sábado, 6 de janeiro de 2024
sábado, 15 de julho de 2023
Um pouco mais de azul
Podia falar-te de
literatura,
Dos livros que amo,
De poesia,
Podia falar-te dos poemas
mais lindos que li,
Podia falar-te de
pintura,
Filosofia…
Mas não,
Já nada disso me dá
prazer,
Aliás,
Já nada me dá prazer…
A não ser…
Comer chocolates.
Podia falar-te dos meus
sonhos,
Que já não tenho,
E se ainda me resta algum…
É precisamente morrer no
dia do meu aniversário,
Num qualquer Vinte e Três
de Janeiro.
Podia falar-te do
Universo,
De Deus,
De tudo,
E de nada,
Podia falar-te…
A não ser…
Comer chocolates.
Sento-me,
Olho este pobre desenho
que acabou de nascer,
Dou-lhe vida,
Ergue-se um traço,
Abraçam-se dois traços a
um pedacinho de azul…
E eu,
Como chocolates.
Como chocolates e percebo
que nada faz sentido,
Enquanto isso, penso,
Como chocolates,
E dou razão ao senhor
Álvaro de Campos,
Quando da janela olha a
piquena…
E acaba por concluir que
não há nada melhor na vida…
Do que comer chocolates.
E enquanto a piquena come
chocolates,
Eu e o Esteves…, junto à
Tabacaria,
Desenhamos cigarros na
fimbria escuridão do mar…
Podia falar-te de AL
Berto,
Do Pacheco,
Podia falar-te do Kundera…
(Coitado,
Faleceu esta semana),
Podia falar-te de Lobo
Antunes, do António,
Podia falar-te de Cesariny…
Podia falar-te de Gunter
Grass,
Do Gogol e das suas Almas
Mortas,
Podia…
Mas já não telho prazer
de falar dessas coisas,
Já não tenho prazer de falar-te
de nada,
A não ser,
Comer chocolates.
Podia falar-te da minha
infância,
De uma Luanda que nunca
vou esquecer…
E que amarei até morrer,
Podia falar-te da chuva,
Do vento…
Podia falar-te da
Primavera,
Ou das primeiras lágrimas
da manhã.
Mas não. Vou falar-te de
chocolates.
Podia falar-te do
silêncio,
Da solidão,
Da loucura de estar vivo…
Podia falar-te de Hemingway,
Do Velho e o mar,
Podia falar-te de Proust,
Ou das cinzas que escondo
no coração…
Podia falar-te na hipótese
de viajar no tempo…
Mas não,
Prefiro comer chocolates…
E ainda acreditar que
quando abro a janela…
Todo o mar, entra.
15/07/2023
Francisco
terça-feira, 3 de janeiro de 2023
O castelo das noites fumadas
De todas as minhas telas
Nenhuma tem nome
Para quê dar o nome a uma
tela
Se ela é prisoneira de
uma parede
(nunca irá sair da
parede)
E mesmo as que tenho amontoadas
Encostadas à parede
Não possuem nome
(vou levá-las a passear
ao parque infantil?),
Menina Primavera
Não corra com pressa
Pode cair,
Ou
Menino orvalho
Se faz favor
Coma a sopa toda,
Ou
Sabe, infinito?
Sim, pai…
E o infinito nada sabe,
Portanto
Todas as minhas telas não
têm nome,
Eu
O artista
Que desenha
Que pinta
Que dou vida a todas
estas telas
Também como elas
Não queria ter nome,
Poderiam ter-me apelidado
De zero três um seis seis
nove oito sete (03166987)
RH mais
Nascido a dezoito de Maio
de mil novecentos e oitenta e sete
E falecido a nove de Agosto de mil novecentos e oitenta e oito
Residente no primeiro
esquerdo
Porque no primeiro
direito vivia a velhinha
Que tinha dois cães
Três gatos
E a neta era trapezista
(par-time)
Num circo que costumava estar
estacionado junto ao Castelo,
E o zero três um seis
seis nove oito sete
Numa linda noite junto ao
Tejo
Estávamos em Julho
Enquanto a neta da
velhinha passeava um dos felinos
(penso que seria o
Alfredo)
Sentou-se à minha beira
(Primeiro pedindo sua licença)
E pediu-me que lhe
escrevesse um poema…
E disse-lhe
Olhe menina
Poemas não escrevo
Poemas leio-os
E quando estou
empanturrado
(gosto de escrever cartas
à lua)
(e quanto a poemas
costumo beber os de AL Berto e fumar os poemas de Cesariny),
Ela sorriu
Disse que eu era louco
(pois quem é que escreve
cartas à lua?)
E continuando a ser o zero
três um seis seis nove oito sete
(até nove de Agosto de
mil novecentos e oitenta e oito)
Comecei a vender os dias
Vendia-os na rua
Na feira da ladra
Por aí
Por aqui
Até que quando me dei
conta
Já não tinha os dias
E quanto às noites
(já estava empenhados em
algumas horas)
Quanto às noites foi um autêntico
desastre
Hoje diria um desastre
ecológico,
Sabe, infinito?
Sim, pai…
E o infinito nada sabe,
Porque o infinito nunca
quis saber de mim…
E eu
Diga-se
Também não
(só penso nele quando fumo
os poemas de Cesariny e bebo os poemas de AL Berto).
Alijó, 3/01/2023
Francisco Luís Fontinha
(zero três um seis seis
nove oito sete)
sexta-feira, 2 de dezembro de 2022
Os meus poetas
Encurralado entre vírgulas e parêntesis
Este corpo encostado à
marginal
Sou espiado por um barco
Que pincela os olhos de
encarnado
E nas unhas
O invisível verniz da
paixão
O vento me leva
O vento nunca mais me vai
trazer
E no entanto
Bebo
Fumo
Escrevo
O que importa se vou e
não regresso?
Se tantos barcos da minha
vida
Partiram
Fundearam
E hoje
São sucata no fundo do
mar
Depois
Gosto da noite
Amo os meus poetas
Ouvi-los
Lê-los
E às vezes
Converso com eles
Adoro conversar com o AL
BERTO
Com Cesariny
Cruzeiro Seixas
Alexandre O'neill
Sentar-me lado a lado com
o Pacheco…
Depois ele pede-me vinte
paus
Mas como ando sempre teso
Ficamos apenas pela
conversa
E quando dou conta
A noite já não é noite
A noite acordou
Eu não dormi
A noite deixou de me
pertencer
Mas como eu amo a noite
Fico como se tive morrido
E se me perguntarem
(morreu de quê?)
Alguém dirá
Morreu
O vento me leva
O vento nunca mais me vai
trazer
E eu acordo
E eu adormeço
E eu caio
E eu me levanto
E o vento me leva
E o vento nunca mais me
vai trazer
Escrevo-lhes
Oiço-os
E habito neste pequeno
silêncio de asas.
Alijó, 02/12/202
Francisco Luís Fontinha
domingo, 19 de julho de 2015
A vida é uma corrente em aço sonolento
domingo, 5 de abril de 2015
Para ti meu amor
terça-feira, 3 de junho de 2014
O meu poema
quarta-feira, 9 de abril de 2014
Carta do Canadá
terça-feira, 2 de abril de 2013
Evasão de Privacidade
foto: A&M ART and Photos
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quando a branca égua flutua ali ao príncipe real
as bichas visitam-nos com as suas cabeças ocas
em forma de pêndulo abrem as bocas para mostrar
restos de esperma viperino debaixo das línguas e
com o dedo esticado acusam-nos de traição
cela provisória do riso onde leonores e chulos
trocam cíclicos olhares de tesão e
ficamos assim parados
sem tempo
o desejo diluindo-se no escuro à espera
que um qualquer varredor da alba anuncie
o funcionamento da forca para a última erecção
longe da memória lisboa ressona esquecendo
quem perdeu o barco das duas ou se aquele que caminha
será atropelado ao amanhecer ou se o soldado
que falhou o degrau do eléctrico para a ajuda fode
ou ajuda ou não ajuda e se lisboa num vão de escadas
é isto
tão triste mário sobre o tejo um apito”