Mostrar mensagens com a etiqueta Prova Oral. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Prova Oral. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Acorrentado à saudade

(  )
E quase nunca ouvias as locomotivas da fome poisarem em Campanhã, e quase nunca utilizavas as pedras húmidas que transportavas na mochila, pedia-te urgentemente e respondias-me
Não, hoje não posso, talvez amanhã, não sei, sei, que a vaidade destrói os humanos, porque as árvores não são vaidosas? Não o sei, sinceramente, não o sei, talvez regressem as locomotivas a Campanhã e os socalcos ao meu imaginário, as bifanas da tia Alice, a cerveja meia choca, como ela, coitada, com idade para estar à lareira, e no entanto
Qual o meu desejo para 2013? Difícil... deixa cá ver, sei lá, talvez uma..., caramba pá só me fazes perguntas difíceis, talvez... Já sei, Já sei, Reformar-me aos quarenta e sete anos, faço-os dia vinte e três de Janeiro,
Entravas em casa, não falavas, nem olhavas para as flores que tínhamos em cima da mesa da cozinha, sentavas-te no sofá, e nem livros querias ler, odiavas a televisão, ligavas o rádio e sintonizavas a Antena 3, quase sempre A Prova Oral, quase sempre
Reformar-me aos quarenta e sete anos, faço-os dia vinte e três de Janeiro,
Quase sempre ficavas imóvel, envidraçado como os moveis da sala de jantar que herdamos da tua mãe, e coitada da Tia Alice às voltas com as bifanas, coitada da Tia Alice às voltas com o reumático, às voltas com as varizes e a cerveja choca, cansada, velha
E as locomotivas esperavam pelo regresso das bifanas, e coitada da Tia Alice
Qual o meu desejo para 2013? Difícil... deixa cá ver, sei lá, talvez uma..., caramba pá só me fazes perguntas difíceis, talvez... Já sei, Já sei, Reformar-me aos quarenta e sete anos, faço-os dia vinte e três de Janeiro,
Engraçado queimar-mo,
Ouvir a prova oral ainda é o que nos mantém vivos cá em casa, em falta de sopa ouvimos o Alvim e a Xana, em falta de sopa ouvimos os poemas de AL Berto na Casa Fernando Pessoa, ou
Engraçado queimar-mo,
Em falta de sopa ouvimos o projecto Wordsong (AL Berto), e
Reformar-me aos quarenta e sete anos, faço-os dia vinte e três de Janeiro,
E sentimos-nos perfeitamente bem, e de boa saúde, até que vêm as locomotivas de Campanhã e trazem com elas os socalcos do Douro, trazem o rio, trazem as enxadas com sombras de reumático e fome concentrada em pequenas latas de duzentos gramas de neblina Conceição, Tia Alice, tia Alice
Que só queria reforma-se aos quarenta e sete anos, fá-los dia vinte e três de Janeiro, mas as bifanas e a cerveja choca, e a chuva do tamanho de uma flor, e às vezes fugiam sem pagar,
Entravas em casa, não falavas, nem olhavas para as flores que tínhamos em cima da mesa da cozinha, sentavas-te no sofá, e nem livros querias ler, odiavas a televisão, ligavas o rádio e sintonizavas a Antena 3, quase sempre A Prova Oral, quase sempre
Dizias-me que para 2013 desejavas reformares-te aos quarenta e sete anos que fazias a vinte e três de Janeiro, e ficavas imóvel, envidraçado como os moveis da sala de jantar que herdamos da tua mãe, e coitada da Tia Alice às voltas com as bifanas, coitada da Tia Alice às voltas com o reumático, às voltas com as varizes e a cerveja choca, cansada, velha
Torturada pela escravidão da puta da vida.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó