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sábado, 15 de julho de 2023

Um pouco mais de azul

 

Podia falar-te de literatura,

Dos livros que amo,

De poesia,

Podia falar-te dos poemas mais lindos que li,

Podia falar-te de pintura,

Filosofia…

Mas não,

Já nada disso me dá prazer,

Aliás,

Já nada me dá prazer…

A não ser…

Comer chocolates.

 

Podia falar-te dos meus sonhos,

Que já não tenho,

E se ainda me resta algum…

É precisamente morrer no dia do meu aniversário,

Num qualquer Vinte e Três de Janeiro.

 

Podia falar-te do Universo,

De Deus,

De tudo,

E de nada,

Podia falar-te…

A não ser…

Comer chocolates.

 

Sento-me,

Olho este pobre desenho que acabou de nascer,

Dou-lhe vida,

Ergue-se um traço,

Abraçam-se dois traços a um pedacinho de azul…

E eu,

Como chocolates.

 

Como chocolates e percebo que nada faz sentido,

Enquanto isso, penso,

Como chocolates,

E dou razão ao senhor Álvaro de Campos,

Quando da janela olha a piquena…

E acaba por concluir que não há nada melhor na vida…

Do que comer chocolates.

 

E enquanto a piquena come chocolates,

Eu e o Esteves…, junto à Tabacaria,

Desenhamos cigarros na fimbria escuridão do mar…

 

Podia falar-te de AL Berto,

Do Pacheco,

Podia falar-te do Kundera…

(Coitado,

Faleceu esta semana),

Podia falar-te de Lobo Antunes, do António,

Podia falar-te de Cesariny…

Podia falar-te de Gunter Grass,

Do Gogol e das suas Almas Mortas,

Podia…

Mas já não telho prazer de falar dessas coisas,

Já não tenho prazer de falar-te de nada,

 

A não ser,

Comer chocolates.

Podia falar-te da minha infância,

De uma Luanda que nunca vou esquecer…

E que amarei até morrer,

Podia falar-te da chuva,

Do vento…

Podia falar-te da Primavera,

Ou das primeiras lágrimas da manhã.

 

Mas não. Vou falar-te de chocolates.

Podia falar-te do silêncio,

Da solidão,

Da loucura de estar vivo…

Podia falar-te de Hemingway,

Do Velho e o mar,

Podia falar-te de Proust,

Ou das cinzas que escondo no coração…

Podia falar-te na hipótese de viajar no tempo…

Mas não,

Prefiro comer chocolates…

E ainda acreditar que quando abro a janela…

Todo o mar, entra.

 

 

 

15/07/2023

Francisco

terça-feira, 3 de janeiro de 2023

O castelo das noites fumadas

 De todas as minhas telas

Nenhuma tem nome

Para quê dar o nome a uma tela

Se ela é prisoneira de uma parede

(nunca irá sair da parede)

E mesmo as que tenho amontoadas

Encostadas à parede

Não possuem nome

(vou levá-las a passear ao parque infantil?),

 

Menina Primavera

Não corra com pressa

Pode cair,

 

Ou

 

Menino orvalho

Se faz favor

Coma a sopa toda,

 

Ou

 

Sabe, infinito?

Sim, pai…

E o infinito nada sabe,

 

Portanto

Todas as minhas telas não têm nome,

 

Eu

O artista

Que desenha

Que pinta

Que dou vida a todas estas telas

Também como elas

Não queria ter nome,

 

Poderiam ter-me apelidado

De zero três um seis seis nove oito sete (03166987)

RH mais

Nascido a dezoito de Maio de mil novecentos e oitenta e sete
E falecido a nove de Agosto de mil novecentos e oitenta e oito

Residente no primeiro esquerdo

Porque no primeiro direito vivia a velhinha

Que tinha dois cães

Três gatos

E a neta era trapezista

(par-time)

Num circo que costumava estar estacionado junto ao Castelo,

 

E o zero três um seis seis nove oito sete

Numa linda noite junto ao Tejo

Estávamos em Julho

Enquanto a neta da velhinha passeava um dos felinos

(penso que seria o Alfredo)

Sentou-se à minha beira

(Primeiro pedindo sua licença)

E pediu-me que lhe escrevesse um poema…

 

E disse-lhe

Olhe menina

Poemas não escrevo

Poemas leio-os

E quando estou empanturrado

(gosto de escrever cartas à lua)

(e quanto a poemas costumo beber os de AL Berto e fumar os poemas de Cesariny),

 

Ela sorriu

Disse que eu era louco

(pois quem é que escreve cartas à lua?)

