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domingo, 8 de maio de 2016

Confissões de um louco apito


Os comboios só apitam durante a noite para assustarem as estrelas,

As rectas paralelas em aço estendem-se até ao infinito, chegando lá, o comboio desaparece, entranha-se na noite e morre.

Encurvado nos socalcos levo comigo as curvas do Douro, lanço-me à água… estou farto das palavras que escrevo, estou fartos dos meus desenhos, como a vida que gira e não se cansa de cessar, parar sobre a ponte e suicidar-se sobre os rochedos da insónia.

Oiço o grito da aranha no cansaço da madrugada,

Sei que habita um rosto no espelho do meu quarto e certamente que não é o meu, porque nunca o vi, apenas em pequenos tragos de saliva ao pôr-do-sol,

Quero expulsá-lo de lá…, mas não tenho força para tal; parto o espelho?

Quebro-o até que o rosto se transforme em mim? Ou este será o meu rosto depois da minha morte?

Os comboios só apitam durante a noite, fiz muitas viagens, muitas noites sem dormir, entre apitos e soluços, entre estações e apeadeiros desconhecidos, entre gritos e gemidos, até desaguar em Santa Apolónia pelas sete horas da manhã, as ruas acabavam de acordar, os sem-abrigo levantavam-se para o invisível pequeno-almoço, e eu, e eu fumando cigarros para não adormecer,

Mas acabava sempre por cerrar os olhos e passar o dia entre os cortinados da escuridão e os sons melódicos do trânsito, a loucura, cruzava os braços e punha-me a contar os automóveis que passavam por mim, depois separava os que eram homens e os que eram mulheres, as crianças à parte… e assim passava o dia.

Regressava a noite e eu tinha vendido o sono ao Diabo, saía na companhia de desconhecidos, entrava em todos os bares até adormecer sobre qualquer banco de jardim, e enquanto dormia, sentia, sentia os apitos do comboio…

Tudo isto está escrito e sepultado em três caixotes de cartão,

Confesso que nunca mais os abri, não tenho coragem para os abrir…

Papeis, fotografias, poemas, e fantasias…, mas para quê remexer o passado e este está morto, e enterrado no meu peito.

Os perfumes intactos, uma velha rosa dentro de um livro, intacta, e a minha vida pedaços de farrapos em construção, hoje uma pequena vitória, amanhã uma grande derrota…

 

Amanhã faz vinte e dois anos que deixei a heroína…

Uma grande vitória.

 

Francisco Luís Fontinha

domingo, 8 de Maio de 2016

domingo, 23 de novembro de 2014

Amanhã não...


A fuinha lâmina de luz inventando vulcões e sonhos de papel, à tarde regressam a casa os comboios emagrecidos da saudade, abro a porta, entro dentro do túnel das imagens a preto e branco, e
Meu irmão, amanhã nada seremos,
Pó e pedaços de cinza em evolução,
E cascalho descendo a montanha do sofrimento,
Amo-te...
Sinto-te nas sombras enigmáticas dos poemas em hibernação, nada há a acrescentar ao teu nome, perdeu-se, morreu nas pálpebras inchadas da madrugada,
Amo-te...
Não o sei, não percebo as viagens sem regresso, a morte quando disfarçada de viajante e acompanhada pelas ruas de uma cidade em destruição, amanhã
O telhado estremece, as fendas sonoras das paredes em xisto... parecem melodias embriagadas que só a noite consegue entender, amanhã
Amanhã os cinzentos barcos de espuma, os miúdos esperando a neblina para se esconderem da chuva, uma criança insemina-se no papel esquecido num banco de jardim, há plátanos centenários que me olham, e conversam comigo,
Amanhã...
Nada,
Incógnitas,
Futuro incerto,
Lâminas de ossos envenenados quase em decomposição, tenho medo, meu irmão, tenho medo da despedida, dos abraços e dos beijos sem palavras,
Amo-te... algum dia voltarei a alicerçar-me aos teus braços,
Amanhã...
Nada,
Incógnitas,
Futuro incerto, relatórios, falsas esperanças, rostos deformados, corpos pincelado de decadência..., amanhã
Nada,
Incógnitas
Amanhã estarei ao teu lado, pegarei na tua mão... lemos em conjunto os poemas que escrevi para ti e nunca os conseguiste ler, por medo, por... por vergonha de mim, não, não meu irmão,
Amanhã renasceremos das cinzas que sobejarem do corpo dele, e nada, nada a acrescentar aos teus lamentos, o que importa estarmos a lamentarmos-nos se ele
Amanhã,
Ele voará em direcção às nuvens invisíveis dos Oceanos, inchadas, as pálpebras, incógnitas disfarçadas de mendicidade, e tu
Amo-te... algum dia voltarei a alicerçar-me aos teus braços,
E tu calmamente caminhando lado a lado com o metro de superfície... odeio-o, não aguento mais senti-lo, não aguento mais ouvir os seus gemidos como gaivotas em cio, como pássaros ao cair da noite,
Torturam-me, obrigam-me a olhá-lo enquanto me encerram numa sala exígua e triste, nada posso fazer... se não
Amanhã,
Se não imaginar aquela lagarta recheada de transeuntes em passo apressado, mendigos à porta, pedindo o que é impossível dar-lhes
A vida,
Amanhã pegarei na tua mão, e
Ontem esqueci-me de comer, ontem esqueci-me de olhar-te, não o consigo, pareces uma sombra esperando o acordar da madrugada,
E
E ninguém para conversar, desabafar, ninguém para me ouvir e repetir os gritos que só o silêncio conhece...
E vem o mar,
E vem a saudade, os beijos, os abraços,
Amanhã não,
Não, não...
Amanhã não estarei no teu conforto, nunca consegui permanecer eternamente nos teus braços, fujo, finjo que tenho sono, e não o tenho...
Dormir,
Porque amanhã,
As imagens a preto e branco dos teus olhos, sem lágrimas, sem estátuas de marfim, e no entanto
Poisas em mim como uma bandeira hasteada nos dedos cremados da inocência, o sexo permanece clandestino, nas palavras, nos actos, na... na incógnita do adeus,
Sentir-me-ei uma constelação em vibração, eu sentir-me-ei uma hélice congestionada numa qualquer estrada sem saída,
Preciso de ti, meu irmão,
Amanhã,
Amanhã não,
Não, não...



(ficção)
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 23 de Novembro de 2014

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

cidade das insónias de papel

foto de: A&M ART and Photos

tínhamos medo do sono e inventamos o desejo
aprendemos a abraçarmos-nos enquanto lá fora rodopiavam as moléculas de suor dos teus olhos
e havia sempre uma lâmpada ténue nas pálpebras da solidão
tínhamos nas nossas bocas imundas os doces triângulos das planícies apodrecidas
e do relógio suspenso na parede da sala um fio esguio de seiva mergulhava nas entranhas da terra
ela era queimada
recheada de fendas
e marés embrionárias
as crianças brincavam na palma da mão da inocente manhã acabada de acordar
estávamos livres do sono
e pertencíamos às tristes janelas sem literatura viradas para o Tejo
ouvíamos os órfãos comboios guinarem na próxima curva do teu corpo

segurava-me a ti e sentia-te na ponta dos dedos
percebia que usavas um corpo esquelético
belo
como as rosas dos jardins públicos da cidade das insónias de papel

tínhamos descoberto o medo do medo
e não tínhamos as palavras para escrevermos nos muros da calçada
“amamos-nos”
tínhamos medo das nossas próprias bocas
e do nosso uno abraço de saliva
fugíamos da noite sabendo que havia em nós uma corrente de aço invisível que nos acorrentava enquanto a lua vomitava versos orgias em pequenos telhados de sémen
tínhamos
… “amamos-nos” provavelmente... sim
não sabemos se o éramos depois de romper a madrugada
e no entanto sentíamos as asas dos plátanos envelhecidos
poisarem nos nossos corpos húmidos em pequenas fatias de paixão


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 1 de Novembro de 2013

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Não me importo dos sons melódicos de ti

foto de: A&M ART and Photos

Eu, tinha as palavras escondidas dentro de uma algibeira esquecida nas grandes tempestades de areia das noites de loucura, tu, tu tinhas os melódicos sons e poéticos do teu violino, da tua voz cresciam gladíolos em formato de rubi, tinhas medo do escuro, vivias como uma andorinha de Primavera em Primavera, e sabíamos que existiam tardes de solidão onde eu, onde tu, onde nós procurávamos as mãos, a minha, e a tua, e as entrelaçava-mos como fios de luz suspenso do tecto do sótão minúsculo onde habitávamos,
Hoje, não me importo dos sons melódicos de ti, hoje, não me importo dos sons poéticos de ti, hoje, não me importo que vivam violinos, pianos, ou
Livros
Que ardam todos, e se possível, durante a noite,
Hoje?
Flores?
Não, não flores,
Que a tempestade as leve, as amarrote como pedaços de papel quando o vento submerge os triângulos transcritos nos silêncios gemidos das mesas em flor,
Trágico,
Humilhante, diria eu, mas... quem sou eu, afinal, Uma estátua? Uma sombra de xisto esquecida no socalco junto à linha férrea? Não, não os quero tal como são, indesejados, tóxicos, melindrosos, quero-os tal como são, barulhentos, Ou... Serei um simples apitar de uma louca locomotiva em passeio pelo Duro, olha o Rio, cerra os olhos
Trágico, hoje não, querida, hoje não...
Cerra os olhos e percebe-se que nos lábios brincam os melodiosos sons e poéticos do violino, e juro, sinto pena dela, e juro, coitada da louca locomotiva, corre, corre, e acaba por encalhar num banco de areia, húmida, em pequenas gotículas de suor, e coitada dela, a louca locomotiva... sempre a apitar, sempre de olhos cerrados, sempre,
Não, não flores,
Deitava-se sobre o cais de embarque, um homem de chapéu e com farda azul carregava aleatoriamente malas, pequenos embrulhos e ramos de flores, todos, que ardam todos, e se possível, durante a noite, como os corpos transatlânticos dos petroleiros emagrecidos, doidos, às vezes, e ela, sobre o cais de embarque, rompia a neblina, nua, dizia-se dona do amor e dos meus versos, ora
Donos de mim, nunca, não, existem, existira,. Existirão...
Não, não flores,
Coisa estranha, essa, de teres um violino dentro de ti!
(Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...),
Quantos somos, nós, tu, sobre o cais, o homem de chapéu azul curvilíneo debaixo do sombreado rio, acusam-me de partir corações, pergunto
De que são feitos os corações,
Adiante, o meu, já nasceu partido, com defeito, talvez... talvez devido às temperaturas elevadas a que foi submetido numa noite em Janeiro, e Janeiro morre, e eu, eu sobrevivi, e sou uma rocha misturada no veneno da madrugada, o veno que és tu, o veneno que são os teus lábios...
Tal como são, barulhentos, Ou... Serei um simples apitar de uma louca locomotiva em passeio pelo Duro, olha o Rio, cerra os olhos
Trágico, hoje não, querida, hoje não...
((Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...Trágico, hoje não, querida, hoje não...),
Livros
Que ardam todos, e se possível, durante a noite...

(não revisto, não ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Lágrimas?

foto de: A&M ART and Photos

O comboio sonolento deserta e foge dos carris lençóis de água que embrulham as mãos das locomotivas embriagadas, algumas tombadas como crianças depois de descer a tempestade sobre os telhados de vidro que cobrem os cobertores da inocência,
Farto-me de mim, farto-me deles, delas, farto-me das palavras e dos pequenos grandes voos de areia sobre as árvores invisíveis,
Farto-me do silêncio disfarçado de sofrimento, farto-me deste (sofrimento) quando se veste de insónia e rompe noite adentro, deita-se sobre mim, como se eu fosse um corpo prostituto, camuflado, como se eu fosse uma personagem sem nome, idade desconhecida, uma personagem sofrida, comestível, comiam-me se eu deixasse..., e os palhaços de porcelana sombreados na janela das estações com paragem obrigatória, bebíamos vodka pensando que eram melódicas palavras abraçadas a poéticos lábios de sémen,
O comestível comboio com rodas de algodão...
Nascia o poema, o amor, a paixão, nascia o corpo, o teu corpo vagão carruagem correndo léguas de searas com espantalhos vestidos de palheiro solitário, choravas, choravam, gritavam, gritavas, gemias, gemiam... e acabavam sempre por regressar ao Tejo, rio acima, comíamos a ponte de aço, fumávamos os cigarros com sabor a dunas de areia esbranquiçada, alimentávamos-nos de suor e carícias desenhadas pelas mãos calejadas dos homens e das mulheres filhas e filhos, dos socalcos, olhando, brincando, sei lá... o rio que só termina na cidade com pronúncia do norte,
O comestível comboio com rodas de algodão..., e silêncios de medo,
E
Amanhã não saberás o meu nome, levantar-te-ás, vais à janela e vais perceber que o rio, o rio sou eu..., eu, e
Lágrimas?
E os barcos, sim, também sou os barcos, de papel, de esferovite... os barcos em madeira, eu, levantar-te-ás... olharás os meus olhos
E
(não te conheço)
E lágrimas, e nada, e escuridão dentro das algibeiras dos anzóis comestíveis... e eu? Eu, eu e lágrimas, e tréguas, de silêncios, de medos, de janelas encerradas e de esplanadas como vodka derramada sobre o teu corpo de amêndoa,
Amar-me-ás?
(não te conheço)
Não,
Não sei se...
E
Amanhã não saberás o meu nome, levantar-te-ás, vais à janela e vais perceber que o rio, o rio sou eu..., eu, e
Lágrimas?
Navegáveis mãos as milhas nos teus seios de madrugada, cabelos embebidos no vento da paixão, zangado, eu? Navegáveis mãos, preciosos palheiros guardando as sementes do teu púbis que o triste pôr-do-sol inventa nas tuas coxas, e
Quem és, tu, mulher de tecido marinho?
E
(não te conheço)
Amar-me-ás? Nunca o saberei..., (como se eu fosse uma personagem sem nome, idade desconhecida, uma personagem sofrida, comestível, comiam-me se eu deixasse..., e os palhaços de porcelana sombreados na janela das estações com paragem obrigatória, bebíamos vodka pensando que eram melódicas palavras abraçadas a poéticos lábios de sémen),
E apenas sou um barco, e apenas sou um rio... um rio sem nome, idade... com paragem obrigatória, bebíamos vodka pensando que eram melódicas palavras abraçadas a poéticos lábios de sémen, Amanhã não saberás o meu nome, levantar-te-ás, vais à janela e vais perceber que o rio, o rio sou eu..., eu, e
Lágrimas?

(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha

sábado, 27 de julho de 2013

Os apitos uivos

foto de: A&M ART and Photos

Deixemos de ouvir os comboios das tardes de verão, os apitos uivos transformaram-se em palavras tontas, vagabundas ruas com sonoralidade abstracta, olhos azuis os da noite quando vinham as gaivotas às mãos das desnorteadas horas sem regresso com sabor a poesia, e sorrisos lábios poisados sobre a vadia areia das cavernas flores que a madrugada alimentava, e depois, vomitava como vapor da velha máquina ferrugenta fingindo engolir o negro carvão como seara de trigo se tratasse..., ouvíamos, não, apenas eu ouvia os ditongos, não, apenas eu percebia as velhas sílabas em danças de salão, ouvíamos música, não, eu ouvia música, eu
(rua dos segredos, número cinco, rés-do-chão, Lisboa)
Eu fartei-me dos comboios, das máquinas enferrujadas e dos silêncios das tuas velhas madeixas, digamos que... cansei-me de ti, das tuas horrendas letras travestidas em palavras, palavras, palavras, velhas, sempre velhas, comboios... barcaças, e migalhas sobre a mesa da cozinha,
Fumegava em soluços a cansada lareira,
(rua dos segredos, número cinco, rés-do-chão, Lisboa)
Digamos que não passas de um esqueleto de arame dobrado sobre a cidade, prendias-te a um edifício granítico, de um lado, e do outro, percebia-se pela marca do teu pulso que estavas suspensa a uma ratoeira invisível com janelas circulares, o teu corpo parecia um petroleiro fundeado dentro do Tejo junto à dentadura em Marfim de Almada, do outro lados, eu,
Eu percebia que nunca mais comboios, eu percebia que nunca mais ruas curvilíneas, de sentido único, sem banco em madeira, sem flores, sem jardins..., sem meninos e meninas a brincarem aos comboios eléctricos, eu percebia que nunca mais os soluços que fumegavam da cansada lareira em triste insónia, e que a paixão e o amor...
Eu
Digamos que não passas de um esqueleto de arame dobrado sobre a cidade, uma esfarrapada bandeira que o mastro de um veleiro transporta, gaivotas, elas, também esquecidas dos apitos uivos, elas também, as madames, vestidas com folhas de jornal, e passeando-se nos carris envenenados da cidade canibal, e sabíamos que na rua dos segredos, número cinco, rés-do-chão, Lisboa, havia tambores em desvairados transparentes rufos, eu não te merecia, só, eu, apenas eu, não eu, apenas eu,
Eu?
Só porque o quero...
Deixemos de ouvir os comboios das tardes de verão, os apitos uivos transformaram-se em palavras tontas, vagabundas ruas com sonoralidade abstracta, olhos azuis os da noite quando vinham as gaivotas às mãos das desnorteadas horas sem regresso com sabor a poesia, a fome em palavras atravessava-me e apanhava-me sempre quando eu
Eu?
Quando eu sentado numa esplanada, ouvia os apitos uivos das máquinas ferrugentas, os barcos ao aço carbono, como trepadeiras subindo pelas escadas do sótão até chegarem ao céu, uivavas, gemias, parecias a locomotiva vaidosa que brincava entre o trigo e o sorriso, eu, lindo, queixava-me que a tua sombra era uma estátua de pedra, uma rocha colorida com olhos de manteiga, eu...
Eu? E que a paixão e o amor...
Só porque o quero...
… levemente distante das chuvas fumegantes das esplanadas com cadeiras plastificadas, os livros, ardiam na lareira que há pouco te falei
Lembras-te?
Eu?
Deixei de os amar,
Deixemos de perceber porque nasciam sorrisos quando deviam crescer lágrimas, e que a lareira só existia porque ainda não tinha regressado de ontem a Primavera de hoje, e o vento trazia-nos as poucas migalhas que sobejaram das sangrentas viagens ao inferno dos peixes; os teus peixes e as tuas algas.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó

quinta-feira, 28 de março de 2013

Comboio para o Grafanil

foto: A&M ART and Photos

Imagens, solstícios de imagens descem metodicamente do tecto do impostor prazer que a luz provoca nos corpos negros, absorvidos pelos espelhos e pelos cortinados de espuma, onde te ajoelhas, onde te deitas, onde
(me masturbo)
Imersas minhas mãos nos solavancos que os vidros de areia escrevem nas paredes de barro depois das chuvas dos finais de tarde, lamento informá-lo mas
(ela morreu de tédio, desassossego, ou)
Mas ficou-nos sobre a mesa-de-cabeceira as fingidas pétalas dos perfumes embriagadas depois de caírem sobre as lajes de granito os melancólicos ossos da paixão dos peixes, havíamos construído e declarado guerra aos apaixonados cansaços vestidos de sobretudo encarnado, circulavam pela cidade, durante a noite, em busca de imagens, comida e simples jornais desvairados que alguém tinha deixado nos caixotes do lixo, um dos títulos anunciava a possibilidade da queda do governo, e se ele cair, que caia, mas que não se aleije, salvo seja, senhores das imagens que entram pelos meus olhos, eu nua, eu com uma câmara fotográfica em busca de um passado desperdiçado nas clareiras águas salgadas das praias com varanda para as traseiras, íamos à janela, e suspendíamos os seios no peitoril cinzento com saliva esverdeada, perguntávamos-lhe o que tinha, e ela respondia-nos
Fígado,
(ela morreu de tédio, desassossego, ou)
(me masturbo)
Imagens, muitas, loucas e loucos, como as árvores do Outono mergulhadas em rochas de iodo, e tédio, e cansaço... todos, temos, lamento informá-lo mas... cessaram as imagens a preto-e-branco, e se eles caírem, paciência, uns vão dizer que vamos melhorar, outros que nada mudará, eu nem sei o que lhe dizer Dona Menina Amélia... olhe
Seja o que Deus quiser,
E se ele não quiser, paciência, venham as imagens esquecidas, venham os bancos de jardim com ripas de madeira, venham eles e elas, todos e todas, a luz e a escuridão, o silêncio e a algazarra, o branco e o negro, e as pedras, e
(os barcos de papel com melodias entrelaçadas nos dedos)
E as flores, todas as flores, não falando nas algibeiras com a laje apodrecida, as moedas, poucas, caem até se estatelarem na cave, sombria, e sem janelas e sem abraços, coitadas, infelizes, aqueles e aquelas, pobres miúdos de porcelana com sorriso de nuvem embebida no sono longínquo das amendoeiras em flor, e se eles caírem?
(Imagens, muitas, loucas e loucos, como as árvores do Outono mergulhadas em rochas de iodo, e tédio, e cansaço... todos, temos, lamento informá-lo mas... cessaram as imagens a preto-e-branco, e se eles caírem, paciência, uns vão dizer que vamos melhorar, outros que nada mudará, eu nem sei o que lhe dizer Dona Menina Amélia... olhe), um dia perceberás a minha cabeça, um dia perceberás que sou tão normal como todas as outras pessoas que circulam à nossa volta, como são as moscas, como são as abelhas, como são todas as imagens, e todas as palavras
Normais,
Sou normal como qualquer árvore do jardim de Luanda, ou como qualquer machimbombo ou como o Mussulo, normal, sou, como a estrada para o Grafanil, ou
Normais,
Ou o cheiro da terra depois da chuva, e um dia, um dia perceberás que apenas a mulher da máquina fotográfica, essa sim, louca como os comboios em direcção ao Tua
(pare, escute, olhe... atenção aos comboios)
Proibido fumar, peço desculpe PROIBIDO O TRÂNSITO PELA LINHA,
E o Tua morto,
É como lhe digo Dona Menina Amélia, se cair
Caiu como vão cair os finos fios de luz das mandíbulas empobrecidas, loucas, loucas, loucas como uma montanha de areia, com braços de aço e olhos de plástico, simplesmente, se caírem que não o façam sobre mim,
(É como lhe digo Dona Menina Amélia, se cair)
O importante são as imagens, e por muito que eu o descreva, acredite em mim, só vendo, consegue vossemecê imaginar uma mulher nua dentro de um quarto escura a fotografar sombras? E junto à mulher um escadote com acesso ao infinito? Consegue?
É claro que não, Fígado,
(ela morreu de tédio, desassossego, ou)
(me masturbo),
Ou por falta de luz...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 19 de março de 2013

Os carris de ontem

Para onde me levas? Se os teus braços são espessos, abertos, desertos, se os teus braços são como o vento que seguem estes pobres carris até ao fim do destino, sem mais caminho, deixarmos de caminhar, não
E há muito deixaram de circular, aqui
Os comboios de ontem,
Amanhã
E há amanhã fantasmas de aço já sem braços, já sem vento que nos levarão para as planícies de um rio sem dentes, um rio, deserto, fechado, encerrado, sem barcos, sem
Comboios para olhares, sem carros em direcção ao Grafanil, tudo, cessaram as lilases árvores pintadas nas brancas e finas pernas da menina do quintal ao lado, gostava dela, mas às vezes
Era chata, impertinente, embirrante, e eu, eu atirava-lhe com o meu chapelhudo (um boneco com vestidos que eu desenhava, que eu cosia nas solidões da tarde, um boneco que dormia comigo, e durante a noite me levava a passear para junto do mar), e ela, ela indiferente a ele, ela olhava-o, olhava-me, e dizia
Não tenho medo de ti,
Eu tinha, muito, e escondia-me junto ao tronco da mangueira do quintal, ela erguia-se, empoleirava-se sobre os arbustos e nada, nada, nada, nunca me encontrava, e eu
Via-a sobre os carris, sem comboios, desertos, e os teus braços são como o vento que seguem estes pobres carris até ao fim do destino, sem mais caminho, deixarmos de caminhar, não
Não esperes por mim, não, não faças de mim também, deixarás de perceber quando caminhavas, sobre os arbustos, e quase sempre, sempre que nunca me vias, choravas,
Sempre choravas quando não me encontravas, e saberias ao menos que eu também chorava enquanto não te encontrava? E saberias que o chapelhudo vestido apressadamente para andar no bolsinho do teu bibe, ele
Saudades
De mim,
Sabias?
Amanhã, os comboios de ontem, perceberás que hoje não comboios, hoje não andorinhas, e a Primavera está aí, amanhã, de mim, não esperes, não me lês porque tens vergonha das minhas palavras, dos meus azedos lábios, dos meus não beijos, e mesmo assim, subias aos arbustos, espreitavas-me... porque tínhamos veleiros imaginários estacionados entre os nossos quintais, ao centro, separavam-nos
Arbustos,
E montículos de areia com cor de chocolate, e no bolsinho do teu bibe
O teu chapelhudo, vestido, devidamente vestido, penteado, asseado, e o rapaz fazia-se de morto, encostava-se ao tronco da mangueira, e
Quase que nem respirava, e
Quase que nem se via,
E
Quase que terminava a Primavera, começava o Verão..., e ela sem acordar, e ela
Desaparecida,
Para onde me levas? Se os teus braços são espessos, abertos, desertos, se os teus braços são como o vento que seguem estes pobres carris até ao fim do destino, sem mais caminho, deixarmos de caminhar, não
Sim, talvez,
Tínhamos duas rectas de aço, paralelas, longínquas até ao infinito, e chegando lá, abraçadas elas, encontravam-se como se encontravam os amantes nos quartos de pensão, com quatro paredes, feias, frestas, uma janela quase parecendo um ponto de luz ao fundo do túnel, e no final
Amanhã,
No final uma parede de betão manipulada por um velho vestido de negro, amanhã, hoje, ontem, ontem tínhamos coisas, uma cama que rangia, sofria, gemia, uma cama com ar de ranhosa, e lábios beiçudos, amanhã
Não percebo,
Amanhã dizem-me que um hotel com cinco estrelas, duas nuvens e uma lua, ruiu, como as tendas de circo quando a tempestade é muita, quando o meu cão se revolta, e porque não se revoltam eles, porque apenas um rafeiro
Revoltado,
E os outros?
As ruas, os edifícios, as calçadas, os caixotes de lixo, o rio, as pontes e os homens..., porque não se revoltam eles?
E as outras?
Coisas pequenas, silêncios, sussurros de medo, grades invisíveis com vogais de sabão, prisões para os bons, e liberdade para as abelhas
Coitadinhas
Tenham pena delas,
Precisam, querem, desejam
Voar,
Andar
Caminhar..., até que os carris terminem
E
O precipício acordava nas mãos pequeninas da menina do bibe, que subia aos arbustos, que chorava enquanto o chamava, ele
Escondia-se
Como o chapelhudo,
No bolso do bibe dela.

(ficção não revisto)
Francisco Luís Fontinha