terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Equações de sono

 

Trazias no corpo

Os parêntesis rectos da insónia;

Das palavras às equações do sono,

Triste esta argamassa de cansaço,

Quando o espaço é uma sombra de nada,

Quando o nada…

É cansaço.

Canso-me porquê?

 

Tenho amor,

Tenho comida,

Tenho um tecto onde me esconder;

 

Pior do que eu

Vive a formiga,

Trabalha, não tem palavras para escrever,

Não tem flores para amar.

 

Pior do que eu,

Habitam os pássaros dentro mim,

Não se cansam de cantar,

Não têm medo de escrever,

 

Trazia no corpo

O silêncio de uma noite mal dormida,

O poema em devastação,

Oiço nas tuas palavras,

O mar em suicídio,

Como qualquer homem de coragem;

Porque, acredita, para te matares tens de ter muita coragem…

E felizmente, eu sou um covarde.

 

Um covarde que acredita na vida,

Um covarde com palavras para escrever,

Um covarde quase licenciado na arte de amar…

Na arte de adormecer.

 

E da arte crescem palavras,

Números e equações de sono,

Rolamentos,

Chumaceiras,

Correias e volantes,

E tantas outras doideiras.

 

(Pior do que eu

Vive a formiga,

Trabalha, não tem palavras para escrever,

Não tem flores para amar).

 

 

 

Alijó, 04/01/2022

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

Um grama de saudade

 

Um grama de saudade

Que adormece em mim

Caminhando terra adentro

Caminhos sem fim

Caminhos sem liberdade,

 

Um grama de saudade

Nas profundas lâminas de fogo

Da lareia ao inferno,

 

Um grama de saudade

Triste cansada amordaçada

Na chuva sem fim.

 

Um grama de saudade

Que caminha em mim,

 

Um grama de saudade

No solstício do medo;

Escondo-me

Ergo-me

Neste grama de saudade

Ao pedaço aconchego.

 

Um grama de saudade

À triste manhã sem raiz

Um grama de saudade

Liberta,

Liberta de mim.

 

Um grama de saudade

Na terra desalinhada

Profunda

Ou quase nada,

E neste grama de saudade,

Vejo minha pátria roubada.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 03/01/2022

domingo, 2 de janeiro de 2022

A paixão das pedras,

 

Das pedras

O mal-amado mordomo,

O eterno viajante,

O derradeiro coveiro da liberdade,

Das pedras

Às nádegas embalsamadas,

O homem das pedras,

Ao homem dos cacos,

 

Nas palavras revoltantes.

Das pedras,

Luz claridade silêncio,

Aos cigarros envenenados,

 

Nas pedras, cacos,

 

Das pedras, votantes.

 

Às pedras

O mal-amado mordomo,

O pelintra da madrugada,

Quando grita,

Quando ladra,

Cumprimenta-o não sabendo,

Sabendo quase nada;

E tudo se resume a uma simples morada.

 

Das pedras

Não sabe nada.

 

Porque nas pedras

Habita uma velha estória,

Um cardume de cinza,

Nas pedras a glória,

 

Nas pedras votantes,

 

O cheiro a naftalina.

Às pedras regressarás,

Como um punhado de estrume,

À fogueira,

Ao lume;

Nas pedras

O teu pobre caixão,

Nas pedras, perfume.

 

 

 

Alijó, 02/01/2022

Francisco Luís Fontinha

Daqui para acolá, esta máquina de matar

 

Das asas às palavras

Flutua esta vida em planície

Neste circo montado

Das cidades em lágrimas.

 

Das palavras selvagens

Estes apitos sem dormir,

Cansado desta viagem,

Das palavras ao rio;

 

O silêncio teu.

Das asas às palavras

Tenho um sorriso

Tenho um cantinho no céu.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 02/01/2022