sábado, 16 de outubro de 2021

A equação do cansaço

 

Duzentos e seis ossos

Sentados na esplanada do sono,

Sob a álgebra da insónia,

Mesmo junto ao rio,

Um fio de sémen desenha a tempestade;

Rodas dentadas entrelaçam-se

E amam-se no espelho do luar.

Regressa, pela noite, o cansaço,

Traz com ele a ínfima equação do desejo

Que percorre as ruas da cidade,

Que acaricia com a sua mão

Os seios tempestuosos do silêncio.

Escreve-se o poema

Na tela argamassada do abraço,

Quando uma fina névoa de suor

Lhe percorre as coxas de aço.

O poeta solda uma pequena chapa de saliva

À boca do púbis,

E, todos os pássaros da aldeia

Dormem abraçados aos parafusos do gemido;

E o poeta cansado,

Desenha no corpo da amada sombra,

Uma língua de solidão,

Com janela para o abismo.

Transcreve para o jardim das pilas mortas

Todos os sonhos da infância,

E todos os brinquedos,

E todas as palavras,

Suicidam-se no hotel do sofrimento.

Eles morrem.

Elas, não morrem.

O luar deita-se nas coxas do poema

Como se fosse uma corda em nylon

Suspensa nos lábios da manhã;

Batem à porta e,

Trazem-lhe um punhado de fome,

E, trazem-lhe uma equação de cansaço.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 16/10/2021

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

A velocidade do sono

 

Descia sobre mim

A velocidade do sono.

 

Dos cortinados da ausência,

Percebia-se que a tarde se iria suicidar

Na manhã transeunte de Inverno,

Saltitando de maré em maré,

Pulando os socalcos do inferno,

Até encontrar o mar.

 

Estava escrito na minha infância,

Que uma cidade rabugenta

Subia a montanha,

 

Até beijar a boca que alimenta

A fome trapézica do veneno… ou a morte de Zeus.

 

E corria

Na sombra magenta que apanha

O cansaço de Deus,

 

Que tudo ele podia,

Que tudo era apenas uma cidade ardida,

Que tudo ele sentia,

Sentia a dor da mãe ferida.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 11/10/2021

domingo, 10 de outubro de 2021

A enxada do amanhecer

 

Escrevia equações de areia

Nos olhos da saudade,

Fazia da madrugada, uma ideia,

Uma ideia sem idade.

 

Pintava a velha cidade

Nas nuvens em democracia,

Nas suas mãos transportava a felicidade,

A felicidade que não sentia.

 

Estava velho, cansado

Na enxada do amanhecer;

De tanto amar e ser amado

 

Esqueceu-se de comer.

Pegou nas palavras e sem querer

Desenhou o mar, o mar a envelhecer.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 10/10/2021