do rio, do largo, mais acima, uma duas palmeiras adormeciam já devido às distantes horas que estavam previstas para regressarmos, nem um único som, uma única palavra, nada
só e só o beijo da despedida,
Só e só, e não muito mais, como anos depois, as palmeiras continuam adormecidas, mais velhas, claro, mas ainda estão vivas, não há muito tempo, estive com elas, almoçamos juntos, e recordamos noites, noites, noites que eu mesmo já tinha esquecido, falaram-me de uns pássaros que poisavam nos nossos ombros, e também de umas flores, se não estou enganado, isto é, se não fui enganado por elas, de umas flores amarelas, ou cinzentas, ou
gostava muito de ti,
Ou incolores, como os beijos, ou indolores, como as ondas do Oceano que ficávamos a olhar até desaparecerem sobre os telhados de Lisboa, o cheiro do rio entrava dentro dos nossos corpos escondidos em caixas de papelão,
“caixas simples cartão”
E hoje, quando estou no largo, debaixo das velhas palmeiras, ao longe a lua em movimentos descoordenados, sem luz de candeeiro, dos minguados olhos que o sol deixou sobre a mesa-de-cabeceira, e derramadas sombras construindo imagens na esplanada dos arbustos com braços negros e pernas encarnadas, perguntava-te pelas cartas perfumadas, e tu
queimei-as, porquê?
Apenas pelo perfume, porque pelas palavras perdia o sentido das letras, deixei de amar palavras, frases, livros, cadernos, poemas, “... e toda a merda comestível...”, só e só pelo perfume, só e só quando desce a noite e de barriga para o ar, eu deitado, olho o tecto, vejo estrelas azuis, estrelas pretas, estrelas... como chuva friorenta em Primavera, e só e só, tenho saudades do perfume
das amoreiras em flor, das mimosas, de deitar-me no chão e fazer desenhos imaginários no céu nocturno da cidade, a cidade proibida, com calçadas, ruas, ponte e pontões, “putas” e “cabrões”, a cidade dos barcos com ferrugem, a cidade das casas comestíveis depois da sobremesa, e homens com alegria, e homens em bebedeira em fila Indiana para ter acesso a uma merda de uma caixa de papelão,
“uma linda caixa em fino cartão, três assoalhadas, uma varanda para o Tejo, casa de banho completa, e ascensor, e muitas cartas, cartas de amor, todas elas, perfumadas...”
E eu dava-lhe a mão, e passávamos a noite dentro do ascensor, em subidas, em descidas, e às vezes
parávamos, e esquecíamos-nos que algum dia estivemos debaixo de duas velhas palmeiras a construir o beijo mais literário de sempre, o beijo poético
E às vezes,
o beijo fatídico,
E às vezes adormecias nos meus braços...

(ficção não revisto)
“Alguém vai dizer: ficção o caralho...!”
@Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 22 de abril de 2013

A mão inclinada

foto: A&M ART and Photos

O cubo corporal suspenso numa árvore de papel, a pele mistura-se dentro da sombra desenhada com as lâminas de barbear, escrevo folhetos, folhetins, panfletos, em promoção conseguia-se uns descontos confortáveis, três panfletos por cinco contos, barato, fazíamos sempre uma excelente compra, e se algo corresse mal, claro, sempre por culpa dos ciganos – A quem compraste, pá? - claro, a um cigano que andava a passear pela rua – Qual rua? - uma, qualquer, uma rua sem asas, em voos de liberdade condicionada, uma corrente de aço prendia-nos aos ventos do deserto, os barcos, havia, folhas de alumínio, tão grandes, grandes, enormesss, do tamanho da noite
(sem estrelas, e faço-o propositadamente para que os corpos mergulhados no cubo invisível, a carne embalada no berço das poucas coisas possíveis e imaginárias, ripas de madeira, sem pintura, quatro pregos, pregos em aço, não dos outros, em carne e osso, na moldura a fotografia dos teus olhos, apenas, negros, negros olhos, penumbra de ti quando descem as calçadas de Lisboa pelo teu corpo travestido, e antes de caírem no pavimento abriam-se-lhe das cabeças ocas com pilares de areia, o cubo, e o rio...)
Do tamanho do homem com braços de noite, com pernas de noite, com um esqueleto de noite, abraçados, apaixonados, dentro, fora, encarcerados, com grades de madeira, lá fora as crianças da escola pintavam o mar no tronco das árvores, e cá dentro, havia entre nós uma mistura fria, havia um líquido esbranquiçado que nos untava, oleava, e depois, depois vinham os dias, primos das calçadas de Lisboa, primeiro a Ajuda, depois uma outra qualquer, não interessa, e depois via-se o rio a sair da algibeira de uma mulher com cabelo preto, olhos castanhos e corpo esguio, como uma enguia saltitando as margens junto a Cais do Sodré – Amor, estou quase a chegar – e
(sem estrelas, e faço-o propositadamente para que os corpos mergulhados no cubo invisível, a carne embalada no berço das poucas coisas possíveis e imaginárias, ripas de madeira, sem pintura, quatro pregos, - Sim, meu amor, sim! - o inacreditável parvalhão esperava pacientemente pelo reencontro das fotografias de Lisboa com as fotografias de um local esquisito, distante, e quando lhe perguntavam – Onde fica isto? - ele apenas encolhia os ombros, silenciava-se e acreditava que ela um dia regressaria do vazio sonho sem almofadas, subia-se uma escada íngreme, apertadinha, e quando chegávamos ao sótão, a senhora teia de aranha – Noites de insónia, terceiro andar frente – e de mão dada, descíamos, descíamos, e acabávamos por ultrapassarmos as paredes velhas em gesso e quando acordávamos, estávamos num jardim público, e junto a nós o nicho de Nossa Senhora de Fátima, perguntavas-me – Amor, o que fazemos aqui – e como sempre, não respondi, ou não sabia responder)
E uma mão inclinada, provavelmente com uma inclinação de dezassete graus, e pacientemente, poisava no meu rosto,
(extraias-me a raiz quadrada, calculavas-me a integral tripla do meu coração, depois, traçavas aleatoriamente rectas sobre o meu corpo, até que
“O cubo corporal suspenso numa árvore de papel, a pele mistura-se dentro da sombra desenhada com as lâminas de barbear, escrevo folhetos, folhetins, panfletos, em promoção conseguia-se uns descontos confortáveis, três panfletos por cinco contos, barato, fazíamos sempre uma excelente compra, e se algo corresse mal, claro, sempre por culpa dos ciganos – A quem compraste, pá? - claro, a um cigano que andava a passear pela rua – Qual rua? - uma, qualquer, uma rua sem asas, em voos de liberdade condicionada”
até que nos deitávamos sobre um cobertor almofadado, um tanto preguiçoso, e em conjunto, resolvíamos todos os problemas de matrizes, e em conjunto calculávamos a massa dos corpos em repouso, pegávamos no peso quase sempre nos esquecíamos da força gravítica, e eu poisava em silêncio a minha mão sobre os teus castanhos olhos e – Pede um desejo! - ao que tu respondias – Quero-te a ti! - e claro, nem a raiz quadrada, nem as matrizes, e claro, nem as integrais triplas, faziam sentido nas nossas vidas)
E uma mão inclinada, provavelmente com uma inclinação de dezassete graus, e pacientemente, poisava no meu rosto, era a tua dúctil mão com sabor a cereja embrulhada em papal de chocolate, havia palavras no interior do papel
(eu amar-te-ei sempre)
E com o tempo,
Há muito tempo,
O papel derreteu com as temperaturas elevadas da cidade, e as palavras, elas, diluíram-se com a chuva miúda do último Outono ausentado do cubo empanturrado de corpos, nus, brancos, liquefeitos... como a terra molhada depois das chuvas, e o capim balançava dentro de um pedaço de saudade...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Entre sílabas e palavras e silêncios madrugadas


O doce frio
emagrece o corpo embrulhado em desejo
fingindo-se de morto
e evapora-se nas frestas do olhar esverdeado
que o rio abraçado à janela
pinta nos lábios do poema,

é isto o amor
dois corpos
mergulhados no oceano de livros
é isto amar
caminhar sobre as nuvens
e sonhar,

amar a tua pele de cravo que Abril semeou
nas mãos de uma criança
quando dormia a cidade
amar o amor em doce frio
que o desejo consome dentro das estrelas azuis
e papeis ornamentais nas paredes do sofrimento,

acorda o cansaço
o doce frio
o abraço
que dos lábios crescem as noites infinitamente desencontradas
abraço-te
e desenho no teu doce frio corpo os uivos das madrugadas,

às vezes
as lágrimas de ti desaguam no meu rio inventado
não dou importância aos barcos sem motor
nem às flores sem cor
às vezes
às vezes disfarço-me de esqueleto com duzentos e seis ossos,

e fingindo-me de vivo
beijo-te loucamente sempre que posso
porque poucas vezes
às vezes fingindo-me de poema
deito a minha cabeça nos teus olhos
e adormeço entre sílabas e palavras e silêncios madrugadas...

(poema não revisto)

Francisco Luís Fontinha
Alijó, 07-11-2012