 

E continuando a ser o zero três um seis seis nove oito sete

(até nove de Agosto de mil novecentos e oitenta e oito)

Comecei a vender os dias

Vendia-os na rua

Na feira da ladra

Por aí

Por aqui

Até que quando me dei conta

Já não tinha os dias

E quanto às noites

(já estava empenhados em algumas horas)

Quanto às noites foi um autêntico desastre

Hoje diria um desastre ecológico,

 

Sabe, infinito?

Sim, pai…

E o infinito nada sabe,

 

Porque o infinito nunca quis saber de mim…

E eu

Diga-se

Também não

(só penso nele quando fumo os poemas de Cesariny e bebo os poemas de AL Berto).

 

 

 

 

 

 

Alijó, 3/01/2023

Francisco Luís Fontinha

(zero três um seis seis nove oito sete)

sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

Os meus poetas

 Encurralado entre vírgulas e parêntesis

Este corpo encostado à marginal

Sou espiado por um barco

Que pincela os olhos de encarnado

E nas unhas

O invisível verniz da paixão

 

O vento me leva

O vento nunca mais me vai trazer

 

E no entanto

Bebo

Fumo

Escrevo

 

O que importa se vou e não regresso?

 

Se tantos barcos da minha vida

Partiram

Fundearam

E hoje

São sucata no fundo do mar

 

Depois

Gosto da noite

Amo os meus poetas

Ouvi-los

Lê-los

 

E às vezes

Converso com eles

 

Adoro conversar com o AL BERTO

Com Cesariny

Cruzeiro Seixas

Alexandre O'neill

 

Sentar-me lado a lado com o Pacheco…

Depois ele pede-me vinte paus

Mas como ando sempre teso

Ficamos apenas pela conversa

 

E quando dou conta

A noite já não é noite

A noite acordou

Eu não dormi

A noite deixou de me pertencer

Mas como eu amo a noite

Fico como se tive morrido

E se me perguntarem (morreu de quê?)

Alguém dirá

Morreu

 

O vento me leva

O vento nunca mais me vai trazer

 

E eu acordo

E eu adormeço

E eu caio

E eu me levanto

 

E o vento me leva

E o vento nunca mais me vai trazer

 

Escrevo-lhes

Oiço-os

 

E habito neste pequeno silêncio de asas.

 

 

 

 

 

Alijó, 02/12/202

Francisco Luís Fontinha

domingo, 19 de julho de 2015

A vida é uma corrente em aço sonolento

Nunca soube quem eras, pertencias às tardes de espuma que brincavam no meu imaginado Oceano, a planície recheada de sombras e infindáveis gritos de geada contra os pinheiros em cartão, os corpos suspensos numa corda invisível, triste, nunca soube porque pertencias às fotografias poeirentas quando regressava o sonho, embrulhavas-te nos finos silêncios da vida, desenhavas a dor no esquecimento da alegria,
- A vida é uma corrente em aço sonolento, dizias-me enquanto eu lia AL Berto, pensava que me mentias apenas para me confortares, admiro a força das tuas palavras, as esplanadas junto ao Tejo, e eu
Mentia-te como te minto neste momento, sei que não acreditas em mim nem nos meus barcos embalsamados, querias a noite, e eu
- Desenhava a noite no teu peito,
Fugias de mim,
Acreditavas nas cidades incógnitas, não dormias porque não sabias se eu acordaria mais, acordei, chorei, amei, e caguei nas tuas mãos,
Fugias de mim, meu amor,
A noite levava-te para outro continente, vestias-te de chuva, na cabeça o sorriso da pura inocência que a madrugada deixava em ti, desenhavas a noite no meu peito, saltitavas nos meus lábios cerâmicos, enquanto te escrevo oiço o poema de AL Berto dedicado a Cesariny, “tão triste,
Mário!”,
- Tão triste esta alvorada sem identificação, e novamente, tu, a vida é uma corrente em aço sonolento, uma gaivota, um pedaço de maré assassinada pela ausência, a partida, sempre sem regresso, sempre tão simpática…
Boa noite…
- A vida…
Pode ser, qualquer coisa que me faça esquecer os dias, as noites e as máscaras do meu rosto.
 
