sábado, 2 de julho de 2022

Lágrima de fogo

 

Uma lágrima de fogo desce dos teus olhos envenenados pelo silêncio invisível da maré, junto ao rio da saudade, as tuas mãos semeiam as planícies distantes do infinito, até que um pedacinho de sorriso, quase a desfalecer, brota do teu amargo desejo em partir; não sabíamos que os barcos da nossa infância se tinham suicidado debaixo da ponte.

Ao longe, separados pela equação do adeus, a lágrima de fogo ainda consegue respirar, está viva, ama, chora e,

Depois,

Desce dos teus olhos envenenados pelo silêncio invisível da maré.

Na algibeira, os barcos transportavam flores em papel e outras coisas mais. Do outro lado da ponte, uma fotografia corria em direcção ao mar, como os cabelos quando a timidez aparece durante a noite e, sem percebermos, as velhas papoilas do nosso jardim respiravam como que se estivessem a solicitar o eterno descanso; até agora, nada.

Nada vezes nada. O zero alimento que separa a razão do sono.

Sonhávamos com as nuvens de Inverno. Sabíamos que sobre as árvores do quintal o homem da bicicleta brincava com todos os sorrisos da aldeia, sabíamos e não o desejávamos, porque no peito, o homem da bicicleta transportava os olhos da madrugada, porque não tínhamos o silêncio permanentemente, como os pássaros o têm durante a noite.

Até agora, a lágrima de fogo, dirige-se para os tímidos cabelos que aos poucos voaram como voam os Sábados à noite, depois de emergir no poço da vaidade. Até agora, a lágrima de fogo brinca no teu sorriso e, ainda permanece na tua inocência, como permanece na tua inocência a tempestade dos algoritmos nocturnos do poema.

As flores, morreram.

As pétalas que sobreviveram, hoje, vagueiam como zumbis nas ruas da cidade.

Uma lágrima de fogo desce dos teus olhos envenenados pelo silêncio invisível da maré, junto ao rio da saudade, as tuas mãos semeiam as planícies distantes do infinito, até que um pedacinho de sorriso, quase a desfalecer, se abraça a mim e,

Despediste-te de mim como se despendem as andorinhas após a fuga da Primavera.

 

 

Alijó, 2/07/2022

Francisco Luís Fontinha

Nuvem adormecida

 

Não saíamos onde habitavam os sonhos.

Tínhamos na mão, depois da tempestade,

Todas as palavras envenenadas pelo silêncio e,

Mesmo assim, pertencias aos velhos muros em xisto,

Onde pequenos pássaros em papel…

Dormiam depois de regressarem do luar.

 

Erguia-me.

Perante o altar da solidão,

De punhos cerrados ao vento,

Suplicava que as minhas palavras,

Que os riscos que deixava no chão,

Partissem em direcção ao mar,

 

Como fazem todos os rios.

Depois, talvez em frente ao espelho,

Cruzava os braços,

Puxava de um cigarro invisível…

Sabendo que ontem, depois da chuva,

Partiram os teus cabelos de nuvem adormecida.

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Francisco Luís Fontinha

Alijó, 02/07/2022