RECICLARTE – NUNO
CANELAS 2024 - Alijó
Tenho uma ideia, para
apresentar ao Município de Alijó, conversando primeiro com os meus amigos
artista cá do sítio, em criamos arte com os veículos automóveis em estado de
abandona e degradação, alguns deles, muito perto do centro, incluindo a sucata
da autarquia, sita junto ao Centro de Saúde.
Já agora, mesmo aqueles
que não são artistas poderão contribuir com ideias.
Mãos à obra.
Fica o desafio.
Podíamos partir em
direcção ao mar
E levar connosco todos
estes livros,
Todas estas memórias.
Podíamos brincar no mar
E desenhar na areia o
sorriso do silêncio,
Podíamos escrever na
espuma do mar…
O quanto mar existe nos
teus olhos,
Do mar Oceano das tuas
mãos,
Podíamos regressar a
Ítaca
E resgatar o soldado
infeliz,
Conversávamos com a
esposa de Zenão…
(o paradoxo de Zenão)
Podíamos voar sobre as
árvores,
Podíamos cantar junto ao
rio…
Podíamos aprisionar o
vento
E a chuva,
Podíamos partir em direcção
ao mar
E levar connosco todos
estes livros,
E todas estas sombras.
04/11/2023
A janela do quarto
Deixou de abrir
A chuva cai
A chuva traz vinho
E pão
Também
E às vezes
A chuva vai
Depois vem
E rima
Com ninguém
Ninguém à mesa
De alguém
Que já foi tudo
E hoje
E hoje entretém-se a comer
chocolates
Coisas raras e boas
Castanhas assadas
E viagens sem fim ao fim-do-fim
Entre parêntesis
E a rima
E a rima com noite
desgovernada
Que tinha não mão uma
granada
E a rima
E pimba
A bala disparada
Contra o peito do magala
O cachorro não cessa de
latir
A janela do quarto
Deixou de abrir
A chuva cai
A chuva traz vinho
E pão
E a chuva vai
E a chuva vem
Sem saber que do tecto
cai
Que do tecto também
Uma nuvem sai…
E uma nuvem vem
Aos braços de alguém.
15/10/2023
A meio da noite, meu
amor, a meio da noite acorda a luz no teu corpo, a meio da noite, meu amor, a
meio da noite, deita-se a luz no teu corpo, abraça-se a luz às minhas mãos, que
poisam no teu corpo as primeiras sílabas da manhã,
A meio da noite, meu
amor, a meio da noite acordam os pigmentos de cor, com que pincelo o teu ombro,
a meio da noite, ele sonolento, tão sonolento como as predizes da madrugada,
A meio da noite,
Meu amor,
A meio da noite acorda a
luz no teu corpo, ergue-se o livro esquecido no chão, poesia de uma afegã, a
meio da noite, os teus olhos, meu amor, a meio da noite vestem-se de estrelas, e
passeiam-se nos meus lábios, quando o meu beijo desce suavemente sobre o teu
ventre, a meio da noite, o incêndio, a fogueira da noite, que a meio da noite
enrola no teu cabelo, e voa sobre um ninho de cucos, perdidos na noite,
Meu amor,
A meio da noite, fogem de
mim as diáfanas águas da ribeira dos sentidos, que a meio da noite, trazem as
pedrinhas com que construo a minha noite, quando a meio da noite,
Sobre ti, lábios de luz,
sobre ti, silêncios de ti,
A meio da noite,
Acorda,
Ergue-se o livro da
poetisa afegã…
Que perdeu a noite,
Que nunca teve noite,
como eu, quando procuro no teu corpo o poema mais belo do céu nocturno em “Flor
de Fumo”,
E querida Nadia Anjuman,
a meio da noite, porque te assassinaram, quando possivelmente as tuas noites
eram como são as minhas noites, sonhar com poesia, respirar poesia, snifar
poesia…
A meio da noite, uma flor
se aproxima de ti, se deita no teu colo, e recorda-me a infância com muitos
meios da noite, eu olhava as estrelas, pedia um desejo,
E voava,
Sobre ti a meio da noite,
Porque te assassinaram?
Flor de Fumo…
14/10/2023
Talvez a vida tenha
começado no espaço
Frio e escuro
Dizem eles
Os cientistas
Talvez a vida tenha vindo
do espaço…
Mas eles dizem tanta
coisa…
Que eu não sobrevivia aos
primeiros meses de vida
E cá estou eu
Sentado numa cadeira
Em frente ao mar…
À espera
À espera de que o mar me
leve
E a escrever parvoíces.
Talvez a vida seja apenas
uma imagem
Reflectida no espelho da
insónia
Talvez a vida tenha
começado fora
Fora da Terra
E eu
Aqui
A queixar-me da vida.
Talvez a vida tenha
começado na tua mão
Também ela
Reflectida no espelho da
insónia
Também ela
Perdida em frente ao mar
À espera
À espera da minha vida
Da minha mão.
Talvez a vida tenha
começado na minha rua
Em frente à minha casa
No número quinze
Terceiro esquerdo
Talvez a vida
Talvez a vida tenha
começado no teu silêncio
Quando me olhas…
E nem bom dia me dizes
Talvez a vida…
Eles dizem tanta coisa…
Talvez a vida tenha vindo
dos teus olhos
Também eles reflectidos
no espelho da insónia
Que existem para me
acordar
Que existem para eu contemplar…
Quando acorda a manhã
Quando se deita a noite
nos teus braços
E dos teus lábios
Emerge-se a vida
A vida que começou no
espaço
Frio e escuro…
14/10/2023
Sentamo-nos.
Suicidamo-nos com o fumo
deste cigarro
Quando dispara sobre a
manhã
A bala de prata.
Suicidamo-nos com as
lágrimas do mar
E sentamo-nos nesta pedra
cinzenta,
Velha,
Ferrugenta,
Sentamo-nos e
suicidamo-nos pelo entardecer,
Junto ao rio,
Quando o teu corpo não se
cansa de arder
E chorar,
O veneno que nos vai matar,
No verbo de escrever.
Sentamo-nos no chão com o
odor do teu corpo,
Suicidamo-nos com as
flores da Primavera…
Voamos para o castelo do
silêncio,
Quando os teus lábios se
transformam em pigmentos de luz…
Em pedacinhos de
amanhecer,
E suicidamo-nos quando
acordar o dia,
Quando o sol nascer,
E nos oferecer,
Ao pequeno-almoço…
Poesia.
Sentamo-nos.
Suicidamo-nos com o fumo
deste cigarro,
Nutriente do meu corpo
viver,
Sentamo-nos sobre esta
pedra, esta pequenina pedra de veludo…
E suicidamo-nos com as
primeiras lágrimas da manhã,
Nós
Sentados…
À espera de que o mar nos
leve.
08/10/2023
Desenhar-te,
Cansa.
Sonhar-te,
Cansa.
Desenhar-te nos meus
braços,
Cansa.
Desejar-te,
Cansa.
Amar-te…
Cansa muito.
No entanto,
Desenho-te,
Sonho-te,
Desenho-te nos meus
braços…
Desejo-te
E amo-te muito
Tanto o quanto te odeio….
07/10/2023
Tragam o carrasco
Estou pronto para ser castigado
Sempre estive pronto
Tragam o carrasco
Com os seus alicates
Com as suas garras
Tragam o maldito carrasco
Do dia que nasce
Ao dia que morre
Pronto
Sempre estive pronto para
as suas garras
Tragam o carrasco
E o saco com os pecados
Tragam vinho
Tragam pão
Uísque
E charros
Tragam o carrasco e castiguem-me
Me atormentem
E me matem
Se Deus quiser
Quando cair a noite
Tragam o carrasco
E os seus métodos de
tortura
Na fome que dura
Que dura na mão do
carrasco
Tragam o carrasco
Tragam a chuva
Que eu mereço
O castigo
Do carrasco
01/10/2023