quinta-feira, 19 de agosto de 2021

O poeta das quatro pedras da insónia

 

O tempo alimenta-se dele, dei-me conta, há pouco tempo, quando o relógio de pulso entrou em desespero e, em vez de mostrar as horas, começou, manhã cedo, a pincelar-me o pulso com lágrimas.

Os sonhos acordaram em mim quando pela janela observei uma flor em papel que ardia no meu jardim; e dela dissipavam-se as quatro pedras da insónia.

O poeta morre nas mãos daqueles onde semeou as palavras embebidas no nylon envenenado pela tempestade,

Dizia-se

A vagina é uma máquina fotográfica.

E a tempestade foi andando, havia dias que pincelava o céu de um encarnado vivo, sinal de riqueza pelo olhar das sílabas de uma Lisboa em fios de sangue. Colocaram-no num jardim sem nome, vivia de esmolas e, vendia palavras embrulhadas em lábios de medo, sabia que à sua volta, todos as tardes, um imbecil lhe segredava que a terra é de quem a trabalha,

Pois. E deixou escrito numa caixa em cartão

O Fruto é de quem o colhe.

Abriram o caixão e dentro dele apenas pedras, as quatro pedras da insónia. Antes de morrer, escreveu na terra húmida de Luanda

Um dia vou regressar.

Nada. Nunca regressou e vomitou flores do átrio da igreja matriz.

Rezava quantas vezes possíveis, comia as próprias palavras que escrevia, não sabia que havia tantos imbecis nas catacumbas da insónia,

Como recordo as quatro pedras,

Simples.

Corres vivas,

Alimenta-se do orvalho, caminha sobre as pedras finas da memória e, transforma sonhos em pesadelos, pela manhã, ao acordar.

Sentava-se sobre uma pedra de luz, lia AL Berto e Pacheco e, escreviam nas paredes da casa de banho pública

O gajo é louco.

A ira, o tédio das tardes de Inverno e, mesmo assim, sobreviveu às quatro pedras da insónia; triste, meu filho.

Triste, meu pai; muito triste.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 19/08/2021

quarta-feira, 18 de agosto de 2021

A menina da ilha adormecida

 

Abraçava-se à lua

Quando a noite dormia na montanha e,

Os seios de um rio

Em pedacinhos de sorriso

Fatiava o luar em finíssimas lâminas de desejo.

Pegava nas palavras mortas

Do texto suicidado pela neblina,

(Ai, menina,

Menina da ilha adormecida.)

Folheava cada pétala de prazer

No abraço das pequeníssimas sílabas…

Dos livros, observava o mar,

O mar a arder.

Abraçava-se à lua

Quando a noite embriagada,

Triste

Nua…

Acorrentava à madrugada

A ilha adormecida,

Da menina,

Da menina mimada

À menina despida.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 18/08/2021

terça-feira, 17 de agosto de 2021

Que nos teus seios Habitem as papoilas da minha infância,

 

Escolho a noite para desejar o teu silêncio,

Beijar a tua boca de amêndoa

Nas planícies tempestades de Inverno.

Escrevo o poema

No teu corpo

Quando a fotografia do teu sorriso,

Manhã cedo,

Me alimenta ao pequeno-almoço.

Abraço-te como se fosses a única flor do meu jardim,

A última palavra que escrevo na minha lápide…

Sendo assim,

Amar-te é fácil; desejar-te sabendo que um desenho

Dorme na tua mão.

Desejar-te sabendo que tens no olhar

A maré de prata dos silêncios incandescentes

Da madrugada;

e. beijo-te.

Escolho a noite

Para acariciar a tua pele pergaminho,

A equação resolúvel das tuas coxas

Num qualquer caderno quadriculado,

Sabendo

Que nos teus seios

Habitem as papoilas da minha infância.

Pego nos meus olhos,

Transcrevo em mim

As palavras proibidas do meu vocabulário;

Assassinos,

Todas os monstros da noite.

Dos teus lábios

A insónia cigarrilha

Que se funde na minha mão;

Serei capaz de te amar como mereces?

Das palavras,

O meu silêncio

Numa noite em desejo.

Amar-te.

Escrever-te.

Sabendo que lá fora o mar espera por nós.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 17/08/2021

domingo, 15 de agosto de 2021

Da paixão. O meu poema voando como uma serpente,

 

Todas as horas são palavras para adormecer. Despe-a solenemente enquanto ao longe a quebrar o silêncio dos uivos, ROUGH AND ROWDY WAYS semeia nas pequenas gotículas da paixão o poema em construção. Beija-a, abraça-a, escreve-lhe no copo o desejo em pequenos pergaminhos e, sabe que dentro dela, todas as noites, urgem as pequenas sílabas da paixão.

Transportas no púbis o pôr-do-sol, cintila no olhar o silêncio da noite, quando todos os livros danças ao som de BOB DYLAN e, ambos sabemos que a paixão fervilha nos socalcos cansados de uma enxada de luz.

Pinta no corpo o amanhecer, da pele lúcida e transparente adivinham-se as canções nocturnas do rio e, todas as horas são horas para amar.

Alicio-a

Canso-me nos beijos, canso-me nas palavras imaginadas por uma máquina fotográfica e, o retracto de desejo absorve-se como se fosse uma lâmina de gemidos dentro do túnel com acesso ao mar. Os barcos brincam na sua mão, na boca, os pequenos uivos e gemidos da tempestade, depois

Alicio-a,

Danço no seu corpo de tela inacabada, sempre que me sento nesta pedra, imagino-a saindo dos seios do mar, como se ela fosse uma página em branco, em que todas as noites escrevo o meu poema

Da paixão.

O meu poema voando como uma serpente dentro de um buraco negro; as estelas olham-se no espelho da manhã, os cigarros fumam-se a cada pequeno passo nas planícies do silêncio e, o amor

Alicio-a e dispo-a.

Aos poucos, deixo de ouvir ROUGH AND ROWDY WAYS, o som mistura-se com as palavras embebidas no prazer,

Sinto-a dentro de mim,

E, eis os gonzos da noite.

Sinto-a nas palavras entre relógios de pulso e sombras de luz nas profundezas das palmeiras junto à baía e, vem até mim o cheiro das algas acabadas de acordar.

Poisa os seios no parapeito olhar de uma janela de hotel, urgem as pequenas sílabas da paixão e, eles olham o veleiro que zarpa das suas coxas. Enveneno-me de luz, embriago-me de silêncios gemidos depois de perceber que fui palavra no útero de minha mãe,

As saudades, eles percebem-me.

E, devem estar muito felizes.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 15/08/2021