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domingo, 8 de dezembro de 2013

Posso oferecer-lhe flores, menina?

foto de: A&M ART and Photos

O menino de sorriso amarelo não acredita no Natal, alimenta-se de pigmentados corações de açúcar, dança descalço sobre as pedras quadriculadas do caderno de Matemática, inventa equações que para não esquecer o significado de cada uma, escreve-as na adensada areia branca da praia das gaivotas cinzentas, o menino não acredita que existem barcos com asas, o menino não acredita que existem pássaros com âncoras de verniz e paisagens prateadas nas janelas do olhar, o menino
Sou seu?
Ela dizia-me que quando eu fosse grande
Aparecerá na tua sombra um poema chamado saudade,
Cresci, fiz-me de homem
Fizeram-no homem com braços, com pernas, com... cabeça e olhos, tudo, tudo em granito, puro, do Transmontano, mas nunca contou que
Aparecerá na tua sombra um poema chamado saudade,
Sou seu?
O menino de sorriso amarelo não acredita no Natal, o menino de sorriso amarelo não gosta do Natal, das coisas supérfluas e inanimadas como as árvores rendadas do pijama dela,
Ela dizia-me que quando eu fosse grande um poema chamado saudade aparecia na minha sombreada constipação nocturna das flores ainda não oferecidas
Posso oferecer-lhe flores, menina?
O parvalhão do moço, dizem que sou eu, inventava palavras e escrevia-as sobre a pele incandescente da areia branca das praias do Mussulo, o menino de sorriso amarelo queixava-se que a travessia transatlântica era uma maneira fácil e cómoda de se esconder dos embondeiros com lábios de suor encarnado, havíamos de descobrir o amor e a paixão, o silêncio quando a noite rompes os cortinados vazios dos púbis em fúria, havia sempre um clitóris agoniado, sem sentido, às vezes
Envergonhado,
Outras
Outras..., não, não gosto do Natal, e o poeta é lindo enquanto escreve, e o homem de pedra é homem enquanto a pedra não se desfaz, esmigalha-se... e o pó entranha-se nos móveis do quarto com varanda para o Tejo,
Os apitos chegavam-nos de Cais do Sodré, elas vestidas de meninas gritavam...
Olá meninos, vamos a uma voltinha?
Inseríamos a moeda na ranhura... e voávamos sobre as oliveiras invisíveis que me acompanhavam desde o Douro ainda não Património da Humanidade, mas um Douro carrancudo, encurvado... como cobras de cabeça em prata que pernoitavam no vão de escada do sótão dos esquimós de aço, que inventávamos nos iglus que o prazer carnal transmitia aos alicerces de leite-creme depois das aventuradas passagens pelo carrossel do sexo vampiro, o sangue aparecia nos tornozelos da ardósia tarde, os cobertores
A menina dança?
Nem dançava nem tão pouco consentia que lhe apalpassem as mamas, como as plantas do canteiro da dona Augusta, acariciávamos-lhes as doces pétalas de chocolate, e depois
Envergonhado,
Aparecerá na tua sombra um poema chamado saudade,
Sou seu? eu... o poema chamado saudade...
Subíamos, descíamos, rodávamos em sentido contrário aos ponteiros do relógio do tio Serafim, e vinha-me à memória o círculo trigonométrico do tesão quando o cosseno de trinta e cinco graus adormece sobre as âncoras de verniz e paisagens prateadas nas janelas do olhar, choravam elas, tremiam, e
Não deixavam que lhe apalpássemos as mamas porque diziam
São estrelas com sabor a tristeza,
As flores, o carrossel e o vão de escada,
Cais do Sodré em sólidos apitos, e eu
O menino de sorriso amarelo não acreditava no Natal,
Depois
Acordei, fizeram-me de homem
E tal como o menino
Não
Acredito
Que existem pássaros com âncoras de verniz e paisagens prateadas nas janelas do olhar, o menino
Sou seu?
É ela, quando acendo a luz do candeeiro da mesa-de-cabeceira e vejo lá poisado um par de óculos, um livro do Agualusa e o “Quinto Livro de Crónicas” de A. Lobo Antunes, e oiço-o em teias de aranha caminhando no corredor do
Carrossel
Inseríamos a moeda na ranhura...
E no corredor do sótão um jacaré de palha seca brincava com o menino que
Não
Acredito
Que existem pássaros com âncoras de verniz e paisagens prateadas nas janelas do olhar, o menino
Sou seu?
Um carrossel pintado de fresco,
Cuidado
“Pintado de Fresco”
O Natal... e as meninas não gostam que eu lhes ofereça flores...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 8 de Dezembro de 2013

sábado, 24 de novembro de 2012

Os gemidos cansados da geada quando ligava a torradeira


Tinham-nas coberto com uma fina película de prata, as casas e as ruas e as poucas árvores livres da cidade, os relógios cessaram os movimentos pendulares após o sorriso tracejante das balas invisíveis que caminhavam na esplanada da noite, eu acendia os cigarros com um pedacinho de silêncio, quando existia, e sonhava transformar-me em sombra e acordar um dia distante nas profundezas do oceano, tinham-nas coberto, as casas e as ruas e as poucas árvores amigas que me restavam naquela noite invernal esquecida nos penhascos moliceiros mendigos de Janeiro, e eu recordo-me do primeiro berro que escrevi numa parede de Luanda, e eu, nos penhascos e as poucas árvores amigas que me restavam, talvez um dia tu percebas o que é a pobreza e a miséria,

- talvez um dia eu compreenda os gemidos cansados da geada quando ligava a torradeira para aquecer as mãos, finas e compridas, dizias-me que lá foram os jardins eram de areia, e eu não, nunca mais toquei nas lágrimas da areia, apenas uma fina película de prata, as casas e as ruas e as poucas árvores livres da cidade tilintavam os parafusos metálicos quando o comboio em direcção a Cais do Sodré atravessava a cidade acabada de ser engolida pela solidão, tu dizias-me que um dia ia perceber o que era a pobreza e ser miserável, e um dia as poucas árvores amigas livres da cidade, tinham-nas, tinham-nas coberto com uma fina película de fome, e tu dizias-me que um dia eu ia perceber, e percebi, hoje, ontem percebi que me fazes falta quando cai sobre mim a fina película de prata,

as balas invisíveis tracejantes em círculos nos cigarros, escrevi numa parede de Luanda, e eu, nos penhascos e as poucas árvores amigas que me restavam, talvez um dia tu percebas o que é a pobreza e a miséria, e estupidamente ligava a torradeira para aquecer as mãos de mármore, e ouvia-te dizeres-me, tão grandes e finas, as árvores amigas que vivem na cidade dos sonhos, ouvia-te

- não temos nada para comer,

ouvia-te chorar dentro do silêncio da chita imitando os cortinados com flores das ruas de Luanda, e a primeira palavra que gritei numa parede de vidro Tenho fome, e nunca terás fome, prometo, e escrevi nas paredes livres da cidade, antes das balas tracejantes desenharem árvores com fome e as casas e as ruas finas com uma película de prata, Leva-me ao jardim

- não temos nada para comer, e levava-te a passear até ao mar e ficavas-te a dormir juntamente com a cidade, juntamente com os barcos, e juntamente com os movimentos pendulares das semanas, desapareceste entre as minhas mãos, perdi-te na torradeira enquanto aquecias, tão grandes e finas, as árvores, e as ruas,

antes das balas tracejantes desenharem árvores com fome e as casas e as ruas finas, eu não percebia que um dia vinhas ao meu encontro, te sentavas nas minhas pernas e inventavas o apito dos cacilheiros antes de eu perceber que o Tejo engole os meninos regressados de Luanda, e que eles tinham-nas coberto com uma fina película de prata, as casas e as ruas e as poucas árvores livres da cidade, os relógios cessaram os movimentos pendulares após o sorriso tracejante das balas invisíveis que caminhavam na esplanada da noite, eu acendia os cigarros com um pedacinho de silêncio, quando existia, e sonhava beijar-te de costas para o rio, e escondia-me depois dentro do teu corpo pintado nos carris paralelos abraçados no infinito, perguntavas-me

- falta muito,

respondia-te que não, mentia-te, inventava sombras e homens que te diziam andar eu a passear junto ao rio, e não sabias, não percebias, que a fome quando se alicerça em nós é como as algas, dificilmente nos deixam caminhar livremente, nos penhascos moliceiros mendigos de Janeiro, e eu recordo-me do primeiro berro que escrevi numa parede de Luanda, e eu, nos penhascos e as poucas árvores amigas que me restavam, talvez um dia tu percebas o que é a pobreza e a miséria, mentia-te, e tu acreditavas nas nuvens que regressavam do outro lado do rio, a ponte dormia, tu dançavas sobre a mesa espessa com garrafas de vodka e pequeníssimos papeis escritos com as memórias mentiras de ontem, falta muito?

- Quase lá, o cabelo descia a Almirante Reis e numa transversal perdia-se numa noite de sexo, compreenda-se, compreenda-me, dizias-me tu antes de chegares aos lençóis mergulhados na infância com as paredes de vidro recheadas com os gritos de um miserável doentio navio desgovernado,

espessas com as garrafas de vodka pintadas nos lábios encarnados da cave nua, triste, e as balas invisíveis tracejantes em círculos nos cigarros, escrevi numa parede de Luanda, e eu, nos penhascos e as poucas árvores amigas que me restavam, talvez um dia tu percebas o que é a pobreza e a miséria, e estupidamente ligava a torradeira para aquecer as mãos de mármore, e ouvia-te dizeres-me, tão grandes e finas, as árvores amigas que vivem na cidade dos sonhos, ouvia-te, dizias-me que as mentiras são eternas, como as palavras, e as tuas mãos desapareceram na torradeira numa qualquer noite de Janeiro,

- falta muito Perguntavas-me de segundo em segundo, tanta curva meus grande deus, e nunca mais terminava a montanha, crescia e descia a Almirante Reis para estacionar-me nas tuas mamas de socalco frente ao douro

hoje não me apetece,

- socalco frente ao douro, dizias-me baixinho a virar para a transversal dos prazeres e dos gemidos, é hoje, e não foi hoje que as lágrimas de seda mergulharam nas tuas coxas de marfim, ao longe, infinitamente abraçados ouvia os carris da infância à procura do rio, a ponte,

hoje não me apetece Dizias-me quando te perguntava o que tinha acontecido às árvores amigas que durante a noite deambulavam pela cidade, vestidas de mendigo, hoje não, ouvia-te lá fora, hoje não me apetece ouvir o rio no púbis dos socalcos,
oiço-te, ouvia-te os gemidos do infernal inverno quando abria a torradeira e aquecia as minhas mãos gélidas pergaminho em palavras miseras, hoje vi-te, oiço-te nos gemidos gritos das paredes de vidro,

- não me apetece,

e no entanto o rio está lá, e no entanto os socalcos estão lá, findos, húmidos desejos das montanhas em corridas loucas avenidas, saboreio o café e delicio-me com o novo livro de A. Lobo Antunes “Não É Meia Noite Quem Quer” e não me apetece, e o empregado do Jeronymo sorri-nos enquanto tu

- hoje não me apetece Dizias-me quando te perguntava o que tinha acontecido às árvores amigas que durante a noite deambulavam pela cidade, vestidas de mendigo, hoje não, ouvia-te lá fora, hoje não me apetece ouvir o rio no púbis dos socalcos, oiço-te, ouvia-te, sussurrar ao meu ouvido

enquanto tu pegavas na minha mão suspensa na torradeira da infância...

(texto de ficção não revisto)

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Lanterna

o feixe de palavras
mistura-se com a minha sombra
dentro do corredor brincam páginas de literatura
e poesia de páginas
amarelas
encarnadas
escuras
com listras de pôr-do-sol

nos lábios do mar
a boca do silêncio alimenta-se do teu corpo
e pingos de saliva subtraem-se às rimas do teu cabelo
a caneta de tinta permanente beija-o
docemente
ajeitando a almofada da solidão
sem braços
sem mão

à procura dos teus desejos
de algodão
no parapeito da janela da biblioteca
abraçados às personagens dos livros de A. Lobo Antunes

o feixe de palavras
mistura-se com a minha sombra
dentro do corredor... páginas de literatura

amarelas
rosas
encarnados
cravos

a lanterna da vida finge orgasmos nas palavras
amarelas
rosas
encarnados
cravos
e o corredor não tem fim

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O último desejo

O último poema da noite
O último cigarro
Uma luz seminua que se acende
E uma página do livro de Lobo Antunes
Poisa na minha mão
O último pensamento
Antes do último desejo…
“Titina” junto à porta sorri
E eu deixo cair a caneta
Sobre a noite que se desfaz como grãos de areia
Nos lençóis encurralados entre as estrelas
E depois do último poema
Do último cigarro
Depois do último desejo
Cerro o livro
Cerro a luz
Fecho a janela virada para o mar
“Titina” adormece
E o meu último cigarro sobrevive
À solidão da noite