sábado, 23 de abril de 2022

Cinzeiros amordaçados

 

Tínhamos o céu,

Tínhamos as gaivotas junto ao mar,

Tínhamos no silêncio o véu,

O véu de chorar,

Tínhamos a montanha doirada,

Tínhamos as palavras de escrever,

Tínhamos tudo ou quase nada,

Nada para comer.

Tínhamos um rio selvagem,

Que poisava, durante a noite, na nossa mão,

Tínhamos medo da viagem,

Da viagem sem coração,

Tínhamos poesia, palavras envergonhadas,

Tínhamos nos livros de amar,

Todas as madrugadas,

E… tínhamos o cansaço do mar.

Tínhamos lápis para riscar,

As paredes da solidão,

Tínhamos vontade de gritar,

Nós queremos é pão.

Tínhamos a saudade travestida de amanhecer,

Tínhamos muitos barcos de brincar,

Tínhamos vontade de correr,

De correr e gritar.

E tínhamos o silêncio no nosso peito.

Tínhamos espingardas de papel,

Tínhamos um barco sem jeito,

Que puxávamos com um cordel.

Tínhamos alegria,

Tristeza,

Tínhamos a fantasia,

No desejo em beleza,

Quando tínhamos no sonhar,

O perfume de uma flor,

Quando trazíamos do mar,

Silêncio e dor.

Tínhamos a vaidade de crescer,

Sob os pincelados beijos de arenato,

Tínhamos as nuvens a morrer

Nas lágrimas de um regato.

Tínhamos a paixão,

Tínhamos as sandálias do pescador,

Tínhamos sempre na mão,

Uma e linda pobre flor.

Tínhamos sanzalas em prata

E cinzeiros amordaçados,

Tínhamos sonhos de lata,

E tínhamos os filhos envergonhados.

E tínhamos a fogueira…

E tínhamos a canção…

E não tínhamos maneira,

Maneira de dizer não.

Hoje, não temos nada,

Hoje apenas uma fotografia junto ao mar…

Hoje, apenas a madrugada

E a vontade de voar.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 23/04/2022

quinta-feira, 21 de abril de 2022

As andorinhas do meu País

 

Onde poisam as andorinhas

Do meu país!

Onde brincam os poetas

Do meu País!

Onde habitam

As pedras do meu País!

 

Onde estão os sonhos do meu País!

 

E bebo deste rio

A saudade do meu País,

E alicerço no meu olhar

A revolta do meu País,

 

E sonho com as madrugadas

Do meu País…

 

Todos os dias!

A todas as horas!

 

Onde poisam as andorinhas

Do meu país,

Que no papel amarrotado

Escrevo ao meu País,

E enquanto pinto este rio,

Uma enxada,

Despede-se do meu País;

Com fome. Com sede.

 

E sonho com as madrugadas

Do meu País…

E sonho com os rios

Do meu País.

 

E esta andorinha que não voa,

Porque no meu País

Roubaram as madrugadas,

Porque no meu País,

Roubaram as palavras,

Porque no meu país já somos poucos… ou quase nada.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 21/04/2022

segunda-feira, 18 de abril de 2022

Instantes

 

Instantes,

Imagens que passeiam na madrugada,

Sombras de fino néon

Nas mãos de uma criança.

Instantes,

Pequenas palavras que dançam

No caderno da solidão.

Instantes,

Quando o silêncio é crucificado na montanha do desejo.

Instantes,

Pequenos nadas

Nos lábios da alvorada.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 18/04/2022