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sábado, 6 de maio de 2023

Caravela do silêncio

 Perdidos, aqui,

Perdidos na imensidão da poesia,

Dos corpos suspensos, nos corpos em palavras de arder…

Perdidos de ti,

No novo dia,

Quando este dia… parece sofrer,

 

Quando este dia em caravela do silêncio,

Rompe a madrugada,

Quando deste dia, sem o dia…

Se faz à estrada,

 

Perdidos, aqui,

Nas mãos da minha amada,

E da querida manhã, recebo em despedida…

Na voz de gritar,

A triste madrugada,

Da triste partida…

 

Perdidos, aqui,

Coração dos milagres,

Perdidos em ti…

Perdidos na montanha envenenada,

Tão pedidos,

Tão distantes,

As mãos da minha amada…

Quando ela se esconde… se esconde dentro das estrelas brilhantes.

 

 

 

Alijó, 06/05/2023

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Deus do mar envenenado

 Se eu pudesse ser

Eu era

Barco ou caravela

Nuvem foguetão

Poeta sem escrever

Se pudesse

Eu ser

Que eu seria

Não sei bem o que queria ser

Mas nunca seria

Ser

Ser o que eu sentia.

 

Se eu pudesse

Meu Deus do mar envenenado

Eu queria ser

Ser árvore porta-aviões ou poeta desamado

Sendo não ser

Ser um esqueleto enforcado.

 

E se eu pudesse

Ser eu o vento

Aquele vento que levanta do chão

A pobre enxada

Do rico camponês…

E se eu ainda o quisesse

E pudesse ser

Ser sem saber

Que um pobre coração

Voa até à lua de ser

Porque não sendo o querer

Também não o serei querendo

Que ser

Ou não ser

Ser o poeta.

 

E sendo eu o vento

Ou uma pedra de adorno

Prefiro ser gente

Do que ser…

Do que ser (morno).

 

Se eu pudesse ser

Sabendo que depois o era

Sem perceber

Ou saber

Como se constroem as canções de Inverno,

 

E sendo hoje a lareira da noite

Onde já queimei os braços

Agora as pernas…

E mais logo o restante esqueleto

E à chegada do autocarro

O pobre viajante

Sem bagagem

Ou esperança de o ser

Porque não o sendo

E o querendo

O rio corre sempre para o mar

O mar que está a arder.

 

E depois vem a traineira

Do querer

E a do saber

Nunca sabendo

Sem o saber

Que querer

Se pudesse

Ser

Ou não ser…

Este vagabundo poeta do amanhecer.

 

 

 

 

 

 

Alijó, 21/12/2022

Francisco Luís Fontinha

domingo, 1 de setembro de 2013

A chuva não existe

foto de: A&M ART and Photos

Se chove, não a sinto, se chove, se chove... que fará a chuva a um corpo nu, despido, vagueando entre dedos, vagueando entre fotões, electrões, se chove... não a sinto mas oiço-a na minha pele como pequenos pontos de luz, como... como a lua procurando as tuas mãos sabendo ela, que as tuas mãos são um pêndulo, suspensas por um longo fio de nylon e suspenso no tecto da paixão,
Um corpo em repouso, estaticamente só, um corpo longínquo e transformado em ponto de luz, mergulha, e dorme, e alimenta-se das lâminas transparentes dos apitos marinheiros com vista para o mar... um corpo só, suspenso no pêndulo da noite, adormece, sonha, vive, esquece... e saltita como marés cinzentas depois dos velhos suspiros em peixes voando sobre a cidade, este corpo, este pequeno ponto de luz... ele mesmo, a própria cidade, a cidade mergulhada nas camisas madrugadas ornamentadas de pequenas dentadas, e em dentes de marfim, o teu corpo aparece transvasado dentro das minhas tristes mãos, como um vagabundo silencioso perdidamente esquecido nos bolos de chocolate e das fatias laminadas que sobejavam da luz vizinha em arbustos envenenado pela solidão dos finais e tarde, um corpo, o teu, um pequeno ponto de luz, procurando, procurando verdadeiramente o movimento circular uniformemente acelerado, serve-te, este?
Não sou eu que procuro a luz dos teus olhos, mas ela persegue-me, embrulha-se nos meus braços, e não me deixa escrever, às vezes, sinto-a longínqua em redor do meu pescoço, quase não respiro, quase não vivo, e mesmo assim, o teu corpo, minúsculo, o teu corpo transparente das tardes de Setembro... voa, e navega como uma caravela nos lençóis de espuma que o desejo abandona depois de acariciá-lo, depois de...
Não percebi!
Se chove, não a sinto, se chove, se chove... que fará a chuva a um corpo nu, despido, vagueando entre dedos, vagueando entre fotões, electrões, se chove... não a sinto mas oiço-a na minha pele como pequenos pontos de luz, como... imagino-a sobre o piano, imagino-a enrolada ao cortinado carmim da janela da biblioteca, entre mortas personagens e vivas paixões de areia, o mar, nua, sinto-a como a se fosse filha da chuva e mergulhada nas sandálias da manhã por acabar, sinto-a vaguear nas sílabas do meu corpo, e depois
Não percebi, não percebo porque chove em ti,
Depois, qualquer coisa de estranho na tua voz, um simples e medíocre círculo com olhos verdes, e escrevi-o sem saber porque o fiz, ou se vivesse eternamente, acreditava na morte dele depois de o escrever, e não percebi e não percebo que ainda vive em mim e só morrerá quando eu morrer, quando as minhas mãos deixarem de escrever e o espelho
Não percebi...
E o espelho vestido de grená espera-me


(não revisto – Ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 1 de Setembro de 2013

P.S.

Deixei de ser eu quando a chuva me roubou os sonhos de papel que e guardava religiosamente no meu peito, deixei de ser eu, e mesmo assim, corria devagar para adormecer nos teus braços de aço, âncora mórbida, só, sentada no Cais das Colunas, só como as nuvens quando desciam as escadas dos velhos e rabugentos guindastes e entravam no teu sorriso, embebias-te em algodão e açúcar refinado, e tão finas que eram as noites em ti que deixei de existir, deixei de ser
Eu?
Tu?
Deixamos de viver, de comer, deixamos de correr em volta de um círculo com olhos verdes, ele, vive, ele pertence ao livro ainda não terminado, vive, come, vive e oiço-o diversas vezes nas ranhuras clandestinas dos veleiros invisíveis,
E ainda há quem diga
“A chuva não existe”,
E ainda há quem diga que o teu corpo é de espuma e que os teus olhos são...
Pequenos pontos de luz?
Electrões, fotões, positrões, neutrões, partículas de Deus... e afins, limitada, com sede na rua dos desgostos, número vinte, Lisboa,
E ainda há quem diga que o teu corpo é como a espuma, e desaparece todas as sextas-feiras à meia-noite, rés-do-chão, direito.