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 19 de Julho de 2015



domingo, 5 de abril de 2015

Para ti meu amor


Desce a noite pelos teus ombros de silício

Percebo na tua voz

O silêncio poema da paixão

O falso livro

Embrulhando-se nos teus seios

Em prata

A sombra

O prateado fugitivo

Descansando o olhar numa livraria

Livros

AL Berto

Lobo Antunes

 

Saramago

Pacheco

Livros

Estórias

Cesariny

A sombra

Lapidando o teu corpo

Oceano de palavras

Mergulhadas no teu púbis

A madrugada

Livros

Perdidos

 

E achados

O amor

Meu amor

O significado verdadeiro da saudade

Nos dardos envenenados da solidão

A fala

Não

A sanzala mergulhada em lágrimas de cartão

O vento trazendo as coxas do capim

Oiço-a enquanto durmo

Os seios minúsculos

Masturbados na poesia nocturna da alegria

 

A noite

Não

A fala

Os lábios incinerados na lareira do prazer

O suor alicerçado à tua pele

A húmida vagina em imagens tridimensionais

O PET

O maldito PET

O juízo

A mentira

A insónia

Novamente

 

Triste


As ruas do teu sofrimento

A lotaria da vida

Morres

Não morres

Vives

Em mim

Meu amor

Vives nas minhas veias semeadas de tempestade

A saudade

Novamente

 

No meu corpo

O pénis encarcerado numa estrofe

O enjoo da solidão

Quando à nossa volta gravitam

Sombras…!

A penumbra tarde de Novembro

Nas janelas do Hotel da Torre

Belém

A vagina procurando cacilheiros de luz

Um cigarro

Dentro de mim

Aso beijos

 

E eu sabia que a carta

Sem destino

Morreu

O amor das sílabas encarnadas…

Travestis amigos numa mesa

A vertigem do amanhecer

Acariciando pássaros e cavernas de medo

Não tenho morada

Cidade

Casa

Rua…

Mas tenho um poema para ti meu amor.

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 5 de Abril de 2015

terça-feira, 3 de junho de 2014

O meu poema


Eras o meu poema,
vestias calças negras,
sorrias enquanto eu te olhava,
silenciavas-te enquanto eu sonhava,

Cerravas as pálpebras, e voavas,

Trazias na algibeira das calças negras apenas algumas vogais e umas tristes sílabas,
conversávamos e não conversávamos...
e éramos absorvidos pelo Luar,

Regressava o vazio,
a dor,
e do sofrimento havia sempre luz com braços de Várzea,
acenavas-me, e eu nada fazia, e deixa-me adormecer,
gritavas pela noite, e tínhamos a noite,
nas tuas calças negras,
a penumbra,
e sombrias palavras,
como o coração de um condenado à poesia,
queria ser astronauta, e fiquei-me por um simples aprendiz de feitiçaria,
que hoje recorda os barcos do Tejo e uma Lisboa adormecida,
e um magala procurando engate...

O comboio soluçava quando ouvíamos (Belém!!!!!!!!!!!!!!)
acordávamos,
e sonolentos... aportávamos no primeiro bar do amanhecer,

(Eras o meu poema,
vestias calças negras,
sorrias enquanto eu te olhava,
silenciavas-te enquanto eu sonhava),

Eras o meu poema,
a sinfonia abstracta que invadia a nossa janela de cristal...
Líamos AL Berto, Cesariny e abraçávamos-nos como duas gaivotas loucas,
encalhadas num velho Cacilheiro,
eras o meu poema,
eras a minha viagem,
balançava o cortinado de papel,
víamos o mar a dançar no tecto da alvorada,
respirávamos, não respirávamos...
(O comboio soluçava quando ouvíamos (Belém!!!!!!!!!!!!!!)
acordávamos,
e sonolentos... aportávamos no primeiro bar do amanhecer),
e havia sempre um velho esqueleto à minha espera,
descia a velha escadaria, e,
- Tem um cigarrinho? E fumávamos até deixar de ser manhã...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 3 de Junho de 2014

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Carta do Canadá


A correspondência pesadíssima balançava no meu braço esquerdo, de mão amachucada dentro da algibeira, procurava cigarros com sabor a saudade, o carteiro nem tinha começado o giro e já se encontrava cansado, sonolento, e o carteiro... eu mesmo, disfarçado de andaime ambulante e despropositadamente peguei num subscrito, apenas porque chamou-me a atenção a quantidade de selos e os desenhos dos mesmos, deslumbrantes como as planícies iluminadas das ruas embriagadas de uma cidade em construção,
Deve vir de longe, pensei,
E eu, eu ali, suspenso entre o olhar obtuso e a penumbra neblina do fumo do meu pobre cigarro, comecei a manuseá-lo como se fosse o rosto de alguém desconhecido, alguém que pela primeira vez tocava nas minhas mãos, senti um leve arrepio e sou embrulhado em palavras, confesso, palavras que nunca na minha vida de carteiro tinha encontrado, tocado..., ou, tocar toquei..., mas apenas nos selos, e por alguns minutos,
Acariciado?
Isso, acariciado, isso, acariciei,
E repentinamente sou invadido por pequeníssimos sons metálicos, e


“Canadá, 09/04/2014
Meu querido,
Devido às circunstâncias que tu já conheces, fui obrigado a ausentar-me desse País e da tua vida, não sei se o fiz de livre vontade, não sei se o devia ter feito, mas..., e fi-lo acreditando que me libertava da tua voz, não o consegui e ela permanece entranhada no meu corpo esguio de árvore caduca, e não estou arrependido, não, não estou arrependido,”
Entre o silêncio sinto a dor que o meu cigarro provocava nos meus dedos e o cheiro a pele queimada, sentia-me tão embalsamado pelas palavras que me embrulhavam que acabei por esquecer-me que estava a fumar e que o diabo do cigarro tinha acabado de morrer, a morte, sempre a morte dos cigarros, essa sim, o medo que me atormenta, quando vejo e sinto a morte de um, seja um só ou vinte, ou trinta...,
E voltava a sentir no meu esqueleto as tais palavras que eu nunca duvidei que vinham do subscrito que poisava na minha mão,
“Ontem estive a reler as nossas cartas, tanto tempo passou entre as equações dos nossos corpos na ardósia de um velho divã e o sentido poético dos teus dedos, lembras-te quando lias para mim AL Berto?, lembras-te quando lias para mim Cesariny?, ontem percebi que as Acácias deixaram de sorrir quando entraste naquela ruela sem janelas, e tu, e tu nunca mais regressaste, e tu”
Possa... que não entendo nada disto!,
“E tu começaste a ter asas, a sair de casa manhã cedo, e às vezes, nem regressavas no final da tarde, e eu sentia que te perdia como o marinheiro sabe quando a sua embarcação está prestes a afundar-se... e pluf, novamente silêncio, e pluf, novamente Primavera,
E pluf, entravas casa adentro e com o teu sorriso de solidão dizias-me
Olá amor!,
E hoje enquanto relei-o as nossas cartas, algumas delas parecem os cigarros do carteiro aí da tua rua, cartas mortas, descoloridas, e os corações desenhos por mim..., não corações, desapareceram como desapareceu o cinzeiro de prata que levaste para vender e em troca
Pluf,
Mais um regresso adiado, e eu, eu acreditava sempre, sempre,”
Procuro outro cigarro, sinto frio e percebo que alguma coisa não está correcta, aquelas palavras e aqueles sons metálicos deixavam-me totalmente desnorteado, tremia, ressacava, e no entanto, e no entanto conhecia aquela voz que vinha da escuridão,
“Meu querido, espero que entendas a minha ausência, espero...”
Deixei de ouvir a voz e cada vez menos chegavam a mim os metálicos sons, até que
“Despeço-me com saudade,
Sempre,
Alberto”
Volto a colocar o subscrito na sacola e começo a caminhar para a primeira casa da rua, a Dona Joana esperava a carta da filha que tinha partido para Lisboa, ainda menina, ainda inocente,
E uma luz preenche as minhas pálpebras de verniz, os meus olhos pareciam cortinados negros sem vontade de correrem em direcção ao cais dos cigarros mortos, aos poucos, muito devagar... vou-os abrindo como quem abre pela primeira vez uma porta de entrada de uma casa descolorida e percebi, e percebi que tinha sonhado,
E percebi que não havia carteiro nenhum e percebi que nunca existiu subscrito nenhum, e tão pouco conheço alguém que viva no Canadá...
Corro para o banho e depois de alguns minutos a sacudir as palavras do subscrito..., percebi que nem da cama ainda tinha saído.




Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 9 de Março de 2014

terça-feira, 2 de abril de 2013

Evasão de Privacidade

foto: A&M ART and Photos

A demolição do meu corpo dentro do cubo de silêncio que as andorinhas constroem nas triangulares janelas da casa dos fantasmas-sombra que desde a infância vivem no quarto ao fundo do corredor, sem portas, o tecto descia até não caberem mais os medos entre o pavimento e o candeeiro retrovisor do quarto das traseiras,
Chamavas-me durante a noite para beber o leite, eu recusava-me a acordar, eu recusava-me a abrir a boca, ele recusava-se a levitar sobre o jardim das flores de corpo-doirado, durante o processo de construção, levantava-me pensando que não me levantava, por exemplo, quando hoje estava a ouvir a Antena 3 e repentinamente, entra-me no ouvido a Radio Regional de Resende, confesso, por ignorância, desconhecia a sua existência, É para dedicar? Sim, para o primo Francisco, Para o Pai Francisco, e Para o avô Francisco, E o tema... “O Malhão do Beijo – Zé Amaro”, e eu
(sabia lá quem era o Zé Amaro...)
E ainda agora desconheço a quem pertencem os pássaros que não cessam de refilar, refilam, refilam, e eu
(penso)
Será uma reunião sindical? Será uma manifestação? Não percebo, não entendo porque berram estes malditos pássaros que vivem nas árvores do jardim emprestado onde habito... sem bancos de madeira...
(dedico a todos)
A prisão do nobre silêncio às algemas dos fios de cobre que o sucateiro da esquina derreteu depois do dependurado João & João ter fanado do monte dos arbustos bravos, o telefone silenciou-se, e todos os sorrisos das câmara de vídeo perderam-se nas conferências de parvos a venderem pipocas na praça, melhor dizendo, junto aos Paços do Concelho, de meia-calça, sapato alto, e brincos de prata nas orelhas furadas como o crivo do passe-vite herdado da avó Silvina, e confesso-lhe querida senhora, ver não vi, mas pareceu-me que do outro lado da rua um senhor fugiu com um dos candeeiros de jardim estacionado junto ao largo onde passeiam elas, e mão dada, como andorinhas de Primavera,
(dedico ao meu pai, dedico à minha tia, e a todos os Membros do Governo, e já agora, para todos os desempregados...)
É tudo? Falta a frase... Pois carago... a frase... “Passos, Passos, é no sucateiro dos abraços” desde 1756, E a música? “O Malhão do Beijo – Zé Amaro”,
Muito obrigado e uma excelente tarde,
(excelente tarde, só se for para ti)
A prisão, os fios de cobre a saltarem de mão em mão, e uma Polícia Política de espada na mão à procura de palavras e canções, de textos e gravatas, palavras, paralelepípedos recheados com os olhares da calçada do João & João, rapazola sabichão, salteador de amêndoas depois de levantar voo a Páscoa
(Aleluia, Aleluia, Aleluia)
Invoquem o artigo 21 da constituição, façam-no, não tenham medo, pior do que isso é a fome e a miséria,
E agora, depois de se erguer e dirigir-se para outras paragens, resta-nos os buracos das estradas mal alcatroadas, que brevemente vão ser devidamente tapados, pois este é ano de eleições Autárquicas, e eu, pergunto-vos, Porquê?
Se eu estava descansadinho a ouvir a Antena 3, tinha não mão o livro de poemas de AL Berto “Vigílias” e entra-me casa adentro o “Malhão do Beijo – Zé Amaro”, sem que alguém tenha mexido no radio, sem que uma única alma, que eu saiba, estivesse ao meu lado, e o estupor do radio vai até Resende, veja vossemecê, Resende, ao menos ficava-se por Carrazeda de Ansiães, ou por Vila Real, ou... pelos Paços do Concelho, mas não, quis o destino que hoje eu, sem perceber porquê, conhecesse a Radio Regional de Resende, por acaso, e imagino se o AL Berto fosse vivo
E dizia-lhes
(“Cesariny e o retrato rotativo de Genet em Lisboa
ao lusco-fusco mário
quando a branca égua flutua ali ao príncipe real
as bichas visitam-nos com as suas cabeças ocas
em forma de pêndulo abrem as bocas para mostrar
restos de esperma viperino debaixo das línguas e
com o dedo esticado acusam-nos de traição
sabemos que estamos vivos ou condenados a este corpo
cela provisória do riso onde leonores e chulos
trocam cíclicos olhares de tesão e
ficamos assim parados
sem tempo
o desejo diluindo-se no escuro à espera
que um qualquer varredor da alba anuncie
o funcionamento da forca para a última erecção
lá fora mário
longe da memória lisboa ressona esquecendo
quem perdeu o barco das duas ou se aquele que caminha
será atropelado ao amanhecer ou se o soldado
que falhou o degrau do eléctrico para a ajuda fode
ou ajuda ou não ajuda e se lisboa num vão de escadas
é isto
tão triste mário sobre o tejo um apito”
AL Berto)
E dizia-lhes o quanto é difícil viver desordenadamente sem a ajuda de ninguém, como os fantasmas-sombra que habitavam a casa de Carvalhais e morreram quando ela morreu, e ruíram quando ela ruiu, e solidariamente se suicidaram, quando ela se suicidou, e no entanto, hoje vivo feliz por saber que deixei de existir, tenho um nome, apenas, e um número de contribuinte, um número que não serve para nada, que de nada me serve, apenas um número, e números tive muitos, apaixonei-me por muitos, e hoje, vivo completamente na solidão dos números, e apenas posso ter esperança no
(viva, viva o artigo 21 da Constituição)
Dia de amanhã, a mesma esperança que tinha no dia de hoje, e pergunto-me
(não devia ser inconstitucional existirem reformas abaixo de trezentos euros e abaixo de duzentos e setenta e um euros?)
Dizem-me para não repetir o que disse...
Porque isso não se diz, porque inconstitucional é a Taxa de Solidariedade, isso sim, porque não usufruir qualquer rendimento ainda não é nem será inconstitucional...
É tudo? Falta a frase... Pois carago... a frase... “Passos, Passos, é no sucateiro dos abraços” desde 1756, E a música? “O Malhão do Beijo – Zé Amaro”,
Muito obrigado e uma excelente tarde,
(excelente tarde, só se for para ti)

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Carta a Luiz Pacheco


Meu querido Luiz Pacheco,
Literalmente estou fodido, desempregado e sem subsídio algum, esforço-me e não encontro trabalho, recorri ao rendimento social de inserção e foi indeferido, pedi a isenção de pagamento de taxa moderadora e quase de certeza também vai ser indeferido, já pensei ir limpar latrinas mas devido à crise duvido que ainda exista merda para limpar porque de tanto apertarem o cinto os portugueses aos poucos deixam de defecar,
Não comem pá,
Já pensei fazer como o teu mangala que passeava pelas ruas de Braga e fazer-me à vida nos jardins de Belém mas nem para isso tenho jeito, o meu amigo doutor psiquiatra receita-me injeções e tenho de pagar um euro para me picarem o rabo,
- Pede supositórios Pá… E ainda consolas o rabinho,
Isto é se for na data marcada porque se for fora do agendamento são quatro euros,
- Estás mesmo fodido Pá,
Pois estou Meu querido,
E pronto Não sei o que fazer à puta da vida, ainda tenho os teus livros para ler e do António Lobo Antunes e do Saramago e do Cesariny e do AL Berto e do Milan Kundera e do Proust e do Gogol e do Tolstoi e do Dostoevsky, isto é, reler, porque já os li mas tal como o melhoral que nem faz bem nem faz mal, certamente voltar a lê-los também
- Tens vinte paus Pá?,
Também a noite tem algo de silencioso quando vocês entram em mim e particularmente fico fodido quando o AL Berto diz que se gritar mar em voz alta o mar entra pela janela, e abro a puta janela e o caralho do mar onde está?,
Não comem pá,
De tanto apertarem o cinto deixaram de defecar,
- Tens vinte paus Pá?,
Paus já eram e agora só existem aéreos e até ao final do mês só tenho cinquenta e cinco cêntimos,
- Essa merda dá para quê Pá?,
Para nada,
- Então estás Literalmente fodido Pá.

(texto de inspiração pessoal e dedicado ao Grande Luiz Pacheco; Lisboa, 7 de Maio de 1925 – Montijo, 5 de Janeiro de 2008)

Francisco Luís Fontinha