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segunda-feira, 8 de abril de 2019

A mosca


Parem todos os imbecis.

Parem todos os ignorantes,

Energúmenos e os ausentes.

Parem todos os automóveis,

Parem todos os loucos,

Parasitas e poucos.

Parem todas as campainhas,

A minha,

A do vizinho.

Parem a Terra,

O silêncio,

E as mulheres belas.

Parem o trânsito,

As ruelas,

Ruas,

Cadelas.

Parem as putas,

Os putos…

E as naus encarceradas nas tuas mamas.

Parem.

Por favor, parem.

Parem as flores,

Os jardins,

Os amores.

Parem.

(Parem todos os imbecis.

Parem todos os ignorantes,

Energúmenos e os ausentes).

Parem os chulos,

Prostitutos,

Afins…

Parem tudo. Dói-me a cabeça.

 

Parem.

 

E, respeitem os ciganos!

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

08/04/2019

segunda-feira, 18 de março de 2013

Gemidos fingidos das janelas de vidro

Imagino-a sentada à minha espera, acendo a luz da despensa, procuro sem precisar qualquer coisa desnecessária, sal, ou açúcar, arroz, talvez polpa de tomate em lata, talvez nada, pretextos, manias, esconderijo onde me sento, esperando que ela
Vou embora,
Volto a apagar a luz, saio da despensa, vou à janela
Batem à porta, imagino-a a voltar, e finjo não estar, como antes o tinha feito,
Da janela, sem a abrir, oiço o desalinho dos automóveis caminhando pela calçada em paralelo que me fazem recordar as noites de embriaguez quando as calçadas voavam conjuntamente com o vento
Ora essa, não acredito!
Verdade, nós cambaleávamos porque os paralelos voavam, saltitavam, e nós, tropeçávamos como tropeçavam as minhocas antes de colocadas no anzol do desgosto, prendíamos grãos de trigo no anzol, e atirávamos-lo para o quinteiro da vizinha, depois, depois era só puxar o fio de pesca e uma galinha acabava de nos sair na rifa,
Acreditas agora?
Vou-me embora, levantar âncoras e baixar velas,
E quando abria a janela subia até nós o intenso cheiro dos resíduos sobrantes da noite passada, aquela onde os paralelos saltitam e cambaleiam, nunca os percebi, nunca os quis perceber, como também não percebo a existência de mim em calções quando me olho no espelho da praia, e eu ando lá, e eu, eu
Não
Andar lá,
Eu morri numa manhã de Sábado, em frente ao Tejo, em Novembro, e enquanto esperava que me transportassem..., perdi-me numa feira de velharias, perdi-me dentro dos livros, dos cachimbos, alguns mais idosos do que eu, e sinceramente, não me recordo de ter passado pela porta da tempestade cinzenta, lembro-me de um velhíssimo chapéu de soldado da ex-URSS, mas da porta
Via os vidros em pedaços, ouvia os estalido dos candeeiros da rua contra os automóveis que circulavam, entre paralelos inquietos, ressacados, de fome nos lábios, senti sobre os ombros as cordas que seguram as roldanas que puxavam as lanças para os guerreiros do Céu, e ouvia-a
Esperava por mim, eu, eu escondia-me dentro da despensa, acendia a luz, fingia procurar coisas, insignificantes, como quando não me apetece falar com ninguém invento buscas à minha biblioteca à procura de livros que ainda não foram editados, de livros que existem apenas dentro da cabeças
Deles e delas,
E eu,
Finjo,
Invento buscas, chamo os bombeiros, dou participação na polícia, digo-o, invento, que desapareceu de casa de seu pai, vestia gabardina negra (de noite) e calças de galga (polidas no tempo), calçava umas sandálias em tiras de couro, e a última vez que o viu
Diz que foi junto aos livros de Luiz Pacheco,
Ou
Não,
Minto,
A última vez que o vi foi junto dos livros de A. Lobo Antunes, foi, tenho a certeza, e desde então, nunca mais
Apareceu,
Nunca mais
Me atormentou,
E nunca mais
Apareceu-me à janela quando a escuridão entra casa dentro como flores tombadas pelas tempestades enceradas com gotas de água e bolas de sabão, lá fora, o cigano com uma máquina esquisita (fogareiro com sujidade) dá à manivela e aos poucos
Mãe
Sim filho
Olha
Pipocas,
E afinal ele ali tão perto, tão perto, perto
Que nunca acreditei que fosse ele, em gemidos fingidos das janelas de vidro.

(ficção não revisto)
Francisco Luís Fontinha

domingo, 13 de janeiro de 2013

(  )
Porque só tenho duas...
Subiam, desciam, e vias-me
E vias-me partir de barco debaixo do braço, chapéu na cabeça, e com as sandálias na outra mão por causa da areia, não a reia dos teus lábios, mas a areia fina e fútil da praia, pousava as sandálias, despia-me e colocava a roupa sobre elas, estava nu, e quando tinha o barco em posição para a partida, entrava, sentava-me, sorria ao olhar os restos mortais que tinham sobejado de mim
As sandálias, os calções, e um ou outro parafuso que à partida eu achava que não seriam necessários, e se o fossem, paciência, depois de estar em alto mar, nada a fazer, nada, a não ser, mergulhar profundamente nos oleados maciços das marés aldrabadas pela voz de um solitário, coitadinho, coitados
Dos satélites vestidos de mulher às voltas de um planeta a que toda a gente apelidava de árvore fantasma, esqueleto vagabundo, sentinela sonâmbulo das noite embriagadas com óleo vegetal e sardinhas de conserva, Vou-me a ela
Coitadinho dos coitados plásticos da marmita onde os restos de comida serviam para alimentar um regimento inteiro, muitos, entre a Calçada e os Jardins junto ao rio, os automóveis estacionavam-se e abriam-se as portas de porcelana das bonecas das meninas
Vou-me a ela
A quem o colhe, nem mais, tenho pena das tuas sílabas suspensas nos teus lábios de areia branca, tenho pena das malditas luzes e das rodas-dentas esquecidas na mesinha-de-cabeceira, e à tardinha, dizia-te simplesmente que as meninas eram falsas, nunca existiram, e tal como as bonecas de porcelana e os automóveis de cerâmica, e tal como as meninas e os meninos da Calçada
Vou-me
Adormeciam como os fósforos cansados dos finais de tarde, quando entravas em casa de barco debaixo do braço e dizias-me
Olá amor, regressei,
E eu sabia que tu não regressavas, e eu sabia que continuavas em alto mar à procuras das coisas impossíveis,
Olá amor, regressei,
Atiravas os chinelos para debaixo do sofá, poisavas o barco em cima da mesinha da sala de visitas, despias a camisola e os calções, e mergulhavas nos lençóis de seda da nossa montanha de Primaveras nocturnas que o mar desenhava nas estrelas dos meus seios de papel mata-borrão, e eu via a caneta de tinta permanente em lágrimas azul-cansado que nas moribundas nuvens espetavam no peito nu da melancolia noite,
Olá amor, regressei
Às sandálias, aos calções, e um ou outro parafuso que à partida eu achava que não seriam necessários, e se o fossem, paciência, depois de estar em alto mar, nada a fazer, nada, a não ser, mergulhar profundamente nos oleados maciços das marés aldrabadas pela voz de um solitário, coitadinho, coitados
Amor
Olá regressei,
E eu sabia que tu não regressavas.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

sábado, 22 de dezembro de 2012

A caravela mais linda do oceano

Sou filha do vento e nasci num final de tarde, tenho cabelo loiro como o oiro, tenho asas como as gaivotas, em revolta, tenho olhos verdes com luzinhas encarnadas, como as madrugadas, depois de uma longínqua caminha na praia dos sonhos, sou filha

da vida quando construída, destruíste-me os ossos e fizeste deles sumo de laranja com rissóis de camarão, a tarde estava límpida, linda, brilhante, ausente a tua melancolia paixão pelos livros, da vida, e eu

sou uma filha da puta, destruíste-me cansada manhã, à luta, à carga que os costados ainda aguentam, sou burra, de velas arregaçadas até aos ombros, levanta-se o mastro luzidio da paixão, e ela

a caravela mais linda do oceano,

entre curvas e sombras,

e ela às marradas contra a porta de entrada, cinco da manhã, porta encerrada, fui despedida, lia-se na tabuleta míope

por razões de segurança é proibido sonhar,

filhos da puta, pensava eu, miúda da vida quando construída, destruíste-me os ossos e fizeste deles, e fizeste de mim

uma mula sem asas,

e fizeste de mim

uma caravela sem velas,

e fizeste de mim

uma puta sem pernas, sem nome, sem jazigo, caixão, cave, ou noite embrião, uma puta solteira, filha do vento, e nasci, e nasci num final de tarde, junto ao Tejo, numa esplanada com cadeiras, uma esplanada com mesas, plastificadas

os ossos, as pernas, as asas, as casas, eu

uma puta sem alicerces, segurança social, uma

casa sem janelas, um rio sem barcos, ponte, um jardim nu, moribundo, húmido entre as sílabas assassinas da primeira comunhão, que raiva, ódio, não gostava de gravatas, sapatos pontiagudos, e asas, e fatos de pano barato,

o cigano

estás bonito miúdo,

e ela,

sou filha da chuva, sou filha do vento,desculpem-me, ajudem-me, lancem todas as cordas para o mar, e numa fúria de raiva

salvem-me esta puta filha do vento,

uma caravela sem vela, uma puta sem pernas, sem braços, sem cabeça, uma árvore miúda, à lareira, feliz natal ouve ela

salvem-me,

porquê,

o cigano,

que giro, está lindooo,

e eu era lindo quando vestido de pedaços de xisto com laminados de madeira, o serrote em cuecas fugindo corredor fora, o barco enfeitiçado mergulhava nos olhos verdes da puta encarnada manhã de sábado, saí de casa, travesti-me de homem livre, como o vento, pai da puta, que no final de tarde, ouvia os roncos magistrais das bocas ocas e loucas que

o cigano,

que a maré provoca nos corpos quentes,

caliente meu corpo de cetim doirado,

o cigano,

lindooo,

eu sei, eu sei quando me olhava ao espelho,

as vaidades, as paredes guiadas pelas raízes dos finais de Outono, ouviam-se as transpirações das desejosas camas de vinte e cinco euros, à janela, há janela, uma fotografia com um miúdo nos braços do cigano

lindooo,

e eu respondia-lhe que os sapatos pontiagudos me magoavam, e ele

quando começares a voares passa-te, e deixam de doer,

lindooo,

que a maré provoca nos corpos quentes,

caliente meu corpo de cetim doirado,

o cigano,

lindooo,

e gemias, e atravessavas as paredes de porão em porão, descias as escadas até ao ínfimo milímetro de poço, e dizias-me

sou filha do vento e nasci num final de tarde, tenho cabelo loiro como o oiro, tenho asas como as gaivotas, em revolta, tenho olhos verdes com luzinhas encarnadas, como as madrugadas, depois de uma longínqua caminha na praia dos sonhos, sou filha

uma puta sem alicerces, segurança social, uma

casa sem janelas,

sou filha do vento, sou filha da chuva, sem braços, sem pernas, sem asas, sou

lindooo,

e nunca mais vi o cigano de camisola azul.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha