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domingo, 30 de março de 2014

Bocas famintas

foto de: A&M ART and Photos

Sou absorvido pelos tentáculos da insónia,
dou-me conta da noite triste,
confusa, e só...
pertenço às paredes límpidas da solidão fantasma, às vezes, ela, veste-se de livro,
e dorme na minha mão disfarçada de rocha ensanguentada com dentes de leão,
outras, ela parece o cortinado inanimado da minha janela sem fotografia para o mar,

Sou absorvido por barcos longínquos das tardes de cacimbo,
sou o portão de entrada do quintal imaginário rodeado de mangueiras e sombras,
oiço o sorriso do embondeiro a sobrevoar o meu olhar, e sei que estou vivo porque alguém pega na minha mão de menino e diz-me que sou filho do Oceano,
sou absorvido por tudo e por nada,
pelas palavras, e pelas montanhas, e pelas ardósias envergonhadas do desejo,
sou... pelos tentáculos da insónia,

E.. e dos beijos,
sou um cadáver sem nome,
e enquanto era absorvido... sei lá por quem eu era absorvido!
mãos, pernas, braços, caricias, loucas caricias de mãos desconhecidas,
e no entanto, ainda pertenço aos indefinidos corações de incenso com borboletas cinzentas...
e bocas, absorvido por bocas famintas.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 30 de Março de 2014

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Como tu, refugiada em palavras mortas

foto: A&M ART and Photos

Como tu
refugiada em palavras mortas
mórbidas borboletas de veludo
voando
sonhando câmbios e orgasmos das neblinas filhas da madrugada
sou
como tu
embriagado pelas luzes do extinguido habitáculo de nylon,

Como tu
uma árvore em silencio no recreio da velha escola
sentamos-nos? Podíamos entrelaçar as mãos como fazem as andorinhas
quando
como tu?
Acordam as letras envenenadas das canções de amor...

Não sou nada
parecendo uma pedra lançada ao vento
e cai gravemente sobre o teu peito...
e da ferida... uma pequena rosa sobrevive aos teus lamentos,

(Como tu
refugiada em palavras mortas)

E insignificantes espelhos da eira triste
dançando como as bailarinas das fotografias suspensas no gesso alicerçado às mãos de um inocente homem com barba branca
dançamos?

(mórbidas borboletas de veludo
voando)

Nunca mais regressarei aos teus abraços braços
porque agora sou um barco
sem leme rumo ou velas
sem motor marinheiro ou perfume teu dentro de mim
caminharei sobre os cedros apodrecidos de uma lápide significando a minha ausência
nunca
regressarei ao porto de abrigo
para ser ancorado e aprisionado a uma corrente enferrujada com sintomas de tuberculose...

Fumamos?

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 18 de junho de 2013

Borboletas com bolinhas prateadas

foto: A&M ART and Photos

Conheci uma borboleta com bolinhas prateadas nas asas maleáveis de porcelana embriagada manhã, um dia, e quando já me tinha habituado à sua presença no parapeito da janela da biblioteca, percebi pela sua ausência sem qualquer explicação, que algo de muito grave tinha acontecido,
Um terramoto derrubando todas as árvores do meu jardim invisível? Ou.. também pensei na fraca probabilidade de ela ter morrido, pois diz o povo, que as más notícias são sempre as primeiras a saberem-se, entenda-se agora por más, má pessoa? Má vida? Má, ela? Nunca me apercebi de tal facto, sempre afável, meiga, terna, que às vezes até parecia que tinha chegado de um favo de mel,
E não era para mais, nos lábios de prata sempre a suspensa lágrima de açúcar, derradeira melodia dos primeiros sons do amanhecer, batia-me à janela, eu, quando a ouvia, porque muitas das vezes dormia tão profundamente que nem me dava conta que o edifício contiguo tinha desabado durante a noite, e todos os meus vizinhos desalojados, cerca de vinte famílias, tinham sido acolhidos na pensão da rua das traseiras, má, porque frequenta-se por homens de fraco calibre, mulheres petroleiro que quando se aportavam num cais com fundações suficientemente alicerçadas aos rochedos bem lá no fundo, nunca mais o abandonavam, chupavam-lhes tudo, inclusive as algibeiras,
Um terramoto?
As urtigas dormiam debaixo dos meus velhos lençóis
(canso-me deste vibrador sobre a minha secretária, canso-me, e provavelmente brevemente desligar-se-á, ou... também pensei na fraca probabilidade de ela ter morrido, mas felizmente que está vivo, de boa saúde e a atrofiar-me a cabeça; claro que me refiro ao meu telemóvel... Que pensavam vocês, seus malandrecos?)
E quando por lapso me encostava a elas, sentia-as na minha pele fina e sedosa, aleatórias madrugadas ausentada de ti, recordava os teus lábios com lágrimas de açúcar, recordava as estranhas janelas que sempre prontas me abrias, eu entrava-te e tu depois, olhavas-me, sorrias-me... e dizias-me na tua voz maliciosa e poética
Amo-me minha querida,
Às palavras, todas as caixas perdidamente empilhadas sobre os telhados zincados dos veludos musseques esquecidos nos pequenos charcos que a chuva depois de partir deixava sobre a terra agreste, seca, recheada de fendas como a pela das mesmas mulheres, as de má... que frequentavam a pensão das traseiras, tocava-te nas pernas, poisava-me lá, e tu, indiferente, indecisa
Não sei se quero,
E tu desentendida
Não percebi filho,
E tu
Perdida no silêncio... dizias-me que as fotografias são esqueletos de papel prensados, e tal como as tostas-mistas, de preferência, comem-se quentes, porque são saborosas, porque tu inventavas borboletas como quem inventa palavras, e que eu saiba
Mas tu não sabes nada,
Não existem borboletas com bolinhas prateadas nas asas maleáveis de porcelana embriagada manhã, não existem janelas com parapeito em granito, e nem sequer tu dormias em casa quando o edifício contíguo ruiu e desalojou os meus, repito, os meus vizinhos, porque nem isso tu conseguiste... viver comigo, e transformares-te em urtigas. Patife.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sábado, 23 de março de 2013

Borboletas Mecânicas

Borboletas mecânicas incendiavam as fictícias manhãs de Domingo, ainda por descobrir, emagrecidas pelas janelas de ferro que o ferreiro plantou nas paredes da solidão na cidade dos esconderijos, ouviam-se-lhes as letras dissimuladas em bocas revoltadas, havia fome e havia candeeiros sentados em bancos de madeira, tínhamos descido das árvores onde passámos os últimos meses, confesso, que das borboletas não tinha medo, acordava a noite, e aí sim, elas pareciam loucas, voavam em círculos, e desenhavam quadrados e triângulos no silêncio das horas nocturnas, mas como eram de chapa zincada, resistiam, e quando batiam de raspão na parede de um prédio em ruínas, ouviam-se-lhes os ditongos metálicos da pedra contra o metal, acordávamos, pensávamos que tinham chegado os soldados com armas de paixão para nos protegerem, mas afinal
Aram apenas os sons metálicos das borboletas mecânicas, em flor, acabadas de nascer, e ainda mal percebiam os princípios da aerodinâmica, algumas, deitavam-se das árvores e batiam as asas e batiam, até se despenharem em pleno pavimento granítico das calçadas em frente ao Tejo, um rio que deixou de existir depois dos homens vestidos de negro terem invadido a cidade, e com uma pasta de couro, aos poucos, todas as plantas cessaram os seus movimentos nos jardins públicos e privados, e apenas uma ponte, também ela metálica, resistiu, e ainda hoje nos ouve, quando gritamos, quando acordamos, quando
É domingo,
Ainda não sabia o que eram crocodilos de areia, tinha uma vaga noção do que era o capim que tanto se falava em casa, mas dizer que tinha tido o prazer de deitar-me no chão, e descer uma ravina até ir de encontro a uma pedra ou a uma árvore, não, até então, nunca tinha tido essa estonteante experiência, mas pensava cá para mim
Um dia vou experimentar,
As borboletas tinham-se tornado inquietas, nervosas, e pareciam, não, não pareciam, eram, loucas, e os seus voos cada vez mais simples e em linha recta, como as linhas traçadas nas paredes pintadas de branco com a ajuda de um esquadro e de uma régua, simples, tão simples, que
À noite não podíamos sair de casa, elas vagueavam em desesperos e tínhamos medo dos golpes que as asas metálicas podiam-nos provocar no corpo desobediente, quente, que tínhamos de transportar até que chegava a manhã, e com ela, a claridade, e com esta, elas adormeciam
Acreditas em árvores de pêlo comprido?
Eles não vinham, já o sabíamos, e não era preciso grande alarido, porque sempre estivemos por nossa conta, sempre sós, como os furtados cocos dos coqueiros, não
Um dia vou experimentar, e experimentei, e bati com a cabeça numa tília com nervos em franja, rabugenta como uma galinha, que em vez dos afamados chás das cinco, não, preferia as drageias de carvão que o tio Augusto tinha trazido do antigo Congo Belga, atravessava-se o rio, e do outro lado, suspenso numa vespa, vagueava como um vadio, moribundo mendigo de quatro patas, como o outro, de areia, crocodilo desde os tempos do meu aparecimento no planeta terra, e um dia
De pêlo comprido?
Não,
E estúpidamente acreditava em árvores, e estas acreditavam em mim, que acreditavam em borboletas mecânicas, em pontes metálicas, em rios e cidades, e barcos,
E juro,
Nunca vi nenhum, não consigo descrevê-lo, parecem-me objectos difíceis, distantes, complicados, parecem-me pinturas de miúdos durante a noite, estes tais de barcos, e a bailarina parece-me triste, magoada, talvez cansada, talvez envergonhada, mas
Sim, Domingo,
(Ainda não sabia o que eram crocodilos de areia, tinha uma vaga noção do que era o capim que tanto se falava em casa, mas dizer que tinha tido o prazer de deitar-me no chão, e descer uma ravina até ir de encontro a uma pedra ou a uma árvore, não, até então, nunca tinha tido essa estonteante experiência, mas pensava cá para mim)
Um dia vou.